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Compreendendo os novos hormônios da obesidade 
 Dr. Amélio F. de Godoy Matos, presidente da SBEM Nacional

reportagem  realizada durante o 25º Congresso Brasileiro de
Endocrinologia e Metabologia, em Brasília.

Desde 1953 já se procurava algum sinal que viesse da periferia do corpo para o cérebro, sinalizando que estava na hora de parar de comer ou que o organismo estava em equilíbrio energético. Esse sinal, provavelmente, viria do sistema adiposo porque ele é o órgão de estocagem de energia, sob a forma de gordura. O paradigma era então: existiriam estes sinais? Quais eram os sinais que viriam do sistema adiposo para o cérebro, mostrando que a pessoa estava em equilíbrio energético?
A resposta poderia explicar o controle do equilíbrio energético de longo prazo, no entanto, não dava explicações sobre a questão a curto prazo. Quem sinalizaria a hora de parar de comer ou de iniciar a alimentação, repondo as energias? Isso, provavelmente, deveria vir do sistema gastrointestinal.
Para o primeiro paradigma - o problema do estoque de energia – o hormônio que surgiu para explicar não era do tecido adiposo: era a insulina, pois todo mundo sabe que quando a pessoa engorda a insulina está alta. Além disso, a insulina aumenta quando nos alimentamos. Então ela poderia ser aquele sinal, pois ela tem uma ação inibidora de apetite quando injetada no cérebro (no terceiro ventrículo), embora perifericamente baixe a glicemia e pode assim aumentar o apetite. Isso, portanto, não explicava tudo.
Até que, com a experiência de Coleman - junção em parabiose dos camundongos ob/ob com um camundongo normal – demonstrou-se que o ob/ob emagreceu, o que sugeria que o animal magro passaria para o obeso uma substância que ele produzia, e que portanto faltaria ao ob/ob, fazendo com que o outro animal emagrecesse.
Isso foi o início. Descrevo toda a experiência sugerindo que realmente existiam alguns sinais no organismo, informando quando tínhamos que comer, etc
Veio, então, o primeiro hormônio do tecido adiposo, descoberto em 1994, denominado Leptina. Descrevi os mecanismos através do qual a Leptina controlaria o equílibrio energético. Existe uma cascata, onde a Leptina entra no cérebro e inibe o sistema neuropeptídeo Y e estimula o sistema da pró-opiomelonocortina.
Mostrei todas as combinações de atividades que existem dentro do hipotálamo. Depois disso expliquei sobre a questão do eixo gastro-entero-hipotalâmico, porque como disse antes, era importante encontrar explicações sobre a questão do equilíbrio a curto prazo.
Esse sinal, provavelmente, teria que vir do tubo gastro-intestinal, porque não daria tempo da gordura ser armazenada e emitir sinais para chegar ao cérebro.
Alguns hormônios do tubo gastro-intestinal (colecistocinina, GLP1 e enterostatina), que sinalizam para diminuir ou aumentar o apetite, eram substâncias conhecidas, mas há dois anos atrás descobriu-se ghrelina. Essa substância, descoberta nas células do estômago e duodeno, atua em um receptor do secretagogo do hormônio de crescimento. Essa foi a primeira surpresa. O que teria essa substância, que aumenta a produção do hormônio de crescimento, com ingestão alimentar?
Olhando para trás vamos observar que já existiam estudos com outros secretagogos, como é o caso da hexarelina, que ao ser administrada as pessoas aumentavam o apetite e a produção de GH.
Moral da história: para comer precisa crescer, ou seja, existe uma relação entre comida e crescimento. Os estudos com a ghrelina mostram que ao injetar em humanos, aumentamos o apetite e aumentamos o hormônio de crescimento. O que aconteceu em ratos se repetiu com seres humanos. Ao estudar a injeção de ghrelina, comparada com outro secretagogo, como era o caso da hexarelina ou o GHRH, a ghrelina se mostrava com mais potência estimuladora do GH do que os esses dois.
A partir daí discuti sobre um novo hormônio, chamado PYY 3-36, que era conhecido de algum tempo e só recentemente, a partir de estudos em humanos, mostrou ser um sinalizador para que o indivíduo pare de comer.
Então, a ghrelina é um orexígeno (aumenta um pouco antes da refeição) e, provavelmente, sinaliza para iniciar a refeição. Ao inverso, o PYY 3-36, que é um inibidor do apetite, aumenta logo após a refeição, sinalizando para parar de comer.
Na última parte da apresentação falei sobre um “velho” hormônio, mas que tem grande influência e está tomando importância muito grande no que diz respeito a questão da gordura visceral, que é o cortisol.
Expliquei a relação que existia entre o stress e o aumento da secreção do hormônio cortisol, que aumentaria a deposição de gordura na região visceral-abdominal e é típico da Síndrome de Cushing. Este é o modelo sugerido por Per Bjorntorp, que apresentei, somado a dados de trabalho desenvolvido no nosso hospital (tese da Dra. Andréa Vieira) , demonstrando que também há um aumento no volume da adrenal que tem uma relação direta com teor de gordura visceral. Quanto maior a gordura visceral, maior será o volume da adrenal.
No trabalho, mostramos, anatomicamente, o que o Dr. Bjorntorp havia sugerido bioquimicamente. No entanto, esse modelo não explica tudo. Recentemente, surgiram experiências com a enzima 11 beta Hidroxiesteroidehidrogenase do tipo 1 (HSD 1) que converte cortisona em cortisol. Ou seja, o cortisol é metabolizado para cortisona pela HSD 2 e existe um metabolismo de volta pela HSD1.
Esta enzima está aumentada no tecido adiposo visceral. Curiosamente ela está diminuída no fígado. Como se uniriam os dois modelos? Você aumenta a conversão de cortisona para cortisol e, consequentemente, há um aumento da gordura visceral. Isso não explicaria o eixo hipotálamo hipofisário, que teoricamente não estaria ligado a esse processo.
Em recente estudo publicado Journal of Clinical of Endocrinology and Metabolism, uma pesquisadora sugere que pode haver os dois mecanismos em um mesmo paciente e aí mostrei como os dois modelos são possíveis. O primeiro deles teria um aumento da atividade desta enzima convertendo cortisona em cortisol, mas isso no tecido adiposo. No fígado, o segundo, seria o inverso, a enzima estaria diminuída, o que tenderia a reduzir o cortisol plasmático, que reativaria o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Assim, os dois modelos estariam contemplados.
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Edição N° 01
Folha da SBEM Online - Edição comemorativa do 25° CBEM
dezembro de 2002