O celular da Patty tocou (sim, agora ela tinha um celular).

- Alo?

- Pá, onde você está?

- Ai, Belle, se acalma. Daqui umas horas eu estou chegando aí.

- É que eu estou tão ansiosa para te ver. Você já está no avião?

- Se eu estivesse, com certeza eu não estaria falando com você agora. Celular não funciona no avião.

- Boa - a Belle reconheceu. - Então entra logo no avião e chega de uma vez aqui.

- Eu vou tentar - a Patty riu.

- Quantos dias mesmo que você vai ficar aqui em casa?

- Quatro.

- Ai, que pouquinho.

- Eu não tenho como ficar mais, Belle. Tenho que ajudar minha mãe com o restaurante.

- Mas são férias.

- O Sakura não fecha nas férias.

- Tudo bem, tudo bem, eu entendi.

Última chamada para o vôo 326 da America Airlines.

- Ouviu isso, Belle? É o meu. Eu preciso ir. Tchauzinho.

- Tchau. E chega logo.

            A Patrícia desligou e colocou o celular na bolsa.

            Pela primeira vez depois que se mudou, a Patrícia retornava para Tulsa, dois anos mais tarde. Não havia perdido contato com suas amigas e há algum tempo Belle vinha insistindo para que a Patty fosse passar uns dias na sua casa, já que agora ela e Lary dividiam um apartamento no centro de Tulsa. A Futemminha queria ir, mas não achava tempo, enrolada com a faculdade e o trabalho no restaurante.

            Então chegaram as férias letivas, as quais possibilitaram, finalmente, que a Patty pudesse viajar. E com os convites insistentes da Belle, não teve como recusar: a Futemminha pegou um avião e foi para Tulsa.

            Com o curso de Desenho Industrial, a Patrícia havia sido contratada pela própria mãe e tia para trabalhar no slogan, nos símbolos, nos folhetos e em toda essa área visual publicitária do restaurante. Estava ganhando um salário legal, conseqüência do serviço competente que oferecia, resultado das ótimas notas na faculdade.

            Após algumas longas horas de viagem, o avião finalmente aterrissou no aeroporto da cidade. Quando desceu, lá estava Belle e Lary, uma ao lado da outra, com sorrisos saudosos em seus rostos e olhares curiosos em cima da japonesinha, assim que esta apareceu na porta de desembarque.

- Paaaaaattyyyy!!

            O grito das amigas ecoou pelo ambiente de mármore quando se abraçaram, as três, ao mesmo tempo. Choraram, riram, falaram alto e gritaram. Era tanta saudade acumulada, tantas coisas para conversarem... Muita coisa para pôr para fora. Os berros eram até compreensíveis.

- Como você está diferente - a Belle exclamou, olhando para a Patty.

- É, eu mudei um pouco. Estava de saco cheio da minha cara.

- O seu cabelo tá muito fashion repicado desse jeito - a Lary disse.

- Obrigada, meninas. Vocês também estão diferentes. Lary, como você emagreceu. E Belle, você está praticamente loira, menina! Quanta mecha!

            Elas riram.

- Vamos indo? - a Belle disse. - Você deve estar cansada, querendo comer alguma coisa e tomar um bom banho.

- Banho, definitivamente - a Patty concordou.

            Foram então em direção ao carro, no estacionamento:

- Uau, até carro você já tem? - a Patty comentou.

- Naaah... Esse é do papai. Mas logo, logo a Belle aqui vai estar motorizada, minha querida.

            As três riram e foram para o apartamento.

 

...

 

- Está nervosa? - a Lary perguntou, do banco de trás.

- Um pouquinho - a Patty respondeu.

- Quem diria, hein, Patrícia Futemma? Depois de tanto tempo, você retornando ao The SS - Belle comentou, rindo enquanto dirigia.

- Eu não sei se eu deveria ir... Quer dizer, esse é o bar do Isaac - a Patty hesitou.

- Mas é justamente por isso que nós temos que ir lá - a Lary rebateu. - E você não podia vir pra cá sem sair conosco à noite.

- O The SS  é o único lugar que tem para sair?

- Ih, Patty, o The SS  estourou. Depois que ele apareceu, a maioria dos outros barzinhos fecharam. Quer dizer, ainda têm as casas de show, as boates... Mas é do The SS  que o pessoal gosta mesmo - a Belle explicou.

- Bom, é uma desculpa interessante - a Patty falou. Suas amigas riram.

- Olha a fila - a Belle disse, parando seu carro em frente.

            A primeira coisa que a Patty notou foi que a fachada estava diferente. O lugar com certeza havia sofrido reformas internas porque parecia maior do que costumava. A fila para entrar estava enorme e Isaac, como o bom proprietário que era, estava na porta cuidando do movimento.

O Ike, a Patty olhava abobada. Meu Deus... Faz tanto tempo.

- Sim, é o Isaac, minha querida - a Lary sorriu.

            Ele estava diferente. Terno escuro, cabelos desalinhados e mais curtos, porém o mesmo sorriso simpático no rosto.

- Por acaso ele anda malhando? - a Patty perguntou.

- Anda. Está gostosão, não está? - a Lary provocou.

            Elas riram. A Futemminha continuou olhando para o homem parado na porta do bar. Um verdadeiro homem de negócios. Era Isaac mesmo? Ela mal acreditava. Tal imagem a intimidou.

- Ai, eu não quero ir lá.

- Como assim, não quer ir lá, Dona Patrícia? - a Belle se revoltou. - De jeito nenhumm, você vai sim. E vai entrar arrasando, com o seu cabelo novo e suas roupas super descoladas.

- Descoladas foi péssimo... - a Lary falou.

- Foi horrível - a Patty concordou.

- Tudo bem, tudo bem, vocês pegaram a essência.

- Ai, gente... E se ele me tratar mal? E se ele não me reconhecer? E se ele estiver metido? - a Patty questionava.

- Patty, calma. Vamos fazer um relaxamento rápido - a Lary disse.

- Um o quê?

- Agüenta, Patty. A Lary agora tá fazendo ioga - a Belle avisou.

- Ah meu Deus - a Patty riu.

- Respira fundo. Vamos lá, três vezes.

            A Patty e a Belle obedeceram e fizeram meio de qualquer jeito.

- Agora vocês...

- Tá, tá, eu já superei - a Patty interrompeu. - Vamos descer de uma vez antes que eu me arrependa.

- Isso aí, Pá! - a Belle comemorou, mais por não ter que agüentar as iogas da Lary do que por felicidade pela amiga recém-chegada.

            O maior medo da Patrícia, na verdade, não era falar com o Isaac depois de tanto tempo. O que ela mais temia era o fato de saber que onde o Isaac estava, também estava o Zac. E o Taylor. Não tinha idéia de como seria revê-lo dois anos depois de tudo. Ficou olhando para o Isaac, ainda de certa distância, imaginando que, se ele estava assim, Taylor deveria estar tão mudado quanto o irmão mais velho.

- Tudo bem, Patrícia, se acalma. Está tudo bem - a Patty falava para si mesma.

- Patty, desencana. Vai dar tudo certo, você vai ver - a Lary assegurou.

- Tem uns 700 barulhos diferentes dentro da minha barriga agora - a Patty disse.

- Pois pode tratar de acabar com eles porque barulhos na barriga não são lá muito atraentes - a Belle aconselhou. - E hoje você precisa estar simplesmente arrasando.

            A Patty já estava indo para o final da fila, quando a Lary advertiu:

- Patty, onde você está indo?

- Para a fila, ué.

- Querida... Você não acha realmente que eu, Laryssa, e minha chiquérrima amiga Isabelle ficamos em filas, acha?

- E vocês pretendem entrar como?

            A Lary tirou de dentro da bolsa uma espécie de cartão. Belle fez o mesmo. A Patty se aproximou e leu em voz alta:

- "Cliente VIP". Nossa, como vocês conseguiram isso?

- O Isaac deu pra gente - a Belle sorriu. - Afinal, querendo ou não, você já namorou o irmão dele. E nós duas somos suas melhores amigas...

- E como uma coisa leva à outra... - a Lary sorriu.

- Aaaaah, claro, claro - a Patty riu. - Como sempre, a japonesa é a explorada - brincou, provocando risos.

            Elas então entraram pela outra porta, ao lado da entrada principal. E como era a menos conturbada, a entrada para clientes VIP era cuidada por apenas um funcionário. Isaac preferira ficar ajudando na área de maior agitação.

- Vamos lá falar com ele - a Lary disse.

- Não, deixa pra depois. Ele está ocupado, olha lá - a Patty falou, apontando com o rosto para a bagunça.

- Bom, então vamos sentar um pouco e ver quem está por aqui hoje - a Belle sorriu.

            À medida que iam adentrando, a Patrícia começava a reconhecer alguns rostos. Procuravam por uma mesa e conseguiram uma bem em frente ao palco. Então começou o trabalho de reconhecimento da Patty. Avistou a Yohanna conversando com um belo rapaz no bar e pareciam estar juntos. A Gisely, a garota que agredira a Patty por duas vezes no passado, encontrava-se sentada em um canto sem falar com ninguém, tímida e sozinha.

- Depois daquele dia em que o Taylor a fez desmentir no microfone sobre o filho que ela dizia ter abortado dele, a Gisely nunca mais conseguiu crédito de ninguém da cidade - a Belle explicou.

            Olhando mais um pouco, a Patty viu o George. Rodeado de quatro mulheres, ele jogava a conversa mais furada possível em cima delas.

- Não mudou nada - a Patty riu.

            Notou também que a Isadora não estava mais no bar. No lugar dela, havia um rapaz de cabelos escuros, mas que parecia ter muita habilidade com as garrafas e copos. A Patty se perguntou o que teria ocorrido com a Isadora.

            E observando mais um pouco, a Patty viu a Ló conversando com algumas meninas numa mesa. O Zac não estava por perto.

- Nossa... Como ela está diferente - a Patty sorriu.

            A Lynne havia deixado os cabelos crescerem até a cintura. Naquela noite, havia feito dois coques, um em cada lado da cabeça, e os decorou com presilhinhas brilhantes. Estava linda. Seu estilo de vestir continuava o mesmo, porém tinha algo de diferente em seu semblante.

- Patty, vai ficar aí sentada? Vamos procurar quem você quer tanto ver - a Lary disse.

- Ssshhhh, fica quieta. Eu não quero ver ninguém.

- Aaaah, claaaro - a Belle satirizou. - Você não quer ver ninguém. Pára com isso, Patty. Vamos andar um pouco.

            Depois de pensar um pouco e sentir sua barriga gelando, a Patty concordou. E saíram andar.

            O nome "Taylor" era proibido. Desde que a Patty havia pisado em Tulsa, nem Belle nem Lary haviam perguntado a ela sobre o Taylor. Vez ou outra, soltavam alguma indireta, brincavam com lembranças do passado, mas não perguntavam diretamente sobre a Futemminha estar sentindo alguma ansiedade em revê-lo.

            De vez em quando, a Lary e a Belle cumprimentavam certas pessoas. Conhecidos da noite, daqueles que você não vê durante o dia. As duas até apresentaram a Patty para alguns de seus amigos, mas nenhuma conversa entre elas e esse povo durou mais que dois minutos.

            Andavam, andavam... E a Patty já começava a ficar agoniada porque não avistava nenhum de seus amigos. Mais um conhecido parou para falar com Lary e Belle. Enquanto isso, a Patty parou mais distante, continuando seu trabalho de busca visual.

- Isaac - a Belle exclamou.

- Como vocês estão, meninas? - ele perguntou, educadamente.

- Ótimas. E temos uma surpresa para você.

- Vocês trouxeram um cliente novo? - ele brincou.

- Mais do que isso - a Lary disse. - Pá, vem aqui.

            A Patty virou-se para as amigas e já viu quem estava com elas. E ao contrário de como pensava que seria sua reação, a Patty abriu um enorme sorriso e se aproximou depressa. O Isaac apertou os olhos, não acreditando em quem via.

- Patty?

- Oi, Ike - ela sorriu, receosa.

- Meus Deus, Patty! - ele sorriu grande. - Quanto tempo!

            E correu abraça-la forte. A Patty ria sem parar de felicidade. Mal acreditava que havia sido aceita, que não estava sendo vista como uma intrusa. Eles se afastaram e o Isaac perguntou, segurando-a pelas mãos:

- Como você está? Quando você chegou? Por que nunca mais ligou?

- Nossa - ela riu. - Calma, uma pergunta de cada vez.

- Desculpe, mas é que eu estou tão surpreso - o Isaac sorria, apertando os olhinhos..

- Eu cheguei hoje de manhã.

- E está na casa de quem? Você sabe que se precisar, tem lugar pra ficar, a minha casa é grande e...

            Aí ficou aquele silêncio chato. Todo mundo ali notou que o convite do Isaac soou meio forçado. E ele também percebeu isso porque se tocou a tempo de piorar de que não tinha absolutamente nada a ver a Patrícia dormir na casa dos Hanson. E para quebrar o silêncio, rapidamente, a Lary tentou mudar de assunto:

- Gente, eu e a Belle vamos voltar para a nossa mesa porque nós deixamos os nossos casacos lá. Patty, depois vai lá sentar com a gente.

- Eu vou sim. Até já, meninas.

- Que bom que você está aqui, Patty - o Isaac sorriu. - Puxa, é um prazer tê-la no The SS  novamente.

- Obrigada, Ike. É bom saber que eu continuo sendo bem-vinda.

- Mas a gente precisa comemorar. Meu Deus, o Zac e Taylor precisam saber que você está aqui.

            Pronto, a palavra mágica. A barriga da Patty voltou a fazer barulhos. Sorte que a música do lugar estava altíssima.

- Eles devem estar andando por aí - o Isaac disse. - Daqui a pouco eles aparecem.

- E como vocês estão? - a Patty perguntou.

- Estamos bem. Agora eu estou morando sozinho, com o meu próprio dinheiro...

- Puxa, que ótimo - a Patty sorriu. - Pelo jeito o seu bar está indo super bem - olhando em volta.

- Mais do que eu esperava - ele sorriu. - Quantos dias você vai ficar?

- Quatro dias.

- Contando com hoje?

- É sim.

- Que pena - o Isaac sentiu. - Mas por que tão pouco tempo?

- Os meus pais abriram um restaurante lá em Albuquerque.

- Eu sei - ele adiantou.

- Então, eu preciso ajuda-los com as coisas. Tem muito movimento.

- E por que você nunca mais deu notícias?

            Ai, não tinha uma pergunta um pouco mais complicada? E como se fosse ajuda divina, o celular do Isaac vibrou. Ufa, salva pelo vibra-call, hein Patty?

- Ok, estou indo. - O Isaac desligou. - Patty, eu preciso ir, apareceu um problema e...

- Não se preocupe, Ike. Pode ir. Depois a gente conversa mais.

- Tem tanta coisa que eu quero te perguntar - ele sorriu. <

- Fica com o meu celular. Qualquer coisa, é só me ligar - ela sugeriu.

            O Isaac achou uma ótima idéia e gravou o telefone da Futemminha em seu próprio celular.

- Daqui a pouco a banda vai começar a tocar. Depois que eu resolver o problema, eu vou atrás de você pra nós assistirmos ao show juntos. Pode ser?

- Pode, claro - a Patty sorriu grande.

            O Isaac sorriu empolgado e deu um beijinho no rosto da Patty, saindo a seguir.

- Tá, Patty, agora você vai voltar sozinha para a mesa sem temer nada - ela falava sozinha. - Vamos lá, a mesa não está longe.

            Mesmo nervosa, a Patty empinou o nariz, respirou fundo e foi passando por todas aquelas pessoas que ocupavam algum lugarzinho na sua memória. A cada rosto conhecido que lhe vinha aos olhos, ficava mais forte dentro da Patty a sensação de que ela não fazia mais parte daquele lugar. E isso causava dentro da Futemminha uma tensão, um medo de ser lembrada por algum daqueles indivíduos como A Patrícia Que Partiu E Não Poderia Ter Voltado. Temia que alguém notasse que ela não era mais parte daquilo. Temia aqueles comentários de "O que você está fazendo aqui?". Quanto mais este medo aumentava, mais barulhos soavam dentro de sua barriga.

            Então, quando já estava mais próxima da sua mesa, a Patty viu passar de relance dois coquinhos com presilhinhas brilhantes. Imediatamente, a japonesinha gritou:

- Ló!

- Eu! - ela respondeu, sem ter visto quem a chamava. - Espera, Zackito! Tem alguém aqui me chamando! - ela berrou (por causa da música alta) para seu namorado, que a puxava pela mão por entre as pessoas.

- Se for homem, está fudido - o Zac falou.

            Assim que a Ló virou-se em direção a Patty e viu de quem se tratava, ela deu um grito que conseguiu ultrapassar a barreira da música eletrônica tocando no lugar:

- PATTY! Eu não acredito!

            Então elas se abraçaram empolgadas, com a Ló repetindo sem parar no ouvido da Futemminha o nome dela:

- Patty, Patty, Patty, Patty, Patty!

- Patty, que Patty? - disse o Zac, aproximando-se só agora.

- Zackito, olha! Olha quem está aqui! Olha, Zackito! - a Ló berrava, elétrica.

            O Zac ficou sério ao fazer contato visual com a Patrícia, o que causou na Futemminha uma caganeira generalizada. O olhar analisador do Zac não era uma das coisas mais divertidas que alguém poderia presenciar. E o medo de não ser aceita voltou a bater na Patty. Espremendo os olhos, o Zac continuou sério por alguns segundos longos e agonizantes. Aproximou-se e a observou de mais perto, com a mesma expressão judiciosa.

            Depois de tanto silêncio, o Zac finalmente disse alguma coisa:

- O que você fez no seu cabelo? - com cara de nojo.

- Zachary! - a Ló advertiu, dando um tapa nas costas do namorado, que provavelmente deve ter causado nada além de coceiras no garoto-armário.

- Mas o cabelo dela está muito diferente. Eu não estava reconhecendo - o Zac se explicou.

            A Patty ria.

- Você é a Patty mesmo? - ele certificou-se.

- Sou eu, Zac.

- Mas a Patty que eu conhecia não era fashion assim.

- E o Zac que eu conhecia não usava calça social e blusa de gola - a Patty rebateu, referindo-se aos trajes do garoto.

            Não havia dúvidas, era a Patty mesmo. O Zac abriu um sorrisão e disse:

- Hey Patty.

- Hey Zac.

            Daquele jeito sem jeito do Zac, ele a abraçou e tentou passar da maneira mais clara que estava feliz em revê-la. Lógico que ele não diria isso com todas as palavras, nem faria escândalos como a Lynne, nem choraria de emoção ou abraçaria a Patty eternamente, comovido pelo retorno da antiga amiga. Mas quem havia tido uma convivência de tempos com o Zac, como a Patty o fez há uns anos atrás, aprendeu a decifrar o que muitas vezes ele não conseguia transformar em frases completas. Se ele se esforçasse, saía um resmungo, mas nada de muito tocante.

- Ai, Patty, que máximo! Você voltou a morar aqui! - a Ló comemorou.

- Não, Ló, eu só vim passar uns dias na casa da Belle, a minha amiga.

- Ah, eu sei quem é - a Ló falou. - Mas só uns dias? Quantos?

- Quatro.

- Contando com hoje? - a Ló perguntou, decepcionada.

- Contando com hoje.

            O Zac ouvia a conversa, prestando atenção em tudo, com as mãos no bolso da calça social preta. Não perguntava nada porque ainda estava um pouco envergonhado, mas queria saber da Patty tanto quanto sua namorada Lynne.

- Aaah, que pena. Por que você não tenta ficar mais dias? - a Ló perguntou.

- Não dá, Ló. Eu tenho que trabalhar.

- Ai, eu estou tão feliz que você está aqui!

            A Patty sorriu.

- Você já falou com o pessoal? - o Zac fez sua primeira pergunta.

- Só com o Isaac e agora com vocês.

- Onde você está sentada? - a Ló quis saber. - É porque o show já vai começar. <

- Logo em frente ao palco. A Belle e a Lary devem estar lá guardando o meu lugar.

- Zackito, vamos sentar com a Patty? Vamos, Zackito?

- Por mim tudo bem - ele concordou.

- Iurrú! - a Ló comemorou.

- Quando você fica feliz demais, você parece retardada mental - o Zac cutucou a namorada, fazendo a Patty rir.

- Patty, o Zac está assim atrevidinho hoje porque eu estou bem-humorada. Mas em casa, o negócio é outro. Só queria deixar bem claro pra você não ter a impressão errada e ficar pensando que no nosso namoro, quem manda é ele.

- Claro, Ló, nem pensei outra coisa - a Patty riu.

- Whatever - o Zac resmungou.

            E com a Patty na frente, a Ló logo atrás dançando faceira e o Zac as seguindo cuidando para que nenhum engraçadinho se aproximasse, eles conseguiram chegar à mesa após passarem por todo aquele povo aglomerado em rodinhas de conversa. Assim que se sentaram, a Belle e a Lary ficaram super felizes ao verem que a Ló iria sentar junto delas, mas já desanimaram ao notarem o comparecimento do Zac totalmente sobrando entre aquelas garotas tão alegres e simpáticas. Explica-se: nenhuma das duas engoliam muito o Zackito, pois o achavam extremamente grosseiro. Sabe como é o Zac quando não conhece alguém, né? Então, ele não faz muita questão de ser sociável.

            Mas como a presença da Patty ali alegrava todas as nações, as pequenas diferenças não reinaram por muito tempo. Acabou todo mundo conversando e rindo e relembrando fatos, cada um comunicando-se à sua maneira.

            Então o show tão esperando começou. A Patty queria ver o quê havia de tão especial nas apresentações do The SS.

- Sempre tem shows muito legais aqui - a Ló explicou.

- Cada noite é uma banda. Às vezes, vem até bandas mais famosas - a Lary completou.

            Naquela noite, a banda escolhida era uma tal de Starsailor. Começaram tocando a música Lullaby, de ritmo suave e misterioso.

- Nossa, isso é a cara do The SS - a Patty comentou logo que o vocalista começou a cantar.

            Aquela música exótica mexia com os sentidos da Patty. Movendo sua cabeça no ritmo da canção, ela foi deixando-se levar pelas sensações. Com uma quietude aconchegante dentro da alma, ela ia observando cada uma daquelas pessoas ali sentadas com ela. De longe, avistava também o Isaac correndo de lá para cá, com o celular nas mãos, cumprimentando umas 700 pessoas por segundo, monitorando o serviço, administrando o bar, dividindo-se em dois, três... mas sem tirar o sorriso do rosto. Compreensiva, a Patty pensou que ter a companhia de Isaac nas próximas horas seria evento de luxo. Não chateou-se. Sabia exatamente como era lidar com a correria de um estabelecimento comercial. Significava muitas vezes você ir além do seu limite físico e mental. Em outras palavras, era se quebrar pacas para atender a galera.

            Voltou-se ao show. A música que tocava agora no palco era Fever. O concerto estava agradável, as músicas suaves, o ambiente ótimo. A familiaridade com aquele meio voltou a fazer bem à Patty. O medo do começo passou e ela sentia-se em casa. Parou um instante e observou seus amigos ali, sentados com ela, conversando empolgados e a paparicando como nunca. Até o Zac, que manteve-se reservado nos primeiros momentos, havia se soltado e já perguntava o que tinha acontecido com a amiga em Albuquerque para que ela mudasse tanto o visual.

- Mas esse cabelo... Eu não sei... Eu gostava mais como era antes - o Zac dizia.

- 'Taquipariu, hein Zachary? - a Ló se irritava. - Você vai continuar com as suas pérolas frasais até que horas? Até a Patty se encher e virar uma pitomba na sua cara? Deixa o cabelo da garota!

- Tá, porra, tá. Já entendi. Desculpa.

            A Patty rindo, respondia:

- Ló, o que você fez com o Zac? Até desculpas ele já está pedindo.

- Pra você ver o que é que não faz um bom adestramento.

- Dá pra você parar de se referir a mim como um bicho, Alynne? - o Zac ficava puto.

- Ai, desculpa, amorzinho - a Ló se desculpava, enchendo o Zac de beijinhos rápidos na boca. - Você sabe que é brincadeira, não sabe?

            Aí eles entravam em um outro bate-boca a lá "tapa de amor não dói" e nessas eles poderiam ficar até hoooras. Nossa, como era divertido estar perto dos dois. Definitivamente o Zachary e a Alynne Lóide formavam um casal diferente. O tempo todo estavam batendo boca, mas o restante do tempo estavam no maior dos amores. Era engraçado, mas também invejável. Porque era claramente perceptível o quanto eles se gostavam.

            A banda tocou exatamente sete músicas. Bom, não dava para exigir muito porque a maioria das performances realizadas pelos músicos no The SS  eram na base da camaradagem. Até por que, o Isaac não podia ficar pagando para todas as bandas mais renomadas que iam tocar por lá os preços cobrados normalmente pelos seus empresários. E se apresentar no The SS  era bom negócio para os próprios músicos também. "Casa cheia" eram as palavras que faziam estes profissionais assinarem contratos.

- Obrigado, povo de Tulsa! We had a great time! See you all! - o vocalista se despediu.

            E quando a Patty achou que voltariam com a música eletrônica, ela foi surpreendida por outro acontecimento. O pessoal esperou apenas a banda deixar o palco para começar com os gritos:

- Tay-lor! Queremos Tay-lor!

            Outro mais ao longe berrava mais alto que todos:

- Vai, lá, Taaaay! Toca pra gente, cara!

- C'mon, Taylor! Rock this place for us!

            A Patty olhava ao redor um pouco perdida, tentando entender o que estava acontecendo.

- O Tay anda bastante requisitado por aqui - o Zac disse.

- Ah, mas também.. Ele toca muito - a Lary disse.

- O que foi aquela apresentação dele no final de semana passado? - a Belle lembrou. - Digno de, sei lá, um Grammy.

- Só espero que ele não volte a ficar um bosta por causa disso - o Zac falou baixinho, para ele mesmo.

- Eu adoro quando ele toca piano. É tão lindo - a Ló disse.

- Ah, você gosta, é? - o Zac perguntou, cínico.

- Ai, pronto - a Ló suspirou. - Lá vem.

- Então por que você não vai lá...

- Zachary - a Ló interrompeu. - Eu não sei o que você vai dizer agora, mas eu tenho a leve impressão de que você vai se arrepender depois.

- Imagine, Lynne, eu só ia dizer por que você não vai lá e o parabeniza em pessoa? Eu acho que esse tipo de atitude deixa mais claro o quanto você curte o trabalho dele - o Zac improvisou, cínico. - Pronto, nada que eu iria me arrepender.

            A Lynne sorriu e o beijou na boca.

- O Taylor está tocando no palco daqui? - a Patty perguntou, finalmente.

- É, ele toca umas duas vezes por semana, às vezes mais, depende - a Lary contou.

            Os gritos continuavam e por enquanto, nada do Taylor dar sinal de vida.

- Vai lá, Taylor! Toca pelo menos uma pra gente! - um garoto gritava de uma mesa mais afastada.

            De repente, aquela explosão de aplausos e gritos empolgados.

- E lá vai a bichona do meu irmão se exibir - o Zac disse, olhando para uma direção no meio do povo.

            Pela reação das pessoas, o Taylor deveria ter levantado de onde estava para atender ao pedido do público. E seguindo os olhos do Zac, a Patty conseguiu acha-lo no meio daquelas mesas. Devido as luzes baixas do lugar, a Futemminha não conseguia enxerga-lo em detalhes, porém a pouca visualização foi suficiente para fazer o coração da japonesinha quase sair fora do peito. O Taylor caminhava por entre aquelas pessoas, sorrindo e cumprimentando alguns de seus amigos batendo as mãos, como os homens sempre se cumprimentam, e agradecendo simpático às garotas. A Patty percebeu que ele havia se tornado ainda mais querido pelo povo de Tulsa. E por um rápido instante, ela até achou aquelas pessoas menos fúteis e menos vazias porque gostavam do Taylor.

            Por estar sentada bem em frente ao palco, a Patty tinha a impressão de que o Taylor estava vindo em direção à sua mesa. E quanto mais ele chegava perto, menos os olhos da Patty piscavam. Ele vinha se aproximando, sorrindo um pouco sem jeito para as pessoas que continuavam gritando pelo seu nome. Assim que pôde visualizar os traços do Cumprido de maneira ideal, os olhos da Patty brilharam, seu coração disparou e, a barriga que antes produzia sons bizarros, agora comportava verdadeiras revoluções estomacais. De cantinho de olho, Lary e Belle observavam: a amiga imóvel com os olhos puxados sobre a representação mais concreta de seu passado.

            Taylor subiu no palco e sentou-se no banquinho de alumínio deixado ali justamente para as apresentações acústicas. A visão da Patty agora era plena e absoluta.

- Obrigado, obrigado. - As pessoas gritavam empolgadas. - Eu queria deixar claro que eu só subi aqui hoje porque vocês pediram. - Mais gritos. - Eu não pretendia tocar essa noite porque hoje é aniversário da minha namorada e... - Nesta hora, todos bateram palmas. - Beatriz, parabéns. Eu amo você, sweetheart.

            Namorada? Espera aí, ninguém falou de namorada nenhuma.

- E se eu estou aqui, é porque ela deixou eu tocar - o Taylor continuou. Todos riram.

- A patroa é brava - alguém gritou lá de trás. Mais risadas.

            Todos olharam para a tal da Beatriz, inclusive a Patty. Porém esta não conseguiu enxergar no meio daquele povo todo quem era a nova respectiva do Taylor.

            Um funcionário do bar subiu até o palco para entregar ao Jordan um bonito violão, de cordas de aço, cujo som fazia o lugar tremer. Imediatamente, o Taylor já começou a tocar. Arrepiava profundamente cada vez que o Cumprido dançava os dedos sobre o instrumento, pois o som era de uma clareza inexplicável.

- Ainda bem que nós estamos sentados pra cá, Lynne - o Zac disse. - A Beatriz deve estar insuportável.

- Zac, não fala assim. Ela é legal, você quem implica com a garota - a Ló disse.

- Ih, Zac, já arranjou motivo para não ir com a cara da menina? - a Patty perguntou, meio na brincadeira.

- Não, ela é legal, mas é que... Eu fico puto porque o que ela mais gosta de fazer é desfilar com o Taylor pela cidade para mostrar pra todas as outras mulheres daqui que foi ela quem conseguiu agarra-lo. É escroto.

- Patty, nem é tanto assim... - a Ló corrigiu.

- Claro que é, Lynne. Você não convive para saber - o Zac disse.

- Quanto tempo faz que eles estão juntos? - a Patty perguntou.

- Uns... - o Zac pensou um pouquinho. - Quatro meses, eu acho.

- Depois do show, a gente tem que ir conversar com o Taylor - a Lary falou.

- É! - a Ló adorou a idéia. - Pra você poder conversar com ele, Patty.

- Claro, vai ser ótimo - a Patty sorriu amarelo, um pouco tímida.

- Ele vai gostar de te ver - o Zac disse, sério, daquele jeito sábio que às vezes assustava.

 

Continuação do capítulo 44