Gilberto Rabelo Profeta

Artaud e o Sentido

Capítulo 2

As Coisas Reais e O Homem

 Uma das preocupações essenciais de Artaud é a relação do homem com o seu meio e seu teatro se faz para desmanchar a confusão que dela nasce. Separa Artaud o homem do meio social e o insere na natureza, conjunto das coisas existentes, "mundo com o qual nos deparamos para, em seguida, conciliá-lo com os Acontecimentos e o seu Destino, estoicismo que adota.

O materialismo estóico, espiritualista(JB E) como em Artaud, vê, na natureza, tudo que atua como corpo, diferenciando o substrato ou matéria sem qualidade; a qualidade, o que determina as diferenças na matéria; a maneira de ser e a relação. Estas duas seriam incorpóreas, desprovidas de realidade autêntica; sendo visões da realidade, dependem da presença de organismos que a observem.

É a mesma cisão operada por Artaud, o homem tomado em separado como produtor de visões sobre a realidade. Artaud avança. Se a relação entre dois corpos atua sobre outras relações e sobre outros corpos, também seria corpórea. Como produto das visões sobre a realidade viram os estóicos o exprimível, contendo a palavra, o objeto e o significado, este incorporal. Viu Artaud o significado atuando, então o viu como corpo.

Uma questão se coloca: o mundo é ou não uma massa amorfa?

Artaud compreende Kant(FDA M), que procura, em lugar de preocupar-se em estudar a estrutura do mundo, "buscar o porquê dentro de nós de o mundo apresentar a estrutura que nele descobrimos". O mundo não seria uma totalidade formal e estrutural "que independe de nós, mas uma potencialidade amorfa à qual nossa percepção fornece uma estrutura".

Parece Artaud, contudo, pensar diferente: as coisas reais são e formam estruturas que independem de nossa presença, embora tenhamos a capacidade de imaginar novas estruturas e concretizá-las. Note-se que Artaud nos parece panteísta: Natureza é Deus. Preocupa-se Artaud com este aspecto revelador da matéria que parece, de repente, desabrochar em signos para nos ensinar a identidade metafísica do concreto e do abstrato ou a forma só existe no organismo que observa o real - o mundo tem a forma natural retirada, por nossos órgãos dos sentidos, de uma estrutura real - tornando-se necessário reaprendermos a nos aproximar da natureza.

Para Raymond Ruyers, em textos de 1932 a 1949, a forma e a estrutura se diferenciam, esta de ordem física, aquela de ordem fisiológica. A forma transcende à estrutura e existe através dela. A forma é dinâmica, a estrutura estática e devem se harmonizar: a estrutura age sobre a forma que age sobre a estrutura, à procura de equilíbrio. É inerente ao ser humano: mesmo sem a cultura cristalizamos nossas experiências em formas repetitivas, estruturas repetitivas, pelo processo mesmo de tentativa de reconstrução do real em nosso mundo interno. Nisto parece crer Artaud, como Piaget, seu contemporâneo

No mundo dos significados/significantes muitas vezes citado por Artaud, a palavra é corpo, o objeto é criação do homem a partir de uma matéria prima, a coisa real: "a inteligência cria o objeto e o experimenta... só o uso da realidade verifica a ativi-dade mental quando esta se acha em seu nível e em sua capacidade" (AA T).

Se para Sartre(JPS I), "coisa é tudo que existe", ou a forma inerte que independe de mim ou de outra consciência, para Artaud a coisa real tambem é produtora de formas/visões. Em Artaud aprender a queimar formas é aprender a perceber o real. "Ser cultivado é aprender a manter-se em pé no movimento incessante das formas que destruímos sucessivamente".

Artaud nos propõe que variemos as formas internalizadas de cada estrutura observada, bem como os pontos de vista extraíveis de cada forma internalizada. Quer que aumentemos nossa sensibili-dade para a internalização de uma população formigante de da-dos e que neguemos todos os pontos de vista "a priori".
Percebendo a realidade dada ao lado da realidade construída, parece saber que o homem observa as coisas reais e cria sistemas de in-terpretação/leitura da realidade ao criar os objetos, e sabe que estes objetos e as formas/imagens com que os internalizamos es-condem a realidade que se quer conhecer.


Percebemos os esforços culturais para de cada CR extrair uma forma/noção e os esforços de Artaud para de cada CR extrair múltiplas formas/noções(pontos de vista). No processo de "reestruturação perceptiva de Piaget(AMB DTJP), temos:


Estrutura física ---> forma
v
somatória de formas
v
boa forma definitiva
v
idéia

enquanto em Artaud, como processo de "queimar formas", temos:

Estrutura física ---> aglomerado sem forma
v
expressão em múltiplas formas
v
múltiplas boas formas definitivas
v
múltiplas idéias


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