Qualidades congênitas ou adquiridas

Fabrizzio B. Dal Piero

Se faz parte da religião acreditar que o homem foi criado por um Ser bom, é mais coerente com esta fé acreditar que tal Ser concedeu a todos os seres humanos faculdades para que as cultivassem e ampliassem, ao invés de arrancá-las e consumi-las, e que ele vê com satisfação cada passo que aproxima suas criaturas da concepção ideal nelas corporificadas, cada aumento em sua capacidade de compreender, agir e se divertir.

John Stuart Mill

Nossa herança genética nos dota a cada um de uma série de pontos-chave que determinam nosso temperamento. Entretanto, os circuitos cerebrais envolvidos nessa formação são extraordinariamente maleáveis. Assim como moralidade e ética podem ser ensinadas, o temperamento não é destino, pode ser alterado. As lições emocionais que aprendemos na infância, em casa e na escola modelam os circuitos emocionais, tornando-nos mais aptos ou inaptos nos fundamentos da emoção. Isso significa que a infância e a adolescência são janelas críticas para determinar os hábitos emocionais básicos que irão governar nossas vidas.

Para Clausewitz, "as diferenças de capacidades mentais encontram-se intimamente relacionadas com as forças físicas do organismo humano; estas diferenças são apresentadas pelo sistema nervoso, que liga os elementos físicos e mentais do homem". A partir desse ponto de vista, ele vai além e estabelece quatro classes de homens.

A primeira classe é a dos fleumáticos e indolentes. O seu equilíbrio não se abala com facilidade; isso, porém, não pode ser chamado de "determinação", pois não há oportunidade para qualquer manifestação externa de poder. Tais homens, entretanto, a partir de sua própria apatia, possuem um certo valor na guerra. Muitas vezes falta-lhes energia e atividade, porém muito raramente revelam-se fracassos totais.

A segunda classe é composta tanto por homens exaltados, cujos sentimentos nunca atingem uma grande intensidade, como por homens calmos e sensíveis. Ambos são prontamente levados a agir por pequenas circunstâncias, porém não conseguem comandar grandes questões. Embora na guerra não lhes falte atividade, nem solidez, eles não conseguem realizar nada de realmente grande.

Na terceira categoria encontram-se homens altamente exaltados, cujos sentimentos inflamam-se rapidamente, como pólvora, porém não vão adiante. Tal temperamento é, em si, mal-adaptado à vida prática tanto no período de paz como no de guerra. Seus impulsos são fortes, porém momentâneos. Mas, se, em tais homens, sua excitabilidade for combinada com coragem e ambição, eles podem obter resultados valiosos em níveis inferiores, uma vez que as ações especificas necessárias nos níveis mais baixos são naturalmente de curta duração. Neste nível, uma única decisão arrojada ou um sinal psicológico é, de modo geral, o suficiente para mudar o resultado de uma batalha.

Esses homens cujos sentimentos alteram-se tão rapidamente, entretanto acham difícil manter o seu equilíbrio, têm tendência a "perder a cabeça", um dos seus piores defeitos na guerra. Porém, não se pode afirmar que esses temperamentais exaltados jamais são fortes, isto é, jamais mantêm o seu equilíbrio apesar da excitação. Embora homens como estes, de modo geral, não confiem, a principio, em si mesmos, eles podem, por meio de estudo, treino e experiência, adquirir uma forma de autoconfiança à qual podem recorrer em momentos cruciais.

É impossível fazermos uma nítida distinção entre esses homens, conforme indicadas por Clausewitz. Muitas vezes pode ser difícil dizer a que classe pertence um determinado indivíduo. O próprio Clausewitz diz que é contrário à afirmação de que indivíduos de natureza exaltada não conseguem, mesmo em meio à sua excitação, manter o equilíbrio.

Se o contrapeso adequado pode ser encontrado pelo treino, auto-estudo e experiência, os homens dessa classe dificilmente podem distinguir-se daqueles pertencentes à quarta categoria; isto é, aqueles que não são prontamente movidos por pequenas questões e que não entram em ação de forma súbita, porém gradualmente, e cujas emoções são poderosas e duradouras. Seus sentimentos são fortes, no entanto encontram-se profundamente escondidos. Esses homens estão para as outras classes assim como um brilho está para uma chama; eles possuem o poder dos titãs de mover grandes pesos, que podem ser comparados às dificuldades militares.

Portanto, devemos estar sempre alerta às emoções, pois estas podem nos fornecer informações importantes sobre nós mesmos e sobre as outras pessoas em diversas situações. O desenvolvimento da autoconsciência emocional é uma realidade que deve estar presente no decorrer da formação militar, nas academias militares nos próximos anos.

Não necessitamos de soldados sem emoções, insensíveis ao perigo ou mesmo à guerra. A familiaridade com o perigo não faz, necessariamente, um homem desprezá-lo. O corpo torna-se mais forte e mais capaz para enfrentar as adversidades; porém o coração e o espírito tornam-se cansados e começam a desejar um fim aos seus problemas. Por isso, é indispensável a compreensão e estudo das emoções que um soldado leva consigo para a batalha. O soldado deve entender o que significa e como levar inteligência à emoção. Essa compreensão, em si mesma, pode ajudar em não transformar soldados insensíveis aos sofrimentos da guerra mais sim a permanecer indiferentes ao sofrimento da guerra. Já dizia Von Der Goltz: "apenas alguns poucos e raros soldados, inspirados pelo mais alto espírito de dever, podem permanecer indiferentes aos sofrimentos da guerra".

Em Ética a Nicômano, inquirição filosófica de Aristóteles sobre virtude, caráter e uma vida justa, seu desafio é controlar nossa vida emocional com inteligência. Nossas paixões, quando bem exercidas, têm sabedoria; orientam nosso pensamento, nossos valores, nossa sobrevivência. Mas podem facilmente cair em erro, e o fazem com demasiada freqüência. Como viu Aristóteles, o problema não está na emocionalidade, mas na adequação da emoção e sua manifestação.

Fica aqui levantada a questão: como podemos levar inteligência às nossas emoções, como e onde ensinar e educar os novos soldados a usarem e a identificar as emoções? O soldado do século XXI deve entender o que está sentindo para colocar em prática, de forma correta, a instrução militar recebida nas academias associada com as suas emoções. Essa soma deve ser entendida como uma alavanca poderosa que irá ajudá-lo na tomada de decisões corretas em qualquer situação.

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