Com
este título, o famoso livro de utopia/ficção científica do
escritor inglês Aldous Huxley descreve um mundo futuro (não tão
admirável), onde as crianças serão concebidas e gestadas em
laboratórios, em linhas de produção artificiais, com um controle
total sobre o desenvolvimento dos embriões pelos cientistas do
Estado. Na década dos 30, quando o livro foi escrito, o espectro de
um governo autoritário, armado de recursos de alta tecnologia,
obsessionado com a uniformidade e com o controle total da população,
eram temas comuns na literatura, devido, evidentemente, ao
surgimento apavorante de ideologias totalitárias modernas, como o
fascismo e o comunismo de estado. A idéia de clonagem do ser
humano, ou seja, a produção científica de milhares de seres
humanos perfeitamente iguais uns aos outros, era outro tema
recorrente, inspirado em parte pelos avanços da genética, e por
outro, pela visão proporcionada pelas fileiras infindas de soldados
inteiramente iguais, marchando com passo de ganso nas manifestações
de massa do nazismo em Nüremberg. Visões desse pesadelo distópico,
brilhantemente imaginado por Huxley vieram à tona nesta semana, com
o anúncio, por cientistas escoceses, de que tinham obtido clones
perfeitos em duas ovelhas. Os pesquisadores, Keith Campbell e David
Solter, do Roslin Institute, de Edinburgh, utilizaram uma técnica
bastante conhecida, que já tinha sido usada anteriormente com
dezenas de espécies, desde plantas até sapos, mas nunca em mamíferos
tão complexos como uma ovelha. Esta técnica foi inventada por um
cientista chamado Gurdon, na década dos 70. Utilizando avanços na
cultura de células vivas fora do corpo, e de novos aparelhos de
micromanipulação, que permitem ao pesquisador operar delicadamente
uma única célula, sem matá-la, Gurdon retirou células já
diferenciadas (isto é, formadas embriologicamente) do intestino de
uma perereca, extirpou seus núcleos, onde existe o DNA e os
cromossomas (o material genético), e os implantou em óvulos, dos
quais o núcleo tinha sido previamente retirado. Como resultado,
notou que os genes do novo núcleo se desdiferenciavam e produziam
um novo ser, totalmente idêntico ao que tinha doado o núcleo. A
clonagem, então se tornava possível (no ser humano, a única situação
natural em que isso ocorre é nos gêmeos univitelinos). No
experimento com as ovelhas, os cientistas fizeram exatamente a
mesma, coisa, tendo aperfeiçoado o método de cultura de células,
e de implante do embrião recém formado no útero de ovelhas-mães,
uma técnica já perfeitamente dominada, e utilizada em grande
escala na pecuária para aumentar a qualidade dos rebanhos.
Teoricamente, o trabalho abre as portas para a produção em massa
de animais clonados. E qual seria a vantagem disso ? Evidentemente,
os pesquisadores podem selecionar um doador de núcleos que seja um
exemplar perfeito da espécie, para fins econômicos, e
"brincar de Deus", como diz o título da reportagem da
revista "Veja", ou seja, derrotar os mecanismos lentos e
imprevisíveis da seleção artificial por reprodução, e chegar
diretamente a milhares de cópias desse exemplar. Outra vantagem é,
que conhecendo bem um exemplar, a menor variabilidade biológica do
rebanho facilitará sua alimentação, prevenção e tratamento de
doenças, e previsão de ganhos ponderais, de produção de lã,
etc. A pergunta que todo mundo está fazendo é se isso seria possível
crianças com genomas idênticos (é o caso dos gêmeos univitelinos,
ou seja, originários da divisão do mesmo óvulo fecundado) têm
muitíssimas coisas em comum, inclusive vários aspectos da
personalidade e inteligência. É como se uma fosse uma cópia quase
perfeita da outra. Atemorizante, porque abre caminho para muitos
abusos, principalmente em sociedades autoritárias ou grupos
anti-sociais, como aquela seita japonesa que soltou gás no metrô
de Tóquio. Do ponto de vista de um casal que quer ter vários
filhos, a clonagem poderá ter várias aplicações interessantes.
Uma possibilidade medica e eticamente justificada seria aquela em
que os pais têm risco genético alto de terem filhos deficientes ou
com doenças congênitas. Caso eles tenham a sorte de ter um filho
inteiramente normal, poderão clonar o genoma deste para gerar um
segundo filho, o qual correrá um risco muitíssimo menor de ter a
doença. Creio, mesmo, que esta será uma conduta recomendada
rotineiramente pelos geneticistas em tais casos. Uma outra
possibilidade correlata é quando os pais estão tão encantados com
um filho já nascido (se a criança for excepcionalmente bonita e/ou
inteligente, por exemplo), que desejam uma cópia idêntica do
mesmo. Assim, correrão menos riscos de ter um segundo filho fora
das características desejadas. Esta, evidentemente, já cria alguns
problemas de ordem ética e moral; mas não legal, pois se a técnica
existe e é segura, não deve cair, a meu ver, sob o escrutínio da
justiça: afinal ninguém necessita permissão de um juiz para ter
filhos gêmeos univitelinos. Uma polêmica maior é criada quando
uma pessoa deseja ter um filho que seja uma cópia perfeita de si
mesma. Isso poderá ocorrer em vários casos, de gravidade ética
cada vez maior. Primeiro, o da mãe biológica que deseja clonar um
filho com o genoma de seu marido ou uma filha a partir de si mesma
(neste caso a clonagem eqüivale a uma partenogênese, um evento
comum em muitos animais, mas teoricamente muito difícil de ocorrer
naturalmente no ser humano). Segundo, o de uma mãe solteira que
deseja clonar o genoma de algum grande homem ou mulher (um artista
de cinema admirado, um prêmio Nobel super-inteligente, etc.). Será
que a Sharon Stone gostaria de doar algumas cé ;lulas suas para
essa finalidade ? Teoricamente, ela poderia ter muitas e muitas
filhas tão bonitas e inteligentes quanto ela...Terceiro, o de um
homem solteiro que deseja clonar a si mesmo, usando uma
"barriga de aluguel" (uma mãe não biológica, implantada
artificialmente com o embrião). Até aqui, eu ainda acho é tudo
relativamente aceitável, do ponto de vista da Ética médica. Nada
que seja muito grave ou danoso para a sociedade e para as pessoas.
Enquanto estivermos nesse nível, não estaremos invertendo
grandemente a ordem natural das coisas (eu até acharia
interessante, por exemplo, ter um filho idêntico ao que eu sou.
Seria a mesma coisa que tomar conta de mim mesmo, me ver quando era
bebezinho, acompanhar e influenciar meu próprio crescimento !). O
Papa, evidentemente, não deve concordar muito comigo nesse aspecto,
e a Igreja deverá, previsivelmente, ser totalmente contrária a
essas idéias. Os problemas ficam realmente feios se um regime
autoritário começar a fazer clonagem em massa. Algo, por exemplo,
como , estabelecer "linhas de produção" de super-elites
inteligentes, fazendo nascer centenas de milhares de Einsteins... Ou
então, pegar um super-soldado geneticamente perfeito e
absolutamente sociopata, e replicar seu genoma aos milhares. Ou
pior, um Sadam Hussein ou um Idi Amim produzindo sucessores idênticos
a eles mesmos. Imaginem só o que Adolf Hitler teria feito se
tivesse essa tecnologia em suas mãos...