INFÂNCIA

Síntese

"Oh! Que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha INFÂNCIA querida que os anos não trazem mais". Casimiro de Abreu.

 

            Infância engloba as referências ao passado dos três anos aproximadamente até a entrada na adolescência, pelos onze anos. Embora se proponha a escrever um depoimento pessoal, não consegue separá-lo da representação ficcional que ora se intromete no retrato de pessoas conhecidas, ora na escolha do material memorialístico, ora na própria narração dos fatos. A composição da obra já tem seu antecedente ficcional em Vidas Secas, no agrupamento de núcleos narrativos ligados apenas por personagens quase constantes e pela sucessão temporal. Estes capítulos, encabeçados por títulos, reúnem acontecimentos e cenas selecionados e tratados significantemente pela memória: “Um cinturão” e “Venta-Romba” trazem os primeiros contatos com a justiça; “Padre José Inácio”, o tipo humano duro e de difícil acesso; “O inferno”, a primeira dúvida metafísica, e assim sucessivamente. Mas a crítica explorou esse filão autobiográfico na interpretação do resto da ficção de Graciliano Ramos. De fato, é importante contribuição para a gênese de determinadas insistências temáticas.

            Infância é muito mais uma ficção que um depoimento, na medida em que a memória do autor opera no sentido da “estória” e pouco no da “história”: é a vida que busca compreender indo aos seus inícios e a representação ficcional seu meio de permitir a verdade. E isto ficou assaz demonstrado em todas as afirmações que pontilhou por tudo que escreveu e na posição de seus personagens-autores. A memória distribui em planos os acontecimentos, sempre uma parcela, por menor que seja, ilumina continuamente o conjunto, e, através de cenas já agora tão distantes no tempo, e, sobretudo através de considerações, tenta “significar” o que viveu. Nos romances foi a memória dos personagens que tentou dar-lhes a realidade; agora, chega sua vez e faz do relato de sua infância um pouco de ficção.

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Fonte: A Literatura no Brasil/ direção Afrânio Coutinho; co-direção Eduardo de Faria Coutinho. - 4.ed.rev.e atual.-São Paulo: Global, 1997.