GRACILIANO
RAMOS, A LRF E NOSSAS VIDAS SECAS Valdecir Fernandes Pascoal |
O principal escritor do chamado romance regionalista-modernista, Graciliano Ramos, certamente não ficaria muito à vontade em ver o modo como seu nome está sendo utilizado na propagação e legitimação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Isto porque, vez por outra, autoridades públicas e parte da mídia, buscando legitimar os princípios da chamada “gestão fiscal responsável”, fazem menção às medidas administrativas tomadas pelo ilustre escritor quando à frente da Prefeitura de Palmeira dos Índios. Tais medidas ficaram famosas em virtude da divulgação dos “Relatórios de Prestação de Contas” enviados pelo então Prefeito ao Governador de Alagoas, nos anos de 1929 e 1930. Decerto que Graciliano Ramos não seria um crítico inconseqüente. Enxergaria, sim, na LRF algumas regras que ele aplicara na sua gestão, a começar pela própria elaboração dos “Relatórios”, atitude consentânea com o princípio republicano da transparência, cuja exigência foi deveras fortalecida pela lei. No entanto, para quem é reconhecido pelo estilo claro, direto, simples e, especialmente, conciso – características encontradas em toda sua obra, inclusive nos “Relatórios” -, teria uma grande decepção ao se deparar com a complexidade técnica e com o árido linguajar de uma lei a ser aplicada indistintamente pelos Governos Federal, Estaduais e por todos os Municípios (sem levar em conta as diferentes realidades dos nossos entes federativos), desde o maior e mais rico, São Paulo, aos mais pobres, como as suas queridas Quebrângulo e Palmeira dos Índios. Em passagem memorável dos “Relatórios”, Graciliano Ramos faz menção à carga tributária do Município e à concessão de favores fiscais. Disse ele: “No orçamento do ano passado houve supressão de várias taxas que existiam em 1928. A receita, entretanto, calculada em 68:850$000, atingiu 96:924$985. E não empreguei rigores excessivos. Fiz apenas isto: extingui favores largamente concedidos a pessoas que não precisavam deles e pus termo às extorsões que afligiam os matutos de pequeno valor, ordinariamente raspados, escorchados, esbrugados pelos exatores”. A alegria que poderia ter sentido ao ver, em boa hora, a LRF disciplinar e restringir a farra fiscal - a concessão indevida de isenções, subsídios e perdões de tributos, concedidos, no mais das vezes, sem critérios técnicos, econômicos e de impessoalidade – daria lugar rapidamente à tristeza. Tristeza ao ver que a LRF, buscando, a qualquer custo, o incremento das receitas públicas, agiu como os antigos exatores de Palmeira dos Índios, na medida em que passa a exigir que todos os entes instituam e cobrem todos os Tributos autorizados pela Constituição, quando o mais justo socialmente e o mais indicado, técnica e economicamente, seria buscar o aumento da arrecadação via diminuição da ultrajante carga tributária nacional: escorchante, sobretudo para os novos “matutos de pequeno valor” (funcionários públicos, pequenos e médios empresários e profissionais liberais).
Nessa “Viagem” de volta ao nosso Brasil da austeridade fiscal, ao nosso Brasil globalizado, ao nosso Brasil “real’, Graciliano concluiria que esse não é o “modernismo” dos seus sonhos, que esse “modernismo” não fará do Brasil um País digno e justo. Concluiria que nossas “Vidas” continuam “Secas”: secas de educação, secas de segurança, secas de saúde, secas de energia, secas de água, secas de comida e, para sua maior tristeza, continuam secas de cidadania. Valdecir Fernandes Pascoal é bacharel em Direito, Economia e Administração, Pós-graduado em Direito Constitucional e Administrativo, Professor da Escola de Contas Públicas do TCE-PE, Auditor do Tribunal de Contas de Pernambuco e autor dos livros: “A Intervenção do Estado no Município: O Papel do Tribunal de Contas” e “Direito Financeiro e Controle Externo”.
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