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Agosto de 2001 |
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A "Ciência" da Criação e o Dilúvio de Noé
por Lenny Flank De acordo com a genealogia do Gênesis, o Dilúvio Bíblico
aconteceu quando Noé tinha 600 anos de idade, o que, assumindo que a terra fora
criada em 4004 a.C., posiciona o Dilúvio em cerca de 2400 a.C. (aproximadamente ao
mesmo tempo em que estavam sendo construídas as Pirâmides do Egito). Ainda
assim, nenhum registro histórico dessa época, nem dos egípcios, nem dos
fenícios, nem dos gregos, nem de nenhum outra cultura menciona tal evento
(depois de tudo, dificilmente eles deixariam de mencionar). Os registros históricos
de civilizações tão antigas como a da China ou os habitantes do Vale do Indo
não mostram nenhum período de tempo em que estas civilizações houvessem sido
destruídas subitamente por uma inundação global, para serem repovoadas
de forma lenta posteriormente. Simplesmente não há nenhum evidência de nenhum
tipo, seja da arqueologia, geologia ou história, que indique uma inundação de
nível global que tenha destruído todas as pessoas exceto oito.
Por
muitas razões, o relato de Noé dado no livro do Gênesis, simplesmente não
pode ser verdadeiro nem literal nem historicamente. Um problema óbvio resulta
da própria construção da Arca. De acordo com a Bíblia, a Arca tinha
dimensões de 300 cúbitos por 50 cúbitos por 30 cúbitos de altura (convertendo
em aproximadamente em 135 por 22,5 por 13,5 metros) Isto é mais de
quatro vezes o tamanho de qualquer navio de madeira construído por qualquer
civilização que existia no segundo milênio antes de Cristo. Os barcos
de madeira de grandes dimensões devem suportar esforços severos em mar
aberto, e os métodos técnicos para lidar com isso simplesmente não existiam
até então. Não foi até o ano de 1900, uns 4000 anos depois de Noé e sua
Arca, que começaram a construir navios de madeira que apenas remotamente se
aproximavam do suposto tamanho da Arca. Estes eram as escunas de nove mastros de 90
metros de comprimento (uns 45 metros mais curto que a Arca). Eram tão grandes
que ondulavam visivelmente com as ondas, e exigiam grandes cintas diagonais de
aço para evitar que se partissem ao meio. Mesmo com esses reforços, os
esforços causavam aberturas no recobrimento do casco, as quais vazavam água
continuamente e tinham que ser drenadas continuamente com uma bomba. Esses navios
só podiam ser usados em águas costeiras porque não podiam sobreviver em mar
aberto. A insegurança desses navios para travessias marítimas foi a
principal razão pela qual as forças navais do mundo passaram aos barcos de aço antes
da Primeira Guerra Mundial. Lembre-se que a Arca tinha que sobreviver em mar
aberto durante uma feroz inundação catastrófica.
Aparentemente,
os criacionistas querem nos fazer crer que um Noé de 600 anos de idade foi
capaz de construir um barco de madeira 45 metros maior que o maior navio jamais
construído, e foi capaz de resolver, ele mesmo, todo o projeto, construção e
problemas materiais com os quais, as maiores marinhas do mundo, 4000 anos mais
tarde, não foram capazes de resolver. Depois do Dilúvio, Noé aparentemente
esqueceu como havia resolvido estes problemas -- nenhum outro navio de
tamanho similar foi construído pelos quarenta séculos seguintes.
Agora que construímos a Arca, como Noé iria ocupá-la?
Havia sido ordenado a ele levar sete de cada besta "limpa" e dois de
cada besta "não limpa". Mas não havia espaço suficiente em seu
barco -- e havia uma grande quantidade de animais que necessitavam ser levados
se todas as espécies fósseis também tivessem que ser consideradas. É
óbvio que mesmo a Arca de Noé com seus 145 metros simplesmente não teria
espaço suficiente para levar dois indivíduos de cada espécie animal, tanto
das espécies vivas como das fósseis.
Por
conseguinte, os criacionistas argumentam que Noé não tinha que pegar dois de
cada espécie de animal -- apenas dois de cada "Tipo". Após o
Dilúvio, os "Tipos" variariam e produziriam todas as novas espécies
que vemos hoje em dia.
"Se podia dizer para
qualquer propósito prático que, afinal de contas, não havia necessidade de
ter mais de 35.000 animais vertebrados individuais na Arca. O número total de
que se conhece como espécies de mamíferos, aves, répteis e anfíbios listadas
por Mayr é de 17.600, porém indubitavelmente o número de "Tipos"
originais era menor que isto." (Whitcomb e Morris,
1961, p. 69)
Assim, Noé não tinha que abrir espaço em seu barco para um par
de leões, um par de tigres, um par de leopardos, etc -- tudo o que ele
precisava era um par de animais "Tipo gato". (Ignoraremos por hora todos os
problemas que encontramos com a idéia criacionista de "Tipos
criados".)
Porém ainda há mais problemas. Whitcomb e Morris haviam
assumido que os animais aquáticos, sendo aquáticos, não corriam risco pelo
Dilúvio e não necessitavam de espaço na Arca. Porém se caiu água doce na terra
suficiente para cobri-la, os oceanos estariam tão diluídos que nenhum
organismo marinho poderia ter sobrevivido neles, uma vez que os organismos marinhos
se incham, estouram e morrem rapidamente quando são postos em água doce. Sem problema, dizem os criacionistas; as "fontes do abismo" devem
ter expulsado sal suficiente para manter a salinidade alta o suficiente para
que os organismos marinhos sobrevivessem.
Mas
então o que aconteceu com os organismos de água doce? Eles não poderiam
sobreviver em água salgada. Alguns criacionistas têm tratado de fazer o mesmo
nas duas situações, argumentando que deve ter havido bolsas de água salgada
e de água doce que de alguma forma não se misturaram. Como isto pode ter
ocorrido enquanto as turbulentas águas do Dilúvio estavam destruindo a
superfície da terra, é algo que eles não explicam. No lugar, Whitcomb e Morris
especulam, "Todos os peixes devem ser adaptáveis ao menos a uma certa
variação de salinidade, assim não é irracional que alguns indivíduos
de cada tipo seriam capazes de sobreviver a mescla gradual das águas, e a troca
gradual de salinidade durante e após o Dilúvio." (Whitcomb e Morris, 1961,
p. 387)
Deixando de lado por um momento a pergunta de como um dilúvio de
quarenta dias que cobriu a totalidade da superfície da terra foi "gradual", as especulações de Whitcomb e Morris podem ser refutadas
por qualquer um que tenha um aquário de água doce e outro de água salgada.
Simplesmente adicione uma colherinha de sal ao tanque de água doce e um copo de
água doce no tanque de água salgada todas as manhãs, para subir e baixar
respectivamente a salinidade. Continue com isto por um mês, e veja o que
acontece com seus peixes com esta "mescla gradual". Não parece haver
outra alternativa senão que Noé tivesse tido alguns aquários espantosamente grandes
em seu barco, para manter vivos ao menos alguns dos organismos aquáticos
durante o Dilúvio.
Porém ainda não
resolvemos os problemas de espaço abordo da Arca. Noé ainda teria que
alimentar todos estes diferentes "Tipos" por um período de mais de um
ano. Os grandes herbívoros, como os elefantes, consumem cerca de 160 kg de
vegetação por dia. Os grandes carnívoros, como o leão, comem cerca de 40 kg
de carne a cada semana. Noé não apenas devia abrir espaço suficiente em seu
barco para armazenar toda esta comida, mas também devia encontrar alguma
forma de mantê-la fresca e consumível por mais de um ano -- sem
refrigeração. Os criacionistas não têm explicação de como foi que isto
ocorreu.
Tampouco são capazes de explicar o
que comiam os diversos animais depois que saíram da Arca. De acordo com os
criacionistas havia apenas dois "Tipo gato" e dois "Tipo
antílope" que saíram da Arca. É de se supor que os Tipo Gato estivessem
terrivelmente famintos após sua viagem. Porém se eles imediatamente
tivessem achado e almoçassem os "Tipo Antílope", isto
teria sido o fim desse "Tipo" e não teríamos hoje em dia gazelas, antílopes e
cervos. Vamos supor que os Tipo Gato comeram, não os dois Arca, mas a cria dos dois.
Isto haveria mantido o nosso par de Tipo Gatos saciados e contentes cerca de uma
semana. E o que acontece depois? A menos que assumamos que os Tipos Antílope eram tão
prolíficos a ponto de produzir cerca de um nascimento por semana, devemos
assumir que os Tipo Gato teriam que comer a totalidade dos Tipo Antílope, ou
levar seu próprio tipo a extinção por inanição. O mesmo aconteceu com o Tipo
Serpente e o Tipo Rã, o Tipo Tamanduá e o tipo Formiga, e com o tipo Coruja e
o tipo Rato.
Obviamente os criacionistas não têm nem idéia a respeito das relações ecológicas entre predadores e presas. Entretanto, já que eles
não conseguem admitir que a totalidade da história do Dilúvio é impossível
por causa de todos estes problemas insolúveis na reunião e cuidados dos animais,
eles devem apresentar alguma explicação. E o fazem, porém, outra vez, apelando
para suas convicções religiosas:
"Que
Deus interveio numa forma sobrenatural para reunir os animais na Arca e para
mantê-los sobre controle durante o ano do Dilúvio está afirmado
explicitamente no texto da Escritura." (Whitcomb e Morris, 1961, p. 76)
"É porque a própria
Bíblia nos ensina essas coisas que estamos perfeitamente justificados em apelar ao poder de Deus, seja que
Ele tenha usado métodos tanto acessíveis como
inacessíveis ao nosso conhecimento científico, para reunir os dois de cada tipo
de animal dentro da Arca, e para o cuidado e a preservação daqueles animais na
Arca durante os 371 dias do Dilúvio." (Whitcomb e Morris, 1961, p. 79)
A base religiosa da "ciência" da
criação não podia se fazer mais explicita que nestas duas passagens.
Mas os criacionistas
são forçados a invocar a deidade outra vez, quando tentam explicar de onde veio a água
do Dilúvio. Uma inundação suficiente para
cobrir a totalidade da terra teria exigido cerca de 4,4 bilhões km³ de
água. A quantidade total de vapor d'água presente na atmosfera nem sequer
começaria a produzir toda esta água, e nenhuma fonte subterrânea
conhecida é tampouco o suficientemente grande. Outra vez, os criacionistas se
voltam para a Bíblia por sua "ciência": "Se aceitamos o testemunho
bíblico com respeito a um firmamento de água antediluviano (Gênesis 1:6-8, 7:11, 8:2, II Pedro 3:5-7),
conseguimos uma fonte adequada para as águas do Dilúvio." (Whitcomb e
Morris, 1961, p. 77) Gênesis 1:6-8 diz: "E Deus disse, haja um
firmamento entre as águas, e que divida as águas das águas. E Deus fez o
firmamento, e dividiu as águas que estavam abaixo do firmamento das águas que
estavam acima do firmamento, e foi assim. E Deus chamou o firmamento Céu. E foi
tarde e foi manhã do segundo dia."
Assim, os criacionistas apresentam,
como sua "evidência científica" para a fonte das águas do Dilúvio,
a descrição bíblica de um "firmamento de vapor" prévio ao
Dilúvio, que rodeava a terra. Morris disse, "Se houve no começo, um vasto
manto termal de vapor d'água em algum lugar sobre a troposfera, então não
apenas o clima seria afetado, como também seria uma fonte
adequada para explicar as águas atmosféricas necessárias para o Dilúvio".
(Morris, Scientific Creationism, 1974, p. 124)
Há apenas um problema com a teoria do "firmamento de vapor" dos
criacionistas -- não há a menor evidência científica que
indique que tal firmamento já existiu alguma vez (exceto a descrição do
Gênesis), e há boas razões para duvidar que pudesse ter existido. Os
criacionistas são incapazes de oferecer qualquer explicação de como um firmamento
assim era capaz de se manter durante o período anterior ao Dilúvio, ou como foi liberado para produzir as próprias águas do Dilúvio.
Posto que o vapor d'água tende a se mover desde áreas de alta concentração
até áreas de baixa concentração, seria impossível que existissem um
cinturão atmosférico de vapor d'água, a menos que se impedisse sua difusão
por meio de uma barreira impermeável. Também, uma camada de vapor d'água
assim seria destruída por células de convecção, produzidas por ar quente
ascendente do equador que é substituído por ar polar mais frio. Outro problema
que surgiria tem a ver com a pressão atmosférica. A pressão atmosférica é
causada pelo peso dos gases da atmosfera pressionando sobre a superfície da terra. O
vapor d'água é muito pesado, e uma camada de vapor como a que postulam os criacionistas
produziria uma pressão atmosférica ao nível do mar de umas 900 atmosferas,
aproximadamente igual a pressão que há no mar a 8.800 metros de profundidade.
Noé e sua Arca (e qualquer coisa que houvesse na terra) teriam sido esmagados
pelas exorbitantes pressões atmosféricas antes que pudessem navegar.
A afirmação criacionista de que as águas do
Dilúvio foram produzidas pela condensação desta camada de vapor apresenta ainda
outro problema. Sempre que o vapor d'água se condensa para formar água
líquida, libera calor. E a condensação de uma quantidade de vapor d'água
suficiente para produzir uma inundação global teria liberado uma enorme
quantidade de energia calorífica. Como Arthur Strahler assinala, "Os
cálculos mostram que o calor liberado por uma camada como a descrita por Morris
teria elevado a temperatura atmosférica em mais de 3500°C, fervendo o
oceano e a Arca." (Strahler, 1987, p. 197) Os criacionistas, incapazes de
explicar qualquer um desses problemas, apenas podem concluir: "É obvio
que a abertura das 'comportas do céu' para que 'as águas que
estavam sobre o firmamento' caíssem sobre a terra, e a ruptura de 'todas as fontes do
grande abismo' foram atos sobrenaturais de Deus." (Whitcomb e Morris, 1961, p. 76)
Outra vez, as bases
religiosas da "ciência" da criação ficam dolorosamente patentes. Os
criacionistas não têm nenhuma explicação científica qualquer que seja para
os eventos do Dilúvio, e mais uma vez devem apelar abertamente ao "poder
de Deus" para manter sua "ciência" flutuante. Isso não é
surpreendente posto que, como reconhecem claramente os criacionistas, sua
"geologia do dilúvio" não é nada mais que seu intento de
reconciliar uma leitura literal do Gênesis com a evidência geológica. E
perante a qualquer conflito entre a Bíblia e esta evidência, é a Bíblia que tem a
prioridade:
"Ou o registro bíblico do Dilúvio é falso e deve ser rejeitado, ou
é o sistema da geologia história, que parece tê-lo desacreditado, que está
errado e deve ser mudado. A última alternativa parece ser a única que um
cristão instruído bíblica e cientificamente pode aceitar
honestamente." (Whitcomb e Morris, 1961, p. 118)
"Quando alguém mantêm esta alta apreciação da
escritura, necessariamente deve aceitar o Gênesis por seu próprio valor. Isto não
significa apenas que houve literalmente seis dias de Criação, mas que também não
houve eras geológicas ... As escrituras ensinam clara e enfaticamente que houve
um Dilúvio global e cataclísmico. Isto só pode significar que o Dilúvio e seus efeitos posteriores devem explicar a maioria das evidências
fósseis e estratigráficas que se encontram comumente na crosta
terrestre." (Morris, Back to Genesis, Agosto de 1995)
"O registro bíblico tem
proporcionado uma clara descrição das causas,
natureza e resultados do verdadeiro catastrofismo, o Dilúvio Universal ... Não
podemos verificá-lo experimentalmente, é claro, não mais do que podem
sê-lo qualquer das outras teorias catastrofistas, mas não necessitamos
verificação experimental: Deus a registrou em Sua Palavra, e isso deveria
ser suficiente."
(Morris, 1970, p. 30)
A "geologia da inundação" criacionista não
é nada mais e nada menos que a doutrina bíblica literalista. Não tem mais
valor científico que o resto da "ciência" da criação, e não tem mais lugar nas
aulas de ciências das escolas públicas.
Publicado em: 29/07/01 |
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