A presença judia na Península Ibérica é de remotíssima memória, já se
referindo a ela o Concílio de Orleans, realizado no ano de 538, e o de
Toledo, em 633. Por essa época, os judeus ostentavam nomes e
sobrenomes hebraicos.
Mais tarde, com a ocupação mulçumana, a antroponímia judia também
assimilou essa influência, aparecendo nomes de sonoridade árabe, ao lado
dos puramente hebraicos e espanhóis.
Em 1492, os Reis Fernando e Isabel de Castela, conhecidos como Reis
Católicos, decretaram a expulsão dos judeus da Espanha. Em razão disso,
cerca de cento e vinte mil pessoas foram buscar refúgio em Portugal e,
nessa mudança, levaram consigo sobrenomes árabes, hebraicos e espanhóis,
além dos nomes de família representados por topônimos.
O crescimento da comunidade judaica em Portugal não agradou aos Reis
Católicos, que passaram a exercer pressão política sobre o rei português no
sentido de que este também expulsasse os semitas do território lusitano.
Em 1496, D. Manuel I decretou a expulsão dos judeus de Portugal,
oferecendo, contudo, a oportunidade de permanecerem no país, mediante
conversão ao catolicismo.
Essa conversão, através do batismo, exigia nomes cristãos e, via de regra,
o converso assumia nome e sobrenome tipicamente portugueses. Muitos
mantinham, reservadamente, seus nomes originais, pois grande parte das
conversões eram apenas de fachada, preservando a fé na lei mosaica na
intimidade da família.
Com o estabelecimento do Tribunal da Inquisição, em 1536, iniciou-se um
caçada aos cristão-novos. A bem da verdade, o escopo do Santo Ofício era
expungir da sociedade os "infectos de sangue" (árabes, negros, mulatos,
judeus, ciganos, etc) e os de conduta reprovável (feiticeiros, adúlteros,
sodômicos, etc). Ocorre que o comunidade judia era a de número mais
significativo e sempre associada, pelo anti-semitismo popular, à imagem de
assassinos de Cristo, passando, portanto, a sofrer maior perseguição.
Nas listas de processados pelo Santo Ofício, por serem judeus ou
cristão-novos, encontram-se milhares de nomes e sobrenomes
genuinamente portugueses, causando mesmo estranheza que nomes
hebraicos raramente sejam mencionados.
Analisando essas listas, nota-se que qualquer sobrenome português poderá
ter sido, em algum tempo ou lugar, usado por um judeu ou cristão-novo.
Não escaparam ao uso sobrenomes bem cristãos, tais como "dos Santos",
"de Jesus", "Santiago", etc. Certos sobrenomes, porém, aparecem com
maior freqüência, tais como "Mendes", "Pinheiro", "Cardoso", "Paredes",
"Costa", "Pereira", "Henriques", etc. O de maior incidência, no entanto, foi o "Rodrigues".
Alguns documentos ainda mantêm registrados os nome originais dos judeus
que, ao serem batizados, assumiram nomes tipicamente portugueses. Eis
alguns exemplos:
Nome Original Judeu -->
Nome Cristão Português
Abraão ...? -->
Gonçalo Dias
Abraão Gatel -->
Jerônimo Henriques
Benyamim Beneviste -->
Duarte Ramires de Leão
Eliézer Toledano -->
Manoel Toledano
Isaac Catalan -->
Rafael Dias
Isaac Tunes -->
Gabriel Velho
Icer ...? -->
Grácia Dias
Luna Abravanel -->
Leonor Fernandes
Salomão aben Haim -->
Luís Álvares
Salomão Coleiria -->
Gonçalo Rodrigues
Salomão Molcho -->
Diogo Pires
Samuel Samaia -->
Pero Francisco
Santo Fidalgo -->
Diogo Pires
...? Arame -->
Francisco Martins
...? Cabanas -->
Estevam Godinho
...? Cohen -->
Luis Mendes Caldeirão
...? Gatel -->
Francisco Pires
Costuma-se dizer que os judeus tomavam como sobrenomes nomes de
árvores e animais. Mas, a bem da verdade, esses sobrenomes já apareciam
na antroponímia portuguesa desde que se tornou usual a adoção de um
nome de família, não sendo, portanto, de ocorrência exclusiva entre os
hebreus.
O Brasil Colonial recebeu um grande contigente de imigrantes
portugueses. Estima-se que durante o ciclo do ouro cerca de 800 mil
pessoas fixaram-se em nosso país. Entre esses adventícios, certamente,
vieram os cristãos-novos. Nas listas dos Autos-de-fé da Inquisição,
mencionam-se centenas de processados nascidos no Brasil ou aqui
radicados. Contudo, identificar algum deles em pesquisas genealógicas
não constitui tarefa fácil.
Muitos judeus modernos, descendentes dos expulsos da Espanha e
Portugal, que hoje vivem principalmente na Holanda, Itália, E.U.A. e
Israel, preservam seus sobrenomes portugueses, às vezes com grafia já
deturpada.
Em resumo, em termos genealógicos, a incidência de determinado
sobrenome português, que tenha sido de freqüente uso entre judeus, por
si só não autoriza dizer que determinada família seja de origem judaica
ou cristã-nova. Por outro lado, nem os sobrenomes tipicamente cristãos
garantem que a família seja, usando a terminologia da época,
cristã-velha.
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