Procedência:
Doado ao IEB por Heloísa Ramos, viúva do escritor, em outubro de 1980 e em março de 1994.
Conteúdo: Reúne manuscritos de grande parte da obra ficcional do autor: romance, conto, literatura infantil, historiografia, memorialística, crônica - além de discursos, conferências, reflexões sobre a literatura brasileira e crítica. Trata-se de documentação imprescindível para acompanhar a trajetória do escritor no momento de criação, bem como para o estabelecimento fidedigno de textos de Graciliano Ramos. Completa a série de manuscritos, a série de recortes da produção jornalística, a partir das primeiras publicações em periódicos de Alagoas e do Rio de Janeiro. Iniciada pelo titular e cuidadosamente completada por Heloísa Ramos, a parcela de recortes sobre o autor e sobre sua obra é vasta e generosa. Engloba, em mais de duzentas pastas, quase a totalidade da fortuna crítica de Graciliano Ramos, acompanhando inclusive a filmografia baseada em suas obras, além de "dossiê" do centenário de nascimento (1992). Este conjunto justifica consulta obrigatória de qualquer estudioso do autor e do chamado "romance do Nordeste" na literatura brasileira. A documentação pessoal, a correspondência e fotos esclarecem vida, atividade profissional, relações e atuação estimulante junto aos seus pares da chamada "geração de 30".
IEB Instituto de Estudos Brasileiros
Comunismo
Diferentemente de outros escritores e intelectuais de sua época, Graciliano Ramos só se tornou comunista em 1945, depois de ter sido preso como militante, em 1936, e após a fase áurea do Partido no Brasil que vai do movimento tenentista até ao início do Estado Novo, sob a ditadura cinzenta de Getúlio Vargas. Sua classificação como partidário acontece em decorrência de sua obra que revelou ao mundo, de uma forma rigorosa e direta, os conflitos entre o campo e a cidade sem se deter em nenhum deles, já que o estabelecimento de uma estrutura nova - a da cidade -, não implicou na derrocada da antiga - o campo - mas antes a colocou em situação de desequilíbrio.
Uma das situações políticas da época retratadas por Graciliano, e que provavelmente o levou à prisão, foi o movimento tenentista, retaguarda da revolução de 30, uma rebelião típica da classe média urbana emergente contra o absoluto domínio exercido pela classe latifundiária, relatado em São Bernardo, cujo cenário de fundo era o problema da reforma agrária. O quadro brasileiro denunciado que se delineia na obra é o final do regime monárquico português e o inicio da república brasileira.
Com a liquidação do regime monárquico por falta de apoio dos proprietários de terra em função do fim da escravidão, os fundadores da República formaram um novo esquema de composição de poderes, por meio do qual aparecem os primeiros grupos empresariais capitalistas que desequilibram o reinado vigente da classe fundiária. No entanto, fortificados pela cultura do café - a maior riqueza do país - a aristocracia volta a afirmar-se em torno da "política dos governadores", mantendo uma estrutura colonial, apesar das concentrações urbanas, do aparecimento da classe operária e da evolução da classe média emergente.
O início da primeira guerra mundial, a importância adquirida pela indústria na economia nacional, a transformação dos quadros sociais, a politização efectiva do operariado e a quebra da bolsa de Nova York, em 1929, servem de cenários interdependentes para o movimento tenentista. Graciliano utiliza esses elementos para focalizar a ascenção e o declínio de Paulo Honório, um proprietário de terras que vive de desmandos e impunidade. Ao focalizar o "coronel" sem tradição, o autor desmonta completamente a estrutura fundiária imperante no sertão nordestino.
Em função da crítica social que faz na sua obra, é preso em Alagoas, depois levado para Pernambuco, e logo a seguir reconduzido para o Rio de Janeiro, onde passa dois anos entre prisões locais e a temida Colônia Correcional da Ilha Grande, no interior do Estado do Rio. É preso por ordem do general Newton Cavalcanti, uma espécie de guarda de campo da polícia política que, nesta altura, preparava o país para a ditadura do Estado Novo.
Graciliano ficou todo esse tempo sem entender exactamente porque tinha sido preso se não era militante, transgressor ou marxista convicto, mas "um pacato homem do interior, metido a escritor", tal como pergunta a si mesmo em Memórias do Cárcere:
"Havia qualquer suspeita contra nós? Não havia. Tínhamos entrado em desordem? Não tínhamos. Éramos inimigos de barulhos? E então. Porque estávamos ali? Hein!? E porque essa história de colônia correcional?"
Suspeito ou não, o facto é que Graciliano Ramos só se livrou da prisão devido à pressão política exercida por outros escritores como José Lins do Rego, Jorge Amado e Raquel de Queiroz, e também por causa do prémio Lima Barreto que recebeu da conceituada Revista Académica, que lhe dedicou uma edição especial com treze artigos e retratos de Portinari e Adami.
Foi só em 18 de Agosto de 1945, no final do Estado Novo de Gertúlio Vargas, que ingressou oficialmente no Partido Comunista, e nessa condição é convidado para ir à Rússia e à Checoslováquia, de Abril a Junho de 1952, conhecer as mudanças proporcionadas pelo comunismo de Lenine. Dessa visita, resulta um livro-relato póstumo, Viagem, em que expressa, com uma simplicidade impecável, suas impressões acerca do novo regime. Um trabalho que não foi revisto, porque a viagem estafante acelerou-lhe a doença fatal que o levaria à morte, em 20 de Março de 1953.
* Título de fantasia criado por mim.