Você passou por mim com simpatia,
mas quando viu meus olhos parados indagou
em silêncio o porque vagueio pelas ruas.
Talvez por isso apressou o passo,
e ainda que eu quisesse chamar,
a palavra desfaleceu na boca.
É possível que você suponha que eu desisti do trabalho,
no entanto ainda hoje bati de porta em porta em vão.
Muitos disseram que ultrapassei a idade para ganhar o pão,
como se a madureza do corpo fosse condenação à inutilidade.
Outros, desconhecendo que vendi minha melhor roupa
para aliviar a esposa enferma, me despediram apressados,
crendo que fosse eu um vagabundo sem profissão.
Não sei se você notou quando o guarda me arrancou
da frente da vitrine, a gritar palavras duras,
como se eu fosse um malfeitor vulgar.
Contudo, acredite, nem me passou pela mente a idéia de furto.
Apenas admirava os bolos expostos, recordando os filhinhos
a me abraçar com fome, quando retorno à casa.
Talvez tenha observado as pessoas
que me endereçavam gracejos,
imaginando que eu fosse um bêbado,
porque eu tremia, apoiado ao poste.
Afastaram-se todos com manifesto desprezo,
mas não tive coragem de explicar que não tomo
qualquer alimentação há três dias.
A você, todavia, que me olhou sem medo,
ouso rogar apoio e cooperação.
Agradeço a dádiva que me ofereça em nome do Cristo
que dizemos amar, e peço para que me restitua a esperança,
a fim de que eu possa honrar com alegria o dom de viver.
Para isso, basta que se aproxime de mim sem asco,
para que eu saiba apesar de todo meu infortúnio
que ainda sou seu irmão.
Essa é a mensagem de um homem triste,
quiçá como tantos que vemos perambulando pelas ruas.
É bem verdade que alguns são de fato pessoas
que se comprazem na ociosidade.
Todavia há os desafortunados que apesar de trabalhar a vida toda,
não puderam ajuntar moedas para o sustento próprio e da família,
e que chegada a madureza, são condenados pela sociedade a viver
como réprobos, embora sejam pessoas dignas.
É comum observarmos homens e mulheres puxando um carrinho de papéis
e outros objetos recicláveis, para prover o próprio sustento.
São nossos irmãos de caminhada evolutiva, que não tem coragem
de viver na mendicância, por isso trabalham com dignidade.
Muitos de nós, no entanto, nos enfadamos com essas criaturas
que atrapalham o trânsito com seus carrinhos indesejáveis.
O que não nos damos conta é que além do peso do carrinho,
têm ainda que carregar sobre os ombros o peso da humilhação
e do desprezo impostos por uma sociedade indiferente.
É verdade que todos nós estamos colhendo o que plantamos,
e que aqueles que passam por essas situações precisam dessas
experiências para crescerem espiritualmente.
Entretanto, são nossos irmãos, filhos do mesmo Pai Criador,
e merecedores sem dúvida - no mínimo - do nosso respeito.
Se não os podemos ajudar, que não os atrapalhemos,
jogando-lhes palavras amargas, nem menosprezando-os,
dificultando ainda mais a sua caminhada.