MEMÓRIAS DO CÁRCERE

 

MEMÓRIAS DO CÁRCERE

Síntese Crítica

Graciliano Ramos não era comunista. Tornar-se-ia após ser solto da prisão!!!

Memórias do Cárcere acompanha em parte as preocupações memorialísticas de Graciliano, antecipadas em Infância sofrendo entretanto um tratamento técnico e contendo vivência diversa. Ainda que as situações estejam agrupadas em capítulos, não foi a matéria intitulada, obedecendo-se a uma cronologia marcada pela mudança de prisões e esperas preenchidas pelos fatos observados no relacionamento recluso. A atitude ficcionista porém não o abandona. Observa-se o que declara no primeiro volume, no início da narrativa:

            Realmente há entre os meus companheiros sujeitos de mérito, capazes de fazer sobre os sucessos a que vou referir-me obras valiosas. Mas são especialistas, eruditos, inteligências confinadas à escrupulosa análise do pormenor, olhos afeitos a investigações em profundidade. Há também narradores, e um já nos deu há tempo excelente reportagem, dessas em que é preciso dizer tudo com rapidez. Em relação a eles, acho-me por acaso em situação vantajosa. Tendo exercido vários ofícios, esqueci todos e assim posso mover-me sem nenhum constrangimento. (...) Posso andar para a direita e para a esquerda como um vagabundo, deter-me em longas paradas, saltar passagens desprovidas de interesse, passear, correr, voltar a lugares conhecidos. Omitirei acontecimentos essenciais ou mencioná-los-ei de relance, como se os enxergasse pelos vidros pequenos de um binóculo; ampliarei insignificâncias, repetidas até cansar, se isto me parecer conveniente.

            Está aqui a posição estética de Graciliano Ramos, uma vez ratificada. Foi ela sempre expressa nos romances direta ou indiretamente e mantida constante até o final da obra. Ainda que diversos do que acontecera, vistos por arestas pessoais, Memórias do Cárcere contém a última e definidora perspectiva de um escritor frente a si mesmo e à sociedade, indagação constante a que se propusera. É o clima kafkiano de processo sem crime declarado que constrói e agrupa os capítulos. É essa atmosfera, controlada pelos fatos cotidianos que nos traz o último Graciliano, mais humano, grande artista e atento artesão.

 

Fonte: A Literatura no Brasil/ direção Afrânio Coutinho; co-direção Eduardo de Faria Coutinho. - 4.ed.rev.e atual.-São Paulo: Global, 1997.