Clique e conheça    ELVIRA SCHAUN FOEPPEL

Crônica da Capitania - Hélio Pólvora, publicada no jornal A Região, Ilhéus/Bahia, 03.08.1998

O escritor Cyro de Mattos telefona-me à noite (quarta-feira) para dar a notícia triste: faleceu no Rio de Janeiro, onde residia há muitos anos, uma ilheense admirada, a romancista, contista e cronista Elvira Foeppel: Eu a conheci aqui, quando vinha de Itabuna tomar a bênção ao nosso mestre de jornalismo Octávio Moura, no Diário da Tarde. Elvira, articulista do jornal, tornara-se leitura obrigatória. Quem assinava o diário, no interior, ou comprava-o em mãos do distribuidor, aguardava, com certa ansiedade, a chegada do jornal para ler a prosa da conterrânea.

Era professora, ganhava mal como quase todos os professores mas mantinha acesa aquela velha chama: o amor às letras. Nós, que alimentamos a chama, bem sabemos quanto é difícil mantê-la: qualquer brisa, por mais suave, apaga o brilho efêmero da inquieta vela. Muito lida, conhecedora dos bons textos em prosa e verso, amadurecida, Elvira destacava-se intelectualmente no seu meio. Uma mulher que sabia das coisas.

Sempre teve da literatura uma consciência exata, bem medida, sem exageros. Discreta, às vezes calada, sem atropelar, sem extrapolar o seu valor, não precisou instalar escritório de representação da Glória. Talvez ela pressentisse, na sua sabedoria, que a glória literária tem o tecido incons�til dos sonhos e pode dissolver-se com mais facilidade que as n�voas da manh�.

Vejam o caso de Franz Kafka: se Max Brod, seu testamenteiro, n�o lhe desobedecesse a �ltima vontade, o s�culo vinte (e, acredito, os s�culos futuros) se privariam da sua leitura. A humanidade, sem Kafka, seria mais pobre. Pedro Kilkerry e Sous�ndrade vieram � tona gra�as a penosas escava��es de cr�ticos e ensa�stas. Mestre Graciliano Ramos surgiu por acaso, quando Augusto Frederico Schmidt, lendo um relat�rio dele, como prefeito de Palmeira dos �ndios, Alagoas, imaginou que tivesse (e tinha mesmo) um romance na gaveta.

Os exemplos seriam muitos. Fiquemos nestes. Quero com eles sugerir que o talento, por maior que este seja, n�o basta a um escritor. Ele tamb�m � fruto da sorte. Precisa, al�m disso, situar-se, por vontade pr�pria ou pelas circunst�ncias, numa esquina estrat�gica da hist�ria. O nosso querido Jorge Amado brotou em plena conjun��o do chamado Romance de 30, com Jos� Am�rico de Almeida (A Bagaceira), Rachel de Queiroz (O Quinze), Jos� Lins do Rego (Menino de Engenho).

H� um esp�rito de �poca que � preciso captar. Uns escritores, avessos por temperamento a certos truques, agarram-se aos seus princ�pios est�ticos e com isso perdem espa�o. Outros fazem a literatura policial ou recorrem � magia, pratos feitos para paladares menos exigentes.

Era fino o paladar da nossa Elvira Foeppel. Teve ela a falta de sorte de empreender na sua prosa uma alquimia posterior � de Clarice Lispector. Esta se estreou em 1944, com Perto do Cora��o Selvagem. Prosa densa, de teor po�tico filtrado com esmero, prosa aleg�rica que abriu possibilidades de express�o nova na novel�stica nacional. Tamb�m antes de Elvira, em 1946, surgiu Jo�o Guimar�es Rosa com a convuls�o sem�ntica de Sagarana. E, antecedendo-os, em 1935, Corn�lio Penna anunciaria o penumbrismo com o romance Fronteira.

Se Elvira Foeppel, t�o renovadora quanto Clarice, tivesse escrito na mesma �poca, e n�o exercitasse a sua ang�stia criadora em Ilh�us, mas na fermenta��o liter�ria do Rio de Janeiro, seria hoje uma pioneira, reconhecida, aclamada. As circunst�ncias lhe foram adversas. Morreu esquecida (literariamente), depois de cuidar longos anos do pai enfermo e sofrer algumas isquemias, uma das quais lhe selou os l�bios e lhe imobilizou a pena.

Na antiga Capital federal, para onde fui em 1953, rivei um pouco com Elvira no escrit�rio da revista Legisla��o Federal, onde ela era secret�ria, na Rua M�xico. Emprego subalterno. A mod�stia e o sil�ncio da contista de C�rculo do Medo e da romancista de Muro Frio conspiravam contra o seu poss�vel Pante�o. E por ironia dos fados, n�o seriam as letras a dar-lhe nomeada, mas um acontecimento policial transcorrido � porta do Edif�cio de A Noite e fartamente noticiado, do qual ela fora testemunha for�ada.

Nossa gera��o est� atingida com a morte de Elvira Foeppel, aos 75 anos. Com ela, vai um pouco do nosso sonho. Fa�o votos para que um �mulo dos irm�os Campos a descubra e lhe d� o merecido lugar ao sol. Elvira Foeppel foi uma forte personalidade de Ilh�us, e se a vida lhe negou homenagens, � de esperar-se que venham postumamente. Quem sabe um vereador de Ilh�us n�o a indica para nome de rua ou de pra�a ou de escola? E para os que desejariam agora record�-la, recomendo a cr�nica Ilh�us - Sol Absoluto e Beleza, � p�gina 51 da recente antologia Ilh�us de Poetas e Prosadores, organizada por Cyro de Mattos.

H�lio P�lvora � escritor

O texto acima tamb�m foi publicado pelo jornal A TARDE no Caderno 4 (A TARDE Cultural) sob o t�tulo Um pouco de sonho se vai
Salvador/Bahia, 05.09.1998

S� ent�o Raimundo Schaun, escritor, primo e amigo de longos anos em que morou no Rio de Janeiro, soube da morte de Elvira Schaun Foeppel.

Nota de Cyro de Mattos instroduzindo os dois trabalhos de Elvira Foeppel
na antologia Ilh�us de Poetas e Prosadores organizada por ele
e editada pela Funda��o Cultural do Estado da Bahia, 1998

Com "Ch�o de Poesia", pequeno volume de mem�rias curtas, faz sua estr�ia em 1956. "C�rculo do Medo", contos, 1960, � saudado pela cr�tica como textos inovadores e de antecipa��o. Assim como ocorreria com os escritores Jo�o Guimar�es Rosa e Clarice Lispector, os procedimentos mais avan�ados de renova��o formal em nossa fic��o, Elvira Foeppel vai introduzir elementos de vanguarda na estrutura e linguagem do conto. "Muro Frio", romance, tem lugar assegurado em nossa literatura de renova��o esteticista, numa �poca em que a nossa fic��o ainda n�o era plena de procedimentos mansfieldianos, proustianos, saroyanianos, joycianos e faulknerianos. Impressiona vivamente pela linguagem po�tica, que se toma, na atmosfera do livro, instrumento de mergulho existencial feito pela ficcionista no trajeto vivido por suas criaturas. Participa de v�rias antologias do conto no Brasil, tendo os seguintes livros in�ditos: "Experimentos de Arroz", contos, "�ntimos da Morte", romance, e "Mem�ria Nua", novela.

Nasceu em Ilh�us, em 1923, onde exerceu o magist�rio prim�rio, residindo h� muitos anos no Rio de Janeiro.

Cyro de Mattos � escritor

Ilh�us Revisitada
Coment�rio de Margarida Cordeiro Fahel nas orelhas
da antologia Ilh�us de Poetas e Prosadores organizada por Cyro de Mattos
e editada pela Funda��o Cultural do Estado da Bahia, 1998

Cyro de Mattos, o poeta cronista destas terras do cacau, oferece a Ilh�us, como num feed-back, esta bela antologia de poetas e prosadores. Na verdade, poetas todos escolhidos, qualquer que seja a forma privilegiada para a express�o liter�ria.

Cyro de Mattos, com a mesma sabedoria e sensibilidade de escritor, escolhe magn�ficos textos de autores da regi�o e que t�m Ilh�us como o tema sempre recorrente. Todos falam de Ilh�us, dizem da sua hist�ria, recontam as suas hist�rias, recordam dores, feridas e acordam saudades. Cyro tem a mestria de escolher p�ginas que inscrevem a beleza desta cidade mergulhada em azul e ouro, que evocam a sua for�a �pica, tel�rica, que desenham figuras folcl�ricas ou personagens de inesquec�vel densidade humana ou, ainda, importante relevo hist�rico.

Dos renomados aos jovens autores, todos t�m em comum a paix�o por Ilh�us. E essa paix�o explode em versos preciosos e imag�tica luxuriante, como em Sos�genes Costa ou em hist�rias simples, narradas num discurso coloquial e comunicativo, como o grande Jorge Amado e o emergente Ruy P�voas. Paix�o que tamb�m se revela na met�fora er�tica de Elvira Foeppel, nas imagens l�dicas de Florisvaldo Mattos.

"Todos cantam sua terra,
tamb�m vou cantar a minha.
Nas cordas da minha lira,
hei de faz�-la rainha."

Essa quadra antol�gica parece estar no cerne de cada palavra, de cada letra dos autores selecionados. Parece estar no mais rec�ndito de suas almas. Da mem�ria de cada um, emerge o passado: revisitado, recriado, vestido pela fantasia e pelo imagin�rio, mas falando da profundidade da vida de uma cidade que se faz junto ao mar, que cresce � sombra densa e �mida dos cacauais. De alguns, o olho � cr�tico, cortante; em outros, o tom � nost�lgico, um lamento triste, alguns revivem lances tr�gicos, �s vezes camuflados de amarga ironia. Temas como a loucura, o sem sentido das coisas afloram. A riqueza, a ambi��o, a �nsia de poder que marcaram a hist�ria de Ilh�us ali est�o, assim como o esplendor da natureza, pujante e esplendorosa.

Enfim, Cyro de Mattos traz para o leitor desta antologia a grandiosidade dos altos gestos e a grandiosidade dos simples, tal qual conseguem captar a sensibilidade e a paix�o desses poetas prosadores.

Eis uma declara��o de amor a Ilh�us. Eis o desejo de imortalizar essa cidade encravada entre o rio e o mar. J� disse a grande Cec�lia Meireles:

"Tem sangue eterno a asa ritmada..."

Margarida Cordeiro Fahel � Professora Titular de Literatura Brasileira
da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC - Itabuna/Ilh�us

Opini�es da cr�tica sobre C�RCULO DO M�DO, livro de contos de Elvira Foeppel
Extra�das das orelhas de seu romance MURO FRIO (respeitada a ortografia original)

Se em "CH�O E POESIA", era apenas uma narradora de jardins interiores, de estados de alma, neste "CIRCULO DO M�DO", Elvira Foeppel entra pelo largo mundo da cria��o de personagens, para nos dar, de fato, duas ou tr�s figuras quase de carne e osso, como, por exemplo no conto: "Afinal l� estava ela". N�o seria exag�ro dizer que �sse conto � dos melhores j� escritos por m�os femininas nos �ltimos tempos e numa terra que tem Clarice Lispector e Raquel de Queiroz.

Jos� C�ndido de Carvalho (1914-1989) � Leitura
Jos� C�ndido de Carvalho era jornalista, contista e romancista.
Ocupou a cadeira de n�31 da Academia Brasileira de Letras a partir de 1974.

Destarte, n�o seria absurdo terminar por qualificar de po�tica na exata e completa significa��o do t�rmo, a prosa de Elvira Foeppel, Cada uma das suas narrativas � constru��o, poema, literatura, na leg�tima acep��o da palavra. Cada uma das suas hist�rias vale por um exemplo de artesanato liter�rio, por sinal de antecipa��o da nossa emancipa��o liter�ria, no terreno da linguagem.

Raul S. Xavier � Anu�rio da Literatura Brasileira � 1961

Assim volta Elvira Foeppel, ficcionista j� bastante conhecida atrav�s de trabalhos publicados em suplementos liter�rios e de um pequeno livro anterior, CH�O E POESIA, sa�do em 1956, com um magn�fico livro de contos C�RCULO DO M�DO, onde encontramos coisas como "o fio met�lico do �dio", uma exata obra prima, onde uma pureza de sugest�es se re�ne a um poder de linguagem antes raramente atingido por qualquer escritor brasileiro. Mas o conto n�o est� isolado no volume, todo �le um reposit�rio leg�timo de pe�as de fic��o sem didatismo, sem informa��es, sem devaneios. N�o h� o enfileiramento de casinhos e lembran�as, mas um admir�vel trabalho de recria��o.

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� o mundo da autora que se delineia, depois se constr�i. Os personagens, suas a��es e ambiente, abandonam as palavras e se individualizam. E apenas os grandes ficcionistas s�o capazes de dar esta autonomia a seus personagens, constru�-los em rel�vo, n�o s�bre a realidade, mas numa nova realidade.

Jos� Edson Gomes � Di�rio Carioca


Esta p�gina � minha homenagem �quela que me apresentou Ray Charles e me deixava curioso, aos doze anos, por seus olhos muito vivos e misteriosos que acompanhavam sua conversa inteligente. H� coisas que a gente nunca esquece...

Salvador, 23 de agosto de 1998 - Armando Schaun atualizada em 02.03.2002.