Bob Dylan

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Tablaturas

Toneladas de tinta, papel, saliva e bits já foram gastos
para contar, discutir, comentar e descrever Bob Dylan e
seu monumental trabalho, desenvolvido ao longo de 38
anos - marca que pouquíssimos de seus contemporâneos
atingiram. Ainda assim, a trajetória de Dylan não permite
que nada que se escreva ou se fale sobre ele seja
classificado como definitivo. Desde os primeiros anos de
carreira, põe à prova sua capacidade de reinventar cada
trabalho e com isso influenciar geração após geração, seja
por seus próprios meios ou, indiretamente, pelos adeptos
que conquista e que ajudam a perpetuar seu estilo.
Nem mesmo o nome de batismo, Robert Allen
Zimmerman, bastou-lhe. Ao fugir pela enésima vez - a
primeira bem-sucedida - de Hibbing, cidade vizinha à de
seu nascimento (Duluth, Minnesota) e partir para Nova
Iorque, ele mudou seu nome para Bob Dylan. Uns dizem
ter sido em homenagem a um ator de faroestes antigos,
Matt Dillon, outros ao poeta Dylan Thomas. Bob, contudo,
nega.
Aliás, é difícil ter certeza de qualquer coisa que cerque
sua vida pessoal. Bob trouxe do interior do Meio-oeste
americano seu temperamento arredio à popularidade e à
badalação. Odeia imprensa e quando dá entrevistas não
costuma se alongar muito nas respostas. O patrimônio
que ele nunca largou, contudo, é o que o torna tão
especial entre os tantos jovens que nos anos 60 estavam
totalmente confusos com as descobertas de novas
drogas, novos comportamentos e os horrores das guerras.
Dylan carregava consigo uma voz que não se cala, uma
vontade de tentar entender o que se passava ao seu redor.
Ele conversava consigo mesmo por meio da música. Para
se expressar, usava o vocabulário que conhecia: a
linguagem e o ritmo do folk, a música folclórica
norte-americana. Por isso, muitas vezes a platéia que o
aplaudia era a mesma que o apedrejava. Em seu
monólogo, ora Bob Dylan se aproximava de sua público,
ora se afastava. O que ele não fazia era deixar de ser fiel a
si mesmo - ainda que isso implicasse mudar de idéia.
Ele foi chamado de Judas quando, já conhecido por tocar
o violão e a gaita, subiu ao palco com uma guitarra
elétrica, num histórico episódio. Fascinado por Little
Richard e pelo cantor folk Woodie Guthrie, a quem ele
visitou numa de suas fugas, após pegar a Rodovia 61
(Highway 61 seria o título de um álbum, anos mais tarde),
ele estava, na verdade, injetando sangue novo no corpo
moribundo do folk, trazendo-o de volta à vida. Bebendo das
águas do blues quando o rock'n'roll sequer existia
oficialmente.
Em 1966, um grave acidente o deixou fora de circulação
por muito tempo (fora de circulação, mas não improdutivo:
são dessa época as gravações lançadas décadas depois
como The Basement Tapes, "as fitas do porão"). Ele
acabou se reaproximando do judaísmo, religião em que
nasceu, e isso refletiu em sua música. Existem até livros
que interpretam as canções sob a ótica do misticismo
judaico. Mais tarde, convertendo-se ao catolicismo, partiu
para algumas incursões ao gospel.
Quando se fala em Bob Dylan, o rótulo mais lembrado é o
do porta-voz de uma geração, a dos anos 60. Como era de
se esperar, ele odeia rótulos e não se considera um cantor
de protesto. Essa imagem foi consolidada ainda na
década de 60, quando ele se uniu à cantora Joan Baez,
expoente do gênero. "Não tenho mensagem para ninguém.
Minhas canções são apenas eu falando comigo".
A lista de pessoas que o influenciaram e que se deixaram
influenciar por ele é capaz de provocar reações de espanto
nos mais desavisados. Os Beatles, por exemplo: se por
um lado foi graças a eles e outros como Rolling Stones e
The Animals que ele escandalizou os puristas que não
admitiam som elétrico, foi Dylan quem apresentou a
maconha aos rapazes de Liverpool, até então tidos como
bons moços. John Lennon costumava dizer que era graças
a Bob Dylan que as letras dos Beatles assumiram um
caráter mais engajado a partir da metade da década de
60.
George Harrison, Lou Reed, Eric Clapton, Pearl Jam,
Peter, Paul & Mary, Jimi Hendrix, The Byrds, Willie
Nelson e até, pasme-se, Guns'n Roses (você pensa que
Knocking on Heaven's Door é da autoria de quem?) são
alguns dos parceiros e admiradores (e como ser parceiro
sem admirar) do trapezista. Trapezista: esse é o único
rótulo que Dylan aceita. De um lado para o outro, sempre
no ar, sem saber o que o aguarda no próximo salto - ou
pior, sabendo e enfrentando. De outra maneira, como
atravessar quase quatro décadas cantando rock e folk,
músicas judaicas e gospel, blues e baladas, protesto e
amor e ainda fazer os olhos da platéia brilharem e arrancar
aplausos em cada salto?