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Resumos Memórias de um Sargento de Milícias
Manuel Antônio de Almeida
Bom humor e dinamismo


Publicado em folhetins, é escrito em pleno Romantismo, se bem que não possa ser filiado ao movimento literário romântico, tornando-se, por algumas de suas características, precursor do Realismo. De maneira direta, Manuel Antônio de Almeida pretendia narrar a acidentada vida de uma criança nascida no começo do século XIX, mas acaba por fazer uma esplêndida reconstituição da época e do modo de vida das camadas suburbanas do Rio de Janeiro. Aliando bom humor ao Realismo, o autor conta, em forma de novela, uma série de histórias tendo como elo o personagem Leonardo, malandro, traquinas com ares de anti-herói. A moda mestra do livro é o movimento: a um acontecimento segue outro e mais outro e só pára quando não são mais possíveis as peripécias do protagonista. Ao lado de Leonardo, surgem personagens como Leonardo Pataca (o pai), Maria da Hortaliça (a mãe), o padrinho, a madrinha, o major Vidigal e uma galeria de outros personagens que contribuem para dar ao livro um dinamismo até então desconhecido na literatura brasileira.

Libertinagem
Manuel Bandeira
A essência do coloquial


Publicado em 1930, o livro "Libertinagem" configura-se como o primeiro livro inteiramente modernista de Manuel Bandeira. A obra reúne poesias publicadas entre 1922 e 1930. Nesse volume, o poeta alcança maturidade tanto de linguagem quanto de tema. Na linguagem, atinge a essência do coloquial através de uma simplicidade consentida e elaborada. Essa linguagem ganha autonomia através do verso livre, já plenamente realizado. Tematicamente, o volume percorre as linhas-guias abordadas por Manuel Bandeira, que são: lidar com o aspecto autobiográfico, tratado ora melancolicamente: "Não sei dançar", "Andorinha" e "Profundamente"; ora ironicamente: "Pneumotórax"; ou ocasionalmente: "Vou-me embora pra Pasárgada". Preocupa-se com assuntos extraídos do dia-a-dia, como em "Irene no Céu" e "Poema tirado de uma notícia de jornal", ou ainda com o transcrever de experiências poéticas, com preocupações de definição da poesia, como está exemplificado em "Poética", considerada a profissão de fé da estética modernista. Com a mesma melancolia das passagens autobiográficas, acrescida de um saudosismo tristonho e quase romântico, são evocadas paisagens antigas ("Evocação do Recife) ou paisagens que entram na vida do escritor mais recentemente ("Mangue"). Sem dúvida, o mais profundo poema de Manuel Bandeira é, de certa forma, o hino de seu sentimentalismo, "O último poema", que encerra o próprio sentido de poesia do escritor:
"Assim eu quereria o meu último poema
Que fosse tenro dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicídios que se matam sem explicação."


A Hora da Estrela
Clarice Lispector
Sua principal preocupação: o ato de escrever

Último volume publicado em vida pela escritora, data de 1977, ano em que morreu. De certa forma condensa as experiências até então realizadas pela autora, pois revolve a sua principal preocupação - o ato de escrever. O narrador apresenta-se como Rodrigo S. M. e pretende contar, sem requintes e brilho de estrelas, a história de Macabea, uma nordestina que por algum motivo desconhecido vem para o Rio, "uma cidade toda feita contra ela". O narrador envolve-se na narrativa, tornando-se ele mesmo um personagem. Faz-se pobre como a personagem, adquire olheiras, não se permite mais prazeres pequenos como o futebol, porque se identifica com a nordestina; "escrevo por não Ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens". Órfã, a protagonista [e criada por uma tia que morre não sem antes lhe financiar um curso de datilografia. É como datilógrafa que a jovem sobrevive no Rio, trabalhando com a oxigenada colega Glória, que termina por lhe roubar o namorado, o também nordestino Olímpio de Jesus, ironicamente remetendo aos pólos culturais grego e cristão. Morando em pensão com algumas colegas, tem por hábito ouvis a Rádio Relógio, especializada em dizer as horas e divulgar anúncios, talvez identificando com o apresentador a escassez de linguagem que a converte num ser totalmente inverossímil no mundo em que procura sobreviver. Macabea confessa à colega de trabalho que gostaria de ser Marylin Monroe e é como estrela que aparece na última cena da narrativa. Ao ser atropelada por um rico "Mercedes", "quase vomitou, queria vomitar o que não é corpo, vomitar algo luminoso. Estrela de mil pontas". E representa o único grande papel de sua vida apagada. Antes de morrer, balbucia uma frase: "Quanto ao futuro", pois a cartomante, consultada pouco antes, lhe antecipara o futuro em que seria amada por um rico e louro estrangeiro. O abraço final une a morte o amor.


O Primo Basílio
Eça de Queirós
A grande história de um banal adultério
O Primo Basílio é o romance de maior êxito de Eça de Queirós.

Em parte, o sucesso é devido ao naturalismo de suas cenas eróticas. No entanto, três outros grandes méritos devem ser atribuídos ao romance: primeiro, a visão crítica da pequena burguesia lisboeta, cujo alvo é a família, produto de namoros insólitos e da educação romântica da mulher, entregue a sonhos idealizados e ao ócio. O segundo mérito do livro está na montagem do enredo, construído a partir de uma lógica bem norteada que contribui para a criação de uma atmosfera tensa. O mérito principal, no entanto, é a perfeita elaboração de personagens secundários, entre os quais se destacam o Conselheiro Acácio, símbolo da mediocridade, frugalidade e tacanhez de caráter, e Juliana, personagem de padrões naturalistas, construída para provar que os fins justificam os meios. O enredo não vai além de um caso banal de adultério (Luísa e Basílio), que atinge proporções mais amplas quando ameaçado pela chantagem da criada Juliana.

Os Lusíadas - Camões
(episódios "Inês de Castro" - III, 118 a 135) e "O Velho do Restelo" - IV, 90 a 104)
O lirismo no amor e a aventura nas navegações

Publicada em 1572, Os Lusíadas é a epopéia do povo português. A obra é composta de 10 cantos, repartidos em 1102 estrofes em oitava-rima (oito versos por estrofe e rima em ABABABCC) e decassílabos heróicos. A epopéia camoniana é dividida em três partes: Introdução (proposição, invocação e dedicatória); Narração e Epílogo, tendo como assunto a viagem de Vasco da Gama às Índias. A narração tem início quando as caravelas de Vasco da Gama já estão navegando pelo Oceano Índico, portanto, em plena viagem. Os navegantes são supervisionados pelos deuses do Olimpo e decidem o destino dos navegantes após a realização de um concílio. Os portugueses encontram em Vênus uma preciosa aliada e em Baco o mais ferrenho inimigo. Na costa oriental da África os portugueses aportam em Moçambique e depois em Melinde, cujo rei pede a Vasco da Gama que conte a história do país, motivo dos cantos três e quatro. Dois episódios serão destacados dentro da história de Portugal.
O primeiro é protagonizado por Inês de Castro, jovem que acompanha D. Constança de Castela, princesa prometida a D. Pedro, filho de Afonso IV de Portugal. Jovem de rara beleza, Inês atrai a atenção do príncipe herdeiro que, após a morte da esposa, casa-se secretamente com ela. Afonso IV, ouvindo conselhos daqueles que viam nela mais uma aventureira a serviço da Espanha, manda matá-la.
O inconformado D. Pedro, ao assumir o trono português, fez de sua amada a rainha de seu povo, desenterrando-a e coroando-a. Camões obtém um efeito extraordinário ao inserir na epopéia este episódio essencialmente lírico. No canto seguinte (IV), Gama prossegue, narrando a história de Portugal desde a dinastia de Avis (D. João I) até a partida da armada para a Índia. Nas últimas estâncias do canto está inserido o episódio de O Velho do Restelo. Portugal vive uma fase de euforia quando do início das grandes navegações. Em meio à preparação da partida das naus rumo às grandes conquistas surge O Velho do Restelo, representando a oposição passado x presente, antigo x novo. O Velho chama de vaidoso aqueles que, por cobiça ou ânsia de glória, por sua audácia ou coragem, se lançam às aventuras ultramarinas. O Velho do Restelo simboliza a preocupação daqueles que antevêem um futuro sombrio para a Pátria.

Memórias Póstumas de Brás Cubas
Machado de Assis

Viagem em torno da própria vida

Memórias Póstumas de Brás Cubas, de 1881, é considerada a obra divisora de águas não só da literatura brasileira, marcando o início da estética realista, como também da literatura machadiana, pois estabelece a ruptura do escritor com os padrões românticos. Ao substituir a linearidade da narrativa, a preferência pela ação e a leve caracterização das personagens por uma lógica independente da cronologia, que permite ao narrador viajar pelo tempo sem perder o rumo dos acontecimentos, torna possível a inserção de cuidadosas reflexões em qualquer um dos capítulos, ou permite a condução dos acontecimentos sem ficar à mercê da necessidade de encadear os assuntos um após outro. Porém, a grande ruptura ocorre na preferência do autor não pelo enredo, mas pela caracterização das personagens, analisadas através de seus aspectos comportamentais, isto é, através da postura que assumem diante dos acontecimentos e da sociedade em que vivem. A obra é narrada em primeira pessoa, por um morto que se propõe analisar a si e aos outros. Começa de sua morte e seu delírio e num salto retorna à infância, relatando seus amores adolescentes pela prostituta espanhola Marcela, e a ruptura do caso amoroso, quando o pai decide enviá-lo à Europa. Seu envolvimento com Virgília, esposa de Lobo Neves, aborda o problema banal de um caso de adultério e é motivo de inúmeras reflexões do narrador. Importante também é a amizade do narrador com Quincas Borba, filósofo mentor da teoria do humanitismo, cuja síntese está na frase: "Ao vencedor, as batatas". Nessa viagem que Brás Cubas faz em torno de sua própria vida, as constantes de Machado de Assis vão sendo marcadas: pessimismo, ironia e humor, principalmente no último capítulo, quando afirma com profundo niilismo: "Não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria".


Macunaíma
Mário de Andrade
O herói sem nenhum caráter que vira estrela

Rapsódia escrita em 1926 e publicada em 1928, traz uma variedade de motivos populares que Mário de Andrade juntou de acordo com as afinidades existentes entre eles. Trata-se de uma espécie de "coquetel" do folclórico e do popular do Brasil. Mário de Andrade mistura o maravilhoso e o sobre-humano ao retratar as façanhas de um herói que não apresenta rigorosos referenciais espaço-temporais.
Macunaíma é o representante de todas as épocas e de todos os espaços brasileiros. Macunaíma, que leva o subtítulo de "herói sem nenhum caráter", é também o nome do personagem central, um herói ameríndio que trai e é traído, que é preguiçoso, indolente, mas esperto e matreiro, individualista e dúbio. Destituído da auréola idealizada dos românticos, Macunaíma é o índio moderno, múltiplo e contraditório. Nasce na selva, filho de uma índia tapanhumas, fala tardiamente e só anda quando ouve o som do dinheiro. Vira príncipe e trai o irmão Jiguê ao brincar com as cunhadas, primeiro Sofará e depois Iriqui. Vira homem e mata a mãe, enganado por Anhangá. Casa-se com Ci, a mãe do mato, guerreira amazonas da tribo das Icamiabas. Macunaíma torna-se o Imperador do Mato Virgem. Após seis meses, tem um filho. A criança morre, transformando-se em planta do guaraná. Ci, cansada e desiludida, vira a estrela Beta da Constelação Centauro. Antes de morrer, porém, Ci deixa ao esposo a muiraquitã, uma pedra talismã que lhe daria a garantia de felicidade. Mas o herói perde a pedra que acaba nas mãos do rico comerciante peruano Venceslau Pietro Pietra, colecionador de pedras em São Paulo. Em companhia de seus dois irmãos, Maanape e Jiguê, vem para São Paulo a fim de reconquistar a pedra, que simboliza seu próprio ideal. Porém, Venceslau, que está disfarçado de comerciante, é na verdade o gigante Piaimã, comedor de gente; por isso, as investidas de Macunaíma contra ele não dão resultado. Só depois de apelar para a macumba Macunaíma consegue derrotar o gigante. Reconquistada a pedra, Macunaíma retorna ao Amazonas e se deixa atrair pela Iara, perdendo definitivamente a pedra. Como já não vê mais graça no mundo, vai para o céu, onde se transforma em estrela da Constelação Ursa Maior, ficando relegado ao brilho inútil das estrelas.

Primeiras Estórias
Guimarães Rosa
´Causos' que trazem o encanto e a magia

Obra publicada em 1962, reúne 21 contos. Trata-se do primeiro conjunto de histórias compactas a seguir a linha do conto tradicional, daí o "Primeiras" do título. O escritos acrescenta, logo após, o termo estória, tomando-o emprestado do inglês, em oposição ao termo Históira, designando algo mais próximo da invenção, ficção.
No volume, aborda as diferentes faces do gênero: a psicológica, a fantástica, a autobiográfica, a anedótica, a satírica, vasadas em diferentes tons: o cômico, o trágico, o patético, o lírico, o sarcástico, o erudito, o popular. As estórias captam episódios aparentemente banais. As ocorrências farejadas através dos protagonistas transformam-se de uma espécie de milagre que surge do nada, do que não se vê, como diz o próprio Guimarães Rosa; "Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo". Este milagre pode ser então, responsável pela poesia extraída dos fatos mais corriqueiros, pela beleza de pensar no cotidiano e não apenas vivê-lo, pelo amor que se pode ter pelas coisas da terra, pelo homem simples, pelo mistério da vida. Dos "causos" narrados brotam encanto e magia frutos da sensibilidade de um poeta deslumbrado com a paisagem natural e/ou recriada de Minas Gerais.