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Preconceito
sem Autopreconceito
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Jeancarlo
Cerasoli -
http://www.inplicito.tk
Não sou obeso e, portanto, não sei qual é a dor que esta
condição pode causar. Somente posso imaginar o tamanho
desta dor - principalmente vivendo numa sociedade (mundial!)
que tanto valoriza a aparência em detrimento do conteúdo.
Mas uma coisa que sou (e que todos nós somos!) é humano e
através desta condição sei que todos nós temos limitações.
É isto que nos define. Não existe nenhum ser humano
perfeito pq, se existisse, não seria humano, seria algum
deus. Mas os deuses, se existem, estão em outro patamar, um
patamar não-humano.
Portanto, como todos temos limitações, o diferencial, a
chave para se viver bem, está na maneira como lidamos com
tais limitações. Um obeso muito provavelmente não pode
ser um maratonista de sucesso, entretanto, tanto um quanto
outro tem que enfrentar as próprias limitações, as dores
específicas de cada um, para conseguir viver bem. Nisso
ambos são totalmente iguais.
O maratonista precisa conhecer os seus limites, aprender a
lidar com a dor (que volta e meia sempre aparece) e
manter-se saudável mental e fisicamente. O mesmo vale para
o cego. O mesmo vale para o amputado. O mesmo vale para o
louco (vide o filme "Uma Mente Brilhante"). E
acredito que o mesmo também valha para o obeso.
O fundamental é se manter saudável, já que isto é uma
questão de sobrevivência de todo ser humano. Mas assim
como se manter saudável é uma necessidade que se impõe
durante toda nossa existência, enfrentar a dor e conhecer
os próprios limites também são aspectos aos quais
precisamos estar atentos sempre . É preciso ser capaz de
distinguir onde estão os limites, onde está o medo, onde
está o preconceito, onde está a dor.... É.... não é
nada fácil ser humano! E a coisa fica ainda mais difícil
quando tentamos perceber com clareza onde está a limitação,
o medo, o preconceito, a dor... SE NO OUTRO OU EM NÓS
MESMOS. E como é complicado ser honesto consigo mesmo...
Que existe preconceito, isto é um fato. Ele existe em
qualquer lugar, mesmo dentro de nossa família. E sempre
existirá, independentemente de nossa vontade. Mas muito
pior que o preconceito alheio é o autopreconceito. Há um
limite para o que podemos fazer em relação ao outro, pois
não podemos impor a nossa vontade assim como ele não pode
nos impor a dele. Com o preconceito alheio a gente tem que
aprender a lidar, aprender a conviver, compreendendo a ignorância
alheia e tentando iluminá-la. Mas enfrentar o próprio
medo, enfrentar o próprio preconceito, isso é algo que
somente nós mesmos podemos fazer.
Como já disse, não é nada fácil. E é uma tarefa para a
vida toda. Mas sem aceitar-se, sem reconhecer as próprias
limitações (porém sem abrir mão de sempre lutar para
superá-las!), sem encarar os próprios medos, sem lidar com
as próprias dores, fica realmente complicado suportar o
preconceito alheio.
Acho que iniciativas como a do grupo Adoro Gordinhas(os) são
fundamentais neste sentido. Elas contribuem para a
auto-aceitação, para que as pessoas passem a se amar como
elas são e não como elas gostariam de ser. Sempre é possível
evoluir como pessoa mas o primeiro passo é amar a si mesmo.
E aqui já percebi que o carinho mútuo disseminado através
de grupos como este contribui muito para o
"auto-amor" de cada um.
Se mesmo esta "comunhão de amor" não for
suficiente para nos ajudar a encarar as próprias limitações,
acho que é totalmente válido e nada vexatório procurar
uma ajuda profissional para sermos capazes de dar conta
desta tarefa. E mais do que uma guerra disputada no próprio
corpo, trata-se de uma guerra disputada na cabeça de cada
um, no coração de cada um. Como já disse, manter-se
fisicamente saudável é condição fundamental, aí entram
nutricionistas, médicos e profissionais do gênero. Mas
manter-se mentalmente saudável também não é menos
importante! Quando não damos conta de enfrentarmos sozinhos
os próprios medos pode ser um bom momento para procurarmos
uma ajuda mais especializada, um psicólogo, um terapeuta,
alguém que vai ajudar a nos encararmos não como obesos mas
como humanos.
Na minha opinião, para termos qualidade de vida toda ajuda
é válida. Seja para vivermos bem com os outros, seja para
vivermos bem com nós mesmos.
Vamos trabalhar esta auto-estima, gente, pq ninguém mais
pode fazer isso em nosso lugar!!!
Quando se está de bem consigo mesmo, não há dor, não há
limitação, não há preconceito alheio que resista. Mas
esta é uma "batalha" que se disputa dentro de
cada um, dentro de cada cabeça, dentro de cada coração. Não
em cada coração gordo, mas em cada coração humano.
É isso. Espero ter ajudado de alguma forma. Nem que seja
despertando mais dúvidas... ;-)
Jean
PS. Existe um livro sobre esta questão do preconceito e do
autopreconceito que considero muito interessante, é o
"Ensaio Sobre a Cegueira", do José Saramago. Vale
a pena. Ele fala inclusive sobre esta questão das
"panelinhas" - outra coisa que não é exclusiva
de obesos, mancos, caolhos, cegos, gagos, cornos, loucos,
partidos políticos, etc, pois é uma característica
totalmente humana. Afinal de contas, os preconceitos não são
exclusividade dos outros, não é mesmo?
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Para
pensar
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Quanto
você vale?
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Faço-me essa
pergunta e busco parâmetros para medir.
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Minha mente
pulula feito doida
entre uma idéia e outra
buscando alguma
imagem ou valor que não se assemelhe ao que vemos por ai
Bundas durinhas que convidam ao prazer, gente vazia, corpos
esculpidos, silicone, inversão de valores, ou até ausência
deles, carros importados, poder, fuga da realidade a qualquer preço.
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Onde é que você
se encaixa?
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Porque o seu
convite visual é tão menosprezado?
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Você guarda um
mundo inteiro de mágoas e experimentos de como agradar o outro
Experiências
que não têm preço.
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Experiências
de mestre das artes cênicas, um lobo trocando a pele à olhos
vistos
Trocamos a pele
para que não vejam a nossa, enquanto os outros, despudoradamente
mostram a sua como razão da sua existência, único valor.
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Como poder ser
totalmente aceito sem abrir mão de si mesmo?
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Como escapar do redemoinho de informações,
que fazem do ser- humano única e exclusivamente um objeto de
prazer? O ser perfeito, feito sob medida
para a total imperfeição das almas. Essa é a idéia que te
vendem. Isso é o que querem.
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Celulite,
estrias, flacidez, rugas, o corpo fora de padrão de acordo com as
regras do jogo, o espelho, as dietas, a idade avançada, o
desrespeito, a discriminação, as desilusões, o efeito sanfona, a
artrite, as ofensas, a fome que não passa...
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Fome de gente
de verdade que já aprendeu muito trocando a pele, tirando e pondo a
máscara, camaleões, ilusionistas que tentam esconder o de fora
para que enxerguem o de dentro.
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Muitas vezes
sonhei com esses espelhos de circo onde me via de várias formas,
imagens iam e vinham e tinha sempre o mesmo observador, eu.
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Me dei conta de um sentimento abstrato de ausência
de mim e pude perceber que os olhos janela das almas, são
personagens sem dor, sem forma, sem corpo. Aqueles mesmos olhos que
nos observa na frente do espelho e comparam , são também nossos
espectadores.
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Nos olhamos com os mesmos olhos de
quem nos fita e aponta.
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Os mesmos de quem nos fere, de quem
nos discrimina.
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Agora me perguntam novamente, o
quanto vales?
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E não tenho resposta agora.
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Primeiro deixe-me olhar com os meus
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próprios olhos, depois respondo.
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Femina
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Muito
obrigada pela colaboração!
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As
gordinhas no trabalho
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José
Pastore
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A
questão da discriminação no trabalho está longe de ser resolvida até
mesmo nos países desenvolvidos. E isso me perturba muito. Não
acho correto barrar pessoas competentes porque são desta ou daquela
maneira.
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Afinal, o trabalho não é passarela de beleza.
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No
início de 1997, a Delta Airlines despediu um grande número de aeromoças
porque estavam com excesso de peso. Achei injusto, mesmo porque estou
dentre os que, há anos, vêm lutando, sem êxito, para tirar 10% de
excesso...
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Cerca
de 20 aeromoças recorreram à Justiça, pois nos Estados Unidos há uma
lei federal que proíbe vários tipos de discriminação nas relações
de trabalho. Naquele país, já há advogados especializados na defesa
de trabalhadores que são discriminados por motivo de obesidade (Obesity
Law & Advocacy Center, San Diego, Califórnia).
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Apesar
de usar bem a lei e invocar todos os seus direitos, as aeromoças
perderam a ação. A Delta Airlines convenceu o juiz de que o exagerado
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volume das funcionárias, além de tornar mais vagarosos seus serviços, não se ajustava aos exíguos espaços das aeronaves.
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Não
houve jeito. As gordinhas perderam o emprego e tiveram de pagar as
custas dos advogados dos dois lados - o que fez emagrecer bastante as
suas poupanças...
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A
obesidade nos Estados Unidos é um problema grave. Entre 1960/96, as
pesquisas registraram um aumento de 33% na incidência desse mal.
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Na
Inglaterra, o problema também se agrava: entre 1980/94, a proporção
de obesos dobrou. Na Austrália, a população vem adicionando uma grama
por dia. Nos últimos 10 anos, isso significou mais de 3,5 quilos!
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É
claro que um problema dessa natureza tem de ser resolvido no campo da saúde
pública e não no campo do trabalho. Será que com essa "demissão
das massas" a Delta Airlines vai corrigir os hábitos
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alimentares
do povo americano? Penso que não.
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O
Brasil também tem seus problemas de discriminação, sem dúvida.
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Mas,
não desse tipo. Felizmente.
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Há
pouco tempo fiquei sabendo de um caso interessante nesse campo.
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O
estilista Ocimar Versolato foi convidado pela Varig para desenhar os
novos uniformes das tripulações de bordo. Na hora de tirar as medidas,
Versolato descobriu que as aeromoças da Varig estavam todas acima da
idade média para essa categoria profissional e, sobretudo, acima do
peso (O Estado de S. Paulo, 18/11). Um cálculo apressado deu um excesso
de 15 anos de idade e 10 quilos de peso.
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A
empresa teria fortes razões econômicas para preferir aeromoças mais
magras. Como são 3 mil aeromoças, os aviões da Varig estão voando
com um excesso de 30 toneladas. Trata-se de um peso apreciável para
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um
tipo de transporte em que cada quilo de excesso é cobrado na base
de 1%
do preço da passagem de primeira classe.
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Para
economizar combustível, seria tentador contratar 3 mil manequins esqueléticos
com 20% a menos do peso normal. Mas, pelo que sei, a empresa não
cogitou disso nem despediu suas dedicadas funcionárias.
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Francamente,
estou inconformado com essa marcação contra as gordinhas. A conduta da
Delta Airlines mostra que as discriminações estão se tornando cada
vez mais sofisticadas. Já foi o tempo em que
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o preconceito se limitava
aos negros, mulheres, idosos, gays e deficientes. Hoje em dia, os
preconceitos enveredam para aspectos
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mais sutis como é o caso do peso.
Numa hora em que o emprego está tão difícil, é lamentável ver
surgir mais um tipo de discriminação trabalhista.
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Acho
que nesse ponto sou antigo. Sei lá... Sou mais chegado à filosofia do
Roberto Carlos que, com sua grande sensibilidade, soube dar o devido
valor às gordinhas e às mulheres acima de 40...
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Abaixo os
discriminadores do peso e da idade!
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José
Pastore é prof. da FEA-USP, pesquisador da Fipe e
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autor de
-"A
Agonia do Emprego"
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