Os criacionistas gostam muito de citar declarações de cientistas evolucionistas proeminentes, bem como escritores de ciência, numa tentativa de retratá-los como tendo dúvidas sobre a validade da teoria da evolução. Em todos os casos, estas citações são tiradas do contexto e distorcem a intenção original do escritor (o cientista proeminente Stephen Jay Gould é um dos que se queixaram publicamente sobre o uso deturpado que os criacionistas fazem dos seus escritos).
Uma das fontes favoritas dos criacionistas mineiros de citações é o escritor Francis Hitching, autor do livro The Neck of the Giraffe: Where Darwin Went Wrong [O Pescoço da Girafa: Onde Darwin Errou]. Até o próprio título do livro de Hitching deve confortar os sentimentos de qualquer criacionista. Não admira que eles se atropelem uns aos outros na tentativa de citar porções do livro de Hitching como "prova" de que a evolução está errada e o criacionismo está correto.
Aqueles de nós que de fato lemos o livro de Hitching, porém, sabemos que a opinião dele sobre os criacionistas e a sua "ciência" não é tão lisonjeira como Morris et al gostariam de nos fazer crer. Aqui estão apenas algumas das coisas que Hitching tem a dizer sobre criacionistas e evolução:
"Evolução e Darwinismo são freqüentemente usados para significar a mesma coisa. Mas não são o mesmo. A evolução da vida durante um período de tempo muito longo é um fato, se acreditarmos na evidência reunida durante os últimos dois séculos da geologia, paleontologia (o estudo dos fósseis), biologia molecular e muitas outras disciplinas científicas. Apesar dos muitos crentes na criação Divina que contestam isto (incluindo cerca de metade da população adulta nos Estados Unidos, segundo algumas sondagens de opinião), a probabilidade de a evolução ter ocorrido aproxima-se da certeza em termos científicos." (p. 12)
De fato, Hitching apresenta um capítulo inteiro do seu livro (capítulo 5) que cilindra os criacionistas e ridiculariza a "ciência" deles. Algumas passagens:
"Por que é que o argumento criacionista, evidentemente plausível, está aberto a suspeitas? Primeiro, porque é bastante errado apresentar criação v. evolução como se estas fossem as duas únicas maneiras de olhar para o problema -- como se fossem dois lados da mesma moeda. As explicações atuais da evolução podem ser cientificamente intrigantes ou insatisfatórias, mas isto não significa que a evolução não ocorreu. As evidências de todas as disciplinas científicas que tocaram no assunto mostram consistentemente que a terra é antiga, é parte de um universo ainda mais antigo, e que a evolução explica por que razão temos tantos tipos de organismos e por que parecem tão diferentes. Métodos de datação radiométrica confirmam a antigüidade da terra. A geologia mostra como se formaram as formações rochosas. A paleontologia mostra como houve épocas diferentes com formas de vida diferentes que duraram um certo período de tempo e extinguiram-se. A genética mostra como as coisas vivas estão aparentadas umas com as outras e têm o potencial para mudar. Estes investigadores pacientes não "provam" a evolução (estritamente falando, prova só pode ser obtida em lógica e matemática). Mas tomadas no seu conjunto, vindas como vêm de tantos pontos de vista diferentes, constituem um argumento esmagador." (pp. 117-120)
"Os cientistas podem tornar-se teimosos acerca das suas teorias, podem agarrar-se a elas muito tempo depois de os seus escritos terem sido refutados, e até podem conspirar para apresentar as suas teorias como se não houvesse nada a ser dito do outro lado. Mas a história mostra que por fim, à medida que os fatos se acumulam, uma mudança no pensamento é inevitável. Isso não acontece com o criacionismo. Se você se alguma vez se comprometeu com uma explicação inalterável (a explicação bíblica), e for obrigado a ajustar todos os fatos dentro desse enquadramento, não permitindo qualquer outra possibilidade, então por definição tornou-se não científico. Independentemente de quanta simpatia possamos ter pela crença numa primeira causa Divina dando forma às forças que criaram o universo, e independentemente de quão bem intencionados os criacionistas científicos possam ser, a camisa de forças de Gênesis 1-11 é tão restritiva para conter dentro de si todos os fatos evolutivos que inevitavelmente acaba numa perversão da ciência." (pp. 120-121)
Falando especificamente sobre o livro de Morris The Genesis Flood [O Dilúvio de Gênesis], Hitching diz:
"Há a citação seletiva de dúvidas científicas cautelosas -- uma confissão de ignorância sobre uma dificuldade geológica particular é citada para lançar dúvida sobre o conhecimento geológico como um todo. Esta é uma técnica muito usada em livros e artigos que vêm do ICR [Institute for Creation Research ou Instituto para Pesquisa da
Criação] e de outros lados. Por exemplo, lendo os criacionistas sobre o assunto do homem da antigüidade, você nunca perceberia que os fósseis disponíveis para estudo agora vêm de uma grande variedade de lugares, e independentemente de quão falíveis, duvidosas ou interesseiras algumas descobertas individuais de fósseis possam ser (veja o capítulo oito), elas encaixam-se num padrão geral do homem evoluindo de um ancestral semelhante a um macaco em algum ponto durante os últimos seis milhões de anos. Em contraste com isso, a evidência oferecida pelos criacionistas consiste invariavelmente nas fraudes e falácias fósseis mais óbvias." (p. 124)
"Se não há evidência absolutamente nenhuma a favor dos criacionistas, trabalho de adivinhação toma o seu lugar [...] Em outros lugares a técnica abracadabra, da qual me queixei no caso dos neo-darwinistas, é usada abertamente." (pp. 124-125)
Falando da história da Arca de Noé, Hitching observa humoristicamente: "A discussão sobre o problema da disposição dos excrementos está notavelmente ausente da literatura criacionista." (p. 131)
Hitching conclui dizendo:
"A fuga da razão, o incômodo e despesa dos casos em tribunal, e o dogma de volta às salas de aula podem ser todos contados no lado do débito da influência crescente do criacionismo [...] Se as autoridades escolares pretendem genuinamente apresentar aos estudantes, de uma maneira neutral, as alegações opostas de criação especial e evolução biológica, então devia informar-se os estudantes sobre mitos da criação de outras fontes, algumas das quais são úteis para o relato bíblico e outras que não são." (pp. 135-136)
Publicado em: 2001-08-19
Tradução: João Rodrigues
Texto original em inglês: http://oocities.com/lflank/hitching.htm
Outros artigos sobre Francis Hitching:
Francis Hitching: Commonly Quoted by Creationists
Notes on Francis Hitching and the Watchtower Society