O_Happy_Day foi meu primeiro "conto". Eu estava no trabalho, e estava puto. Daí resolvi escrever algo e saiu ele. Eu gostei do resultado, apesar de ser algo bem primitivo em termos literários. Ele acabou sendo o primeiro de uma série que chamo de RCL.
Acordei pela manhã com o telefone tocando, eram 6:34, lembro bem dos números vermelhos e brilhantes do relógio do vídeo. Tateei tentando tirá-lo do gancho antes da ligação cair, mas foi inútil. Esperei por dois minutos e nada, então resolvi tomar banho e me preparar para o trabalho assim mesmo.
Peguei o jornal na porta, meio úmido por causa da chuva que cai quase sempre as madrugadas, e vi notícias sem sentido estampadas na primeira página. Afinal, eles acham que alguém pode realmente levá-los a sério com uma matéria destas? Li algumas manchetes, desligo o jornal e o deixo pousado sobre o sofá. Fico deitado aproveitando um facho de luz que entra pela janela, pensando na vida, por fim me canso disto, e me levanto.
Narinha ainda dorme, minha filha querida, meu amor. A única força capaz de me erguer toda manhã. Pego o paletó, ajeito a gravata e vou ao trabalho.
Meu carro ronca suave, também sendo acordado de forma brusca. Rolo com ele para fora do edifício, sem falar com vizinhos ou o porteiro, gente chata, implicante e barulhenta. A rua está apinhada de carros, mas com um pouco de paciência, desço a rampa do prédio.
Logo pego a avenida que me leva a empresa em que trabalho. Não se passam dez minutos e um vendedor de tamarindo irrompe a janela de um carro oferecendo seus frutos, o motorista, um tremendo imbecil por sinal, aproveita para demonstrar toda a sua estupidez, parando o trânsito sem o mínimo respeito para comigo e os outros atrás dele. Ouço buzinas atrás de mim, eu não buzino, sei que em Recife isso é puro desperdício. O vendedor tbm parece não se incomodar, apenas continua insistindo com a venda.
Por fim ele sai lentamente do lado do carro e passa pela frente do meu, tenho ganas de atropelá-lo, mas evito sujar o carro.
Quando passo ao lado dele que já está na calçada, puxo minha escopeta e descarrego um cartucho em sua cara de Filho de Puta, alguns buzinam concordando, outros olham assustados ou irritados com meu comportamento. Eu apenas continuo guiando, sei que este não vai mais atrapalhar o trânsito.
Por incrível que parece percorro mais 4km sem ninguém trancando o carro ou cortando pelo meio do trânsito.
Chego a Companhia, mostro minha identidade ao guarda, ainda limpando um pouco de sangue que respingou no punho direito da camisa...vou ter que lavar bem o carro esse fim de semana.
Eu pego minha pasta e entro no edifício, a recepcionista olha para mim e abaixa seu rosto logo em seguida, provavelmente lembrando o que lhe disse quinta passada. Pego o elevador vazio e vou ao quarto andar. O som de teclas não se ouvem no escritório, é uma pena, eu o achava reconfortante, um som que fazia o mundo girar, era pelo menos assim que eu pensava.
O silêncio é opressivo, mas isso era de se esperar, eu o contemplo todo dia. Cumprimento algumas pessoas, e entro em minha sala.
Minha secretária pisca por alguns segundos, eu a acesso e procuro saber as novidades.
Perdi uma conta, pena, vou preparar um e-bomb para eles. Minha ex-esposa me mandou outro mail, quer ainda saber como encontra a mim e minha filha. Como diabos ela burla meus filtros? Mando um e-bomb simples para ela e vejo o que há de novo na empresa...
Durante o resto da manhã as coisas ocorrem de maneira calma, trabalho em duas das contas e converso com 4 holos, todos muito prestativos e cuidadosos...
Hipócritas, uma chance e tentariam me matar ou me mandar um e-bomb para ocuparem meu cargo na empresa.
Ouço nas novidades, que peço a cada 15min, a explosão na empresa a qual mandei o e-bomb. O som é belo e retumbante. Me acalma um pouco, compensando o ex-vendedor chato.
Almoço no restaurante da companhia, onde os pratos são satisfatórios e o preço é quase justo. Sento com outros Demiurgos e conversamos um pouco sobre o que cada um anda fazendo.
Canso-me da conversa e deixo o prato pela metade. Lentamente vou ao caixa, pagar e fazer comentários sobre o almoço. Espero na fila, e quando chega a minha vez, um holo com a cara aborrecida me recebe. Ele não gostou da minha desistência a meia distância de terminar o prato, eu o mando a merda, e ele se irrita, aumentando o preço de meus almoços em 200%. Quebro o cristal do holo e saio de volta a minha sala, sob uma chuva de vaias, gritos e pedaços de comida. O elevador limpa minha roupa quando aperto a tecla do andar.
um tiro abala o escritório por alguns segundos após a porta do elevador abrir, me deixando desnorteado por alguns segundos. Verifico que o tiro não se dirigiu a mim, nem me atingiu, e sigo para minha sala, e garota que atirou chora um pouco, e limpa o sangue que respingou em sua roupa com delicadeza cuidadosa. O rapaz e ela estavam namorando a alguns dias, mas quem sabe o que se passa na cabeça dos jovens de hoje?
Falo com mais uns dois holos quando chego a minha sala, um deles me comunica o débito da destruição do holo dos restaurante. Eu nem quero pensar o quanto é, não importa, eles sempre descontam algo, pelo menos desta vez existe alguma razão.
Termino o trabalho e vou novamente pegar o elevador. Um casal bloqueia a porta e peço para saírem do caminho. Um dos rapazes me olha com raiva e me manda ir para aonde não quero, e resolvo puxar a faca e degolá-lo, consigo, mas seu amiguinho reage puxando uma pistola, uso minha pasta para bloquear e o tiro ricocheteia para ele que caí no chão morto. Ótimo, usar armas de fogo dentro da companhia é proibido.
Pego o carro e vou tentando achar um lugar no trânsito.
Um carro me tranca e bato nele, ouço a maquina interna se refazendo, o que não ocorre com o carro pobre de meu algoz, que tem de parar no acostamento, menos um idiota eu penso, pelo menos por alguns minutos.
Chegando em casa um vizinho me espera na porta, querendo um pouco de tempo, eu o convido para entrar e tomarmos café enquanto conversamos sobre isto. Ele me ofende, usa um verificador de venenos em sua bebida, irritado, alcanço o cutelo e abro em duas a sua garganta. Droga, tenho que limpar a sala antes que Narinha volte da aula.
Chamo o zelador que se livra do corpo com presteza, e limpo logo a sala.
Narinha chega, linda e inocente, jantamos e ela me conta o seu dia na escola. Eu amo minha filha. Leio até ela dormir e vou ler um pouco, mas me canso logo e desligo o livro.
É, mas um dia na Veneza brasileira chega ao fim.
Boa noite.