“Ponte desaba e mata 9”
Uma ponte na província de Hubei (Sul da China), desabou matando nove pessoas e deixando dezenas de feridos no último dia 19 de Julho...
Essa foi à notícia...
17 de Julho de 2002
Yu Shiang Shi, morador de Hubei, sai à noite às escondidas.
Não era a primeira escapada de Yu, e sua esposa, que nada tinha de
idiota, dessa vez preparou-se com antecedência para segui-lo.
Yu Xin Yobao, Filha de Kan Juso Tzen, não aparentava mais que vinte
e cinco anos. Como Shiang, trabalhava nos arrozais ou fábricas da região
quente e fértil. Sem o jeito delicado tão comum as atletas e
modelos chinesas, a imagem bem vendida para o ocidente, Xin podia carregar
um saco de arroz por sobre o ombro com a mesma facilidade que seu marido,
e permanecia até por mais tempo afundando seus pés na lama dos
arrozais.
Ela não acreditava que seu marido estivesse sendo infiel. Shiang a
traindo? Ridículo. Não apenas se conheciam desde crianças,
como sempre estavam por perto um do outro por tempo demais. Isso tornava suas
escapas noturnas ainda mais bizarras. Já havia um mês que ela
notara a ausência de seu esposo em sua cama, sempre há alta madrugada.
Há quanto tempo ele fazia isso? Ela não sabia, mas julgava ter
uma pista, e isso a arrepiava.
Três meses atrás, ela acordara de madrugada. Uma forte luz azul-esverdeada
invadia seu quarto vindo do lado de fora. O vulto de Shiang bloqueando parte
da janela e da luz, se recortava naquele clarão. Xin ficara paralisada,
assustada, e de sua boca não conseguia emitir o grito que ficou congelado
por horas em sua garganta. Ela desmaiou, acordando horas depois com uma gritaria
que percebeu ser sua, mas só após os vizinhos virem ver o que
era. Foi no médico, este lhe receitou calmantes, lhe convenceu que
foram apenas um sonho um, e Xin voltou para casa tranqüila não
pensando mais no caso.
Então, Shiang começou a sair de madrugada. No último
mês ela pensou seriamente se devia ou não falar com ele abertamente,
mas temia ofendê-lo, ou mesmo descobrir que este tinha um amante. Mas
notou que suas roupas não traziam o cheiro de sexo ou de outra mulher.
Ela então decidiu segui-lo, e fez preparativos.
17, 3:15
Xin entra em pequena abertura no solo, escondido por trás de um arbusto, logo abaixo da ponte que cruzava por sobre o rio que corta Hubei. Ela teve trabalho para achar onde Shiang desaparecera, mas estava determinada. O caminho era difícil, o túnel, estreito e baixo, mal podendo ela manter-se em pé. O ar dentro da fenda ficava cada vez mais quente, e após alguns minutos de caminhada e as vezes, de arrastar, ouviu o som de Shiang caindo no solo, caindo de um pequeno salto. Logo Xin chegou a abertura que ficava a meio metro do chão, e viu uma pequena claridade adiante.
17, 3:28
Andando rente a parede do amplo salão subterrâneo, Xin tentava
fazer qualquer sentindo do que via. Seu marido, junto a outros homens e mulheres
(alguns ela reconhecia de outras vilas próximas, ou mesmo de Hubei),
pareciam formar um círculo em volta de uma figura esculpida em rocha,
no centro do salão.
Com lábios e joelhos trêmulos, a agora pequena Xin, ouvia seu
marido, dentre tantos, entoar um cântico assombroso, em uma língua
que lhe trazia repulsa ao menor som...
Izhva Kan Mata Yat! Izhva Kan Atu Kama! Izhva Kan Mata Kilan!
...Pronunciavam com cada vez mais força, cada voz unindo-se as outras como um coro vindo do próprio Yomi. Xin não mais se escorava a parede. Derreteram-se suas pernas, e encontrava-se no chão, olhando para seu marido enquanto a urina quente escorria por suas pernas...
Kan Mata Yat! Kan Mata Yat! Izhva Taram Cthulhu! Izhva Taram Yhlee!
...A lágrimas escorriam dos olhos de Xin. A figura feita de rocha parecia agora fulgurar, voltava a vida algo naquela caverna que nunca deveria ter vivido. Seus vários olhos seguiam de cantor em cantor, de seguidora em seguidora. Suas bocas esguichavam ruídos contrários a concepção do que Xin conhecia como som. Seus membros pareciam ter vida própria e aparte do tronco tosco e em parafuso, ora parecendo uma profusão de braços e pernas em desalinho, ora parecendo tentáculos e mesmo línguas que provavam o mundo que lhe parecia ter sido negado desde o início dos tempos.
18, 1:14
O gosto de lágrimas, urina e lama, encontram-se e dançam nos últimos fragmentos de sanidade de Xin. A jovem levanta-se com dificuldade. Cai. Seu joelha abre-se em uma ferida, mas isso lhe serve como foco, e sua mente emerge vitoriosa, pelo menos por algum tempo, da experiência da noite passada. Assustada, Xin levanta-se novamente e procura pela saída.
18, 9:46
Xin deixa o trabalho no fábrica. Passou a manhã vomitando, tremendo.
Sua menstruação chegou vários dias mais cedo. Cambaleando,
volta para casa, onde achou seu marido dormindo, em uma cadeira da sala. Ele
acordou assim que ela se aproximou dele, mas seu olhar era mais de preocupação
que de espanto. Não conversaram. Ela a ajudou a tomar banho, e a colocou
na cama onde dormiram. Pelo menos ele dormiu.
Shiang permaneceu na fábrica, e não conversaram nada durante
a refeição matinal. Xin não pode tocar na comida. Não
pode nem olhar para ela. Às vezes caia no choro e balbuciava coisas
sem sentido. Queria falar tudo para Shiang, mas não conseguia. Seu
marido a acolhia num abraço forte, mas também nada falava.
Ela voltou só para casa. Suas pernas não pareciam às
pernas daquela mulher forte, trabalhadora incansável. Xin deitou-se
na cama, e logo adormeceu.
18, 10:29
Xin sonhou com o Yomi. O Yomi começava em Hubei. Mais precisamente,
em uma pequena caverna, escavada por mãos humanas quando o homem mal
aprendera a andar sobre duas patas.
Sonhou com aquela coisa. Aquilo que vivia em forma de rocha e em carne se
tornava quando desencantada por seu marido e outros...
18, 19:34
Determinada, recomposta, e meio alucinada, Xin saiu de sua casa para um das
fábricas. Quebrou o cadeado de um dos galpões, pegou explosivos,
e seguiu para a caverna. Se metade do que vira em seu sonho se realizasse,
melhor seria morrer ali, agora.
Lógico, ela não contava com Shiang, que desta vez a seguia na
semi-escuridão do início da noite, ou mais tarde, no negrume
das passagens do solo. Não contava com Shiang, que apesar de torcer
seu tornozelo ao segui-la, a apunhalara e batera sua cabeça contra
a rocha.
19, 15:20
Louca, meio morta, Xin rezou para seus ancestrais, pediu a eles forças,
chorou, e buscou em um pequeno alforge que trouxera, por fósforos para
que iluminasse a sua volta.
Ela ainda não estava perdida. Na verdade ela estava, mas não
seu mundo. Não o sorriso das crianças, se não de Hubei,
de vilas próximas. Mas estava perdido seu sorriso e de Shiang, juntos,
no trabalho, em casa, nos afazeres. Lembrava do arfar forte do marido quando
faziam armor, e chorava.
Arrastando-se, choirando, Xin conseguiu pegar a caixa de explosivos que Shiang
não fora capaz de levar com sua perna machucada. O rastro de sangue
fazia o cheiro de ferro juntar-se ao de pólvora. O ascender o fósforo
e do pavio pareciam sons imensos naquela escuridão. E a caverna então
se preencheu de luz e som.