Clique e conheça | ![]() | ELVIRA SCHAUN FOEPPEL |
O escritor Cyro de Mattos telefona-me à noite (quarta-feira) para dar a notícia triste: faleceu no Rio de Janeiro, onde residia há muitos anos, uma ilheense admirada, a romancista, contista e cronista Elvira Foeppel: Eu a conheci aqui, quando vinha de Itabuna tomar a bênção ao nosso mestre de jornalismo Octávio Moura, no Diário da Tarde. Elvira, articulista do jornal, tornara-se leitura obrigatória. Quem assinava o diário, no interior, ou comprava-o em mãos do distribuidor, aguardava, com certa ansiedade, a chegada do jornal para ler a prosa da conterrânea.
Era professora, ganhava mal como quase todos os professores mas mantinha acesa aquela velha chama: o amor às letras. Nós, que alimentamos a chama, bem sabemos quanto é difícil mantê-la: qualquer brisa, por mais suave, apaga o brilho efêmero da inquieta vela. Muito lida, conhecedora dos bons textos em prosa e verso, amadurecida, Elvira destacava-se intelectualmente no seu meio. Uma mulher que sabia das coisas.
Sempre teve da literatura uma consciência exata, bem medida, sem exageros. Discreta, às vezes calada, sem atropelar, sem extrapolar o seu valor, não precisou instalar escritório de representação da Glória. Talvez ela pressentisse, na sua sabedoria, que a glória literária tem o tecido incons�til dos sonhos e pode dissolver-se com mais facilidade que as n�voas da manh�.
Vejam o caso de Franz Kafka: se Max Brod, seu testamenteiro, n�o lhe desobedecesse a �ltima vontade, o s�culo vinte (e, acredito, os s�culos futuros) se privariam da sua leitura. A humanidade, sem Kafka, seria mais pobre. Pedro Kilkerry e Sous�ndrade vieram � tona gra�as a penosas escava��es de cr�ticos e ensa�stas. Mestre Graciliano Ramos surgiu por acaso, quando Augusto Frederico Schmidt, lendo um relat�rio dele, como prefeito de Palmeira dos �ndios, Alagoas, imaginou que tivesse (e tinha mesmo) um romance na gaveta.
Os exemplos seriam muitos. Fiquemos nestes. Quero com eles sugerir que o talento, por maior que este seja, n�o basta a um escritor. Ele tamb�m � fruto da sorte. Precisa, al�m disso, situar-se, por vontade pr�pria ou pelas circunst�ncias, numa esquina estrat�gica da hist�ria. O nosso querido Jorge Amado brotou em plena conjun��o do chamado Romance de 30, com Jos� Am�rico de Almeida (A Bagaceira), Rachel de Queiroz (O Quinze), Jos� Lins do Rego (Menino de Engenho).
H� um esp�rito de �poca que � preciso captar. Uns escritores, avessos por temperamento a certos truques, agarram-se aos seus princ�pios est�ticos e com isso perdem espa�o. Outros fazem a literatura policial ou recorrem � magia, pratos feitos para paladares menos exigentes.
Era fino o paladar da nossa Elvira Foeppel. Teve ela a falta de sorte de empreender na sua prosa uma alquimia posterior � de Clarice Lispector. Esta se estreou em 1944, com Perto do Cora��o Selvagem. Prosa densa, de teor po�tico filtrado com esmero, prosa aleg�rica que abriu possibilidades de express�o nova na novel�stica nacional. Tamb�m antes de Elvira, em 1946, surgiu Jo�o Guimar�es Rosa com a convuls�o sem�ntica de Sagarana. E, antecedendo-os, em 1935, Corn�lio Penna anunciaria o penumbrismo com o romance Fronteira.
Se Elvira Foeppel, t�o renovadora quanto Clarice, tivesse escrito na mesma �poca, e n�o exercitasse a sua ang�stia criadora em Ilh�us, mas na fermenta��o liter�ria do Rio de Janeiro, seria hoje uma pioneira, reconhecida, aclamada. As circunst�ncias lhe foram adversas. Morreu esquecida (literariamente), depois de cuidar longos anos do pai enfermo e sofrer algumas isquemias, uma das quais lhe selou os l�bios e lhe imobilizou a pena.
Na antiga Capital federal, para onde fui em 1953, rivei um pouco com Elvira no escrit�rio da revista Legisla��o Federal, onde ela era secret�ria, na Rua M�xico. Emprego subalterno. A mod�stia e o sil�ncio da contista de C�rculo do Medo e da romancista de Muro Frio conspiravam contra o seu poss�vel Pante�o. E por ironia dos fados, n�o seriam as letras a dar-lhe nomeada, mas um acontecimento policial transcorrido � porta do Edif�cio de A Noite e fartamente noticiado, do qual ela fora testemunha for�ada.
Nossa gera��o est� atingida com a morte de Elvira Foeppel, aos 75 anos. Com ela, vai um pouco do nosso sonho. Fa�o votos para que um �mulo dos irm�os Campos a descubra e lhe d� o merecido lugar ao sol. Elvira Foeppel foi uma forte personalidade de Ilh�us, e se a vida lhe negou homenagens, � de esperar-se que venham postumamente. Quem sabe um vereador de Ilh�us n�o a indica para nome de rua ou de pra�a ou de escola? E para os que desejariam agora record�-la, recomendo a cr�nica Ilh�us - Sol Absoluto e Beleza, � p�gina 51 da recente antologia Ilh�us de Poetas e Prosadores, organizada por Cyro de Mattos.
H�lio P�lvora � escritor
S� ent�o Raimundo Schaun, escritor, primo e amigo de longos anos em que morou no Rio de Janeiro, soube da morte de Elvira Schaun Foeppel.
Com "Ch�o de Poesia", pequeno volume de mem�rias curtas, faz sua estr�ia em 1956. "C�rculo do Medo", contos, 1960, � saudado pela cr�tica como textos inovadores e de antecipa��o. Assim como ocorreria com os escritores Jo�o Guimar�es Rosa e Clarice Lispector, os procedimentos mais avan�ados de renova��o formal em nossa fic��o, Elvira Foeppel vai introduzir elementos de vanguarda na estrutura e linguagem do conto. "Muro Frio", romance, tem lugar assegurado em nossa literatura de renova��o esteticista, numa �poca em que a nossa fic��o ainda n�o era plena de procedimentos mansfieldianos, proustianos, saroyanianos, joycianos e faulknerianos. Impressiona vivamente pela linguagem po�tica, que se toma, na atmosfera do livro, instrumento de mergulho existencial feito pela ficcionista no trajeto vivido por suas criaturas. Participa de v�rias antologias do conto no Brasil, tendo os seguintes livros in�ditos: "Experimentos de Arroz", contos, "�ntimos da Morte", romance, e "Mem�ria Nua", novela.
Nasceu em Ilh�us, em 1923, onde exerceu o magist�rio prim�rio, residindo h� muitos anos no Rio de Janeiro.
Cyro de Mattos � escritor
Cyro de Mattos, o poeta cronista destas terras do cacau, oferece a Ilh�us, como num feed-back, esta bela antologia de poetas e prosadores. Na verdade, poetas todos escolhidos, qualquer que seja a forma privilegiada para a express�o liter�ria.
Cyro de Mattos, com a mesma sabedoria e sensibilidade de escritor, escolhe magn�ficos textos de autores da regi�o e que t�m Ilh�us como o tema sempre recorrente. Todos falam de Ilh�us, dizem da sua hist�ria, recontam as suas hist�rias, recordam dores, feridas e acordam saudades. Cyro tem a mestria de escolher p�ginas que inscrevem a beleza desta cidade mergulhada em azul e ouro, que evocam a sua for�a �pica, tel�rica, que desenham figuras folcl�ricas ou personagens de inesquec�vel densidade humana ou, ainda, importante relevo hist�rico.
Dos renomados aos jovens autores, todos t�m em comum a paix�o por Ilh�us. E essa paix�o explode em versos preciosos e imag�tica luxuriante, como em Sos�genes Costa ou em hist�rias simples, narradas num discurso coloquial e comunicativo, como o grande Jorge Amado e o emergente Ruy P�voas. Paix�o que tamb�m se revela na met�fora er�tica de Elvira Foeppel, nas imagens l�dicas de Florisvaldo Mattos.
"Todos cantam sua terra,
tamb�m vou cantar a minha.
Nas cordas da minha lira,
hei de faz�-la rainha."
Essa quadra antol�gica parece estar no cerne de cada palavra, de cada letra dos autores selecionados. Parece estar no mais rec�ndito de suas almas. Da mem�ria de cada um, emerge o passado: revisitado, recriado, vestido pela fantasia e pelo imagin�rio, mas falando da profundidade da vida de uma cidade que se faz junto ao mar, que cresce � sombra densa e �mida dos cacauais. De alguns, o olho � cr�tico, cortante; em outros, o tom � nost�lgico, um lamento triste, alguns revivem lances tr�gicos, �s vezes camuflados de amarga ironia. Temas como a loucura, o sem sentido das coisas afloram. A riqueza, a ambi��o, a �nsia de poder que marcaram a hist�ria de Ilh�us ali est�o, assim como o esplendor da natureza, pujante e esplendorosa.
Enfim, Cyro de Mattos traz para o leitor desta antologia a grandiosidade dos altos gestos e a grandiosidade dos simples, tal qual conseguem captar a sensibilidade e a paix�o desses poetas prosadores.
Eis uma declara��o de amor a Ilh�us. Eis o desejo de imortalizar essa cidade encravada entre o rio e o mar. J� disse a grande Cec�lia Meireles:
"Tem sangue eterno a asa ritmada..."
Margarida Cordeiro Fahel � Professora Titular de Literatura Brasileira
da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC - Itabuna/Ilh�us
Se em "CH�O E POESIA", era apenas uma narradora de jardins interiores, de estados de alma, neste "CIRCULO DO M�DO", Elvira Foeppel entra pelo largo mundo da cria��o de personagens, para nos dar, de fato, duas ou tr�s figuras quase de carne e osso, como, por exemplo no conto: "Afinal l� estava ela". N�o seria exag�ro dizer que �sse conto � dos melhores j� escritos por m�os femininas nos �ltimos tempos e numa terra que tem Clarice Lispector e Raquel de Queiroz.
Jos� C�ndido de Carvalho (1914-1989) � Leitura
Jos� C�ndido de Carvalho era jornalista, contista e romancista.
Ocupou a cadeira de n�31 da Academia Brasileira de Letras a partir de 1974.
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Destarte, n�o seria absurdo terminar por qualificar de po�tica na exata e completa significa��o do t�rmo, a prosa de Elvira Foeppel, Cada uma das suas narrativas � constru��o, poema, literatura, na leg�tima acep��o da palavra. Cada uma das suas hist�rias vale por um exemplo de artesanato liter�rio, por sinal de antecipa��o da nossa emancipa��o liter�ria, no terreno da linguagem.
Raul S. Xavier � Anu�rio da Literatura Brasileira � 1961
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Assim volta Elvira Foeppel, ficcionista j� bastante conhecida atrav�s de trabalhos publicados em suplementos liter�rios e de um pequeno livro anterior, CH�O E POESIA, sa�do em 1956, com um magn�fico livro de contos C�RCULO DO M�DO, onde encontramos coisas como "o fio met�lico do �dio", uma exata obra prima, onde uma pureza de sugest�es se re�ne a um poder de linguagem antes raramente atingido por qualquer escritor brasileiro. Mas o conto n�o est� isolado no volume, todo �le um reposit�rio leg�timo de pe�as de fic��o sem didatismo, sem informa��es, sem devaneios. N�o h� o enfileiramento de casinhos e lembran�as, mas um admir�vel trabalho de recria��o.
Jos� Edson Gomes � Di�rio Carioca
Esta p�gina � minha homenagem �quela que me apresentou Ray Charles e me deixava curioso, aos doze anos, por seus olhos muito vivos e misteriosos que acompanhavam sua conversa inteligente. H� coisas que a gente nunca esquece...
Salvador, 23 de agosto de 1998 - Armando Schaun atualizada em 02.03.2002.