QUANDO
COMEÇA UM SER HUMANO?
(PERGUNTE E
RESPONDEREMOS, fevereiro de 1997, n. 417, pág. 83)
Em síntese: O prof. Jérôme Lejeune, geneticista francês,
consultado pelo Senado norte-americano a respeito do ponto inicial da existência
do indivíduo humano, elaborou um relatório cujo texto vai abaixo
transcrito em tradução portuguesa. Declara que, desde o momento da fecundação
do óvulo pelo espermatozóide, há toda a informação genética necessária
e suficiente para formar um indivíduo novo. Basta deixar que se desenvolva
nas condições exigidas pela natureza para que se percebam todos os sinais
característicos do ser humano; em conseqüência, não se pode,
cientificamente falando, duvidar de que logo após a concepção existe uma
pessoa em formação.
Aos 6/10/96 a imprensa publicou uma notícia relativa ao início da vida
humana que merece comentários, pois, em última instância, visa a legitimar o
aborto. — Eis o texto como o JORNAL DO BRASIL o transmitiu:
"Incertezas científicas sobre o início da vida
Católicas pelo Direito de Decidir é o nome de um grupo que vem
tentando colocar em debate a questão do aborto no Brasil. Sua coordenadora, a
socióloga Maria José Rosado Nunes, integra a Comissão de Cidadania e Reprodução
(da qual o presidente Fernando Henrique Cardoso é membro licenciado) e conhece
a fundo a história do pensamento da Igreja em relação ao assunto. Ela lembra
que só em 1869, com o Papa Pio IX, o aborto passou a ser considerado pecado em
qualquer situação e em qualquer momento de sua realização. Textos de
pensadores católicos admitem, por outro lado, a incerteza científica sobre o
início da vida, com argumentos no campo da biologia e da genética realçando a
complexidade da questão. Um óvulo fecundado (zigoto) tem vida, por exemplo,
mas não se constitui numa vida humana, tanto que 75% dos zigotos são expelidos
naturalmente do organismo".
A este propósito pode-se observar que a notícia referente ao Papa Pio IX
não é exata. Desde o seu primeiro Catecismo (a Didaqué), datado do fim do século
I, a Igreja condenou o aborto sem restrições; mesmo a incerteza quanto ao início
da vida humana não foi argumento para legitimar o aborto em alguma situação.
Ver PR 413/1996, p. 451-458.
No tocante ao início da vida humana, o famoso geneticista Dr. Jérôme
Lejeune, parece ter dito a última palavra, hoje geralmente aceita pelos médicos:
desde a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, existe um novo ser humano,
com o seu princípio vital próprio e todas as informações que caracterizam
uma autêntica pessoa humana. É o que se pode ler no depoimento do Dr. Lejeune
que abaixo vai transcrito.
1. O PANO DE FUNDO
Logo no início do primeiro mandato do presidente Ronald Reagan,
instaurou-se nos Estados Unidos da América ardente polêmica a respeito do
aborto: estava comprovado que naquele país uma criança sobre três era
eliminada antes de nascer. O Senado norte-americano, impressionado pela problemática,
pôs-se a considerá-la com seriedade. E, a fim de tomar posição, procurou
informações dos cientistas a respeito do momento em que o concepto pode ser
considerado autêntico indivíduo humano, pois tal questão é decisiva para se
definirem os direitos da criança. Em vista de uma resposta, foi consultado,
entre outros, o prof. Jérôme Lejeune, francês; os títulos e méritos deste
mestre e sua posição se acham expostos no texto que transcrevemos a seguir e
que corresponde ao relatório apresentado à Comissão Senatorial encarregada do
inquérito, aos 23 de abril de 1981. O próprio autor deu a seu trabalho o título
de TESTEMUNHO.
2. O TESTEMUNHO DO DR. JÉRÔME LEJEUNE
"Meu nome é Jérôme Lejeune. Doutor em Medicina e Doutor em Ciências,
sou responsável pela Clínica e pelo Laboratório de Genética do Hospital de
Pediatria destinado aos pacientes feridos por debilidade mental. Após ter
pesquisado em tempo integral durante dez anos, tornei-me professor de Genética
Fundamental na Universidade René Descartes.
Há cerca de 23 anos descrevi a primeira doença cromossômica em nossa
espécie, devida ao cromossomo 21 extra-numerário, típico do mongolismo. Em
conseqüência, tive a honra de receber o Prêmio Kennedy das mãos do falecido
presidente e a William Allen Memorial Medal da Sociedade Americana de Genética
Humana. Sou membro da American Academy of Arts and Sciences.
Com meus colegas do Instituto de Genética de Paris, nos dedicamos à
descrição das etapas fundamentais da hereditariedade humana. Pelo estudo
comparativo de numerosas espécies de mamíferos, inclusive os símios antropóides,
estudamos as variações cromossômicas registradas no decorrer da evolução.
Na espécie humana, analisamos mais precisamente os efeitos desfavoráveis de
certas aberrações cromossômicas.
Nestes anos demonstramos pela primeira vez que uma doença cromossômica
pode ser combatida por um tratamento adequado... Mostramos que um tratamento químico
pode curar a lesão cromossômica em culturas de tecidos. Mais: uma dosagem
apropriada de produtos químicos (monocarbonatos e suas moléculas vetoras)
melhora simultaneamente o comportamento e as atividades mentais das crianças
afetadas. Assim a pesquisa meticulosa realizada sobre certos mecanismos da vida
pode levar a uma proteção direta de vidas humanas em perigo.
Quando
começa um ser humano?
Desejo trazer a esta questão a resposta mais exata que a ciência pode
atualmente fornecer. A biologia moderna ensina que os ancestrais são unidos aos
seus descendentes por um liame material contínuo, pois é da fertilização da
célula feminina (o óvulo) pela célula masculina (o espermatozóide) que
emerge um novo indivíduo da espécie humana.
A vida tem uma longa história, mas cada indivíduo tem o seu início
muito preciso, o momento de sua concepção.
O liame material é o filamento molecular do ADN. Em cada célula
reprodutora, essa fita, de um metro de comprimento aproximadamente, é cortada
em segmentos (23, na nossa espécie). Cada segmento é cuidadosamente enrolado e
empacotado (como uma fita magnética em minicassete), tanto que no microscópio
aparece como um bastonete: um cromossomo.
Desde que os 23 cromossomos do pai se juntam aos 23 cromossomos da mãe,
está coletada toda a informação genética necessária e suficiente para
exprimir todas as características inatas do novo indivíduo. Isto se dá à
semelhança de uma minicassete introduzida num gravador; sabe-se que produz uma
sinfonia. Assim também o novo ser começa a se exprimir logo que foi concebido.
As ciências da natureza e as ciências jurídicas falam a mesma
linguagem. A respeito de um indivíduo que goza de boa saúde, o biólogo diz
que tem boa constituição; a respeito de uma sociedade que se desenvolve
harmoniosamente para o bem de todos os seus membros, o legislador afirma que ela
tem uma Constituição equilibrada.
Um legislador não consegue entender uma lei particular antes que todos os
seus termos tenham sido clara e plenamente definidos. Mas, quando toda essa
informação lhe é oferecida e a lei foi votada, ele pode ajudar a definir os
termos da Constituição.
Como trabalha a natureza?
Trabalha de modo análogo. Os cromossomos são as tábuas da lei da vida;
quando eles são reunidos no novo indivíduo (a votação da lei é figura da
fecundação do óvulo pelo esperma), eles descrevem inteiramente a Constituição
dessa nova pessoa.
É surpreendente a miniaturização da escrita. É difícil crer, embora
esteja acima de qualquer dúvida, que toda a informação genética, necessária
e suficiente para construir nosso corpo e até nosso cérebro (o mais poderoso
engenho para resolver problemas, capaz até de analisar as leis do universo),
possa ser resumida a tal ponto que seu substrato material possa subsistir na
ponta de uma agulha!
Mais impressionante ainda é a complexa soma de informação genética por
ocasião do amadurecimento das células reprodutoras, a tal ponto que cada
concepto recebe uma combinação inteiramente original, que nunca se produziu
antes e que não se reproduzirá tal qual no futuro. Cada concepto é único e,
portanto, insubstituível. Os gêmeos idênticos e os hermafroditos verdadeiros
são exceções à regra: cada ser humano é uma combinação genética. E
notemos que as exceções devem ocorrer no momento da concepção. Acidentes
posteriores não levam a um desenvolvimento harmonioso.
Todos esses fatos são conhecidos há muito tempo; todos os cientistas já
outrora estariam de acordo em dizer que, se existissem bebês de provetas, eles
evidenciariam a autonomia do concepto; a proveta não possuiria nenhum título
de propriedade sobre eles. Ora os bebês de proveta já existem.
Experiências
recentes
Quantas células são necessárias para a construção de um indivíduo?
— A resposta nos é dada por experiências recentes.
Se conceptos precoces de camundongos são tratados com enzimas, as suas células
se desagregam. Se, porém, misturarmos tais suspensões celulares provenientes
de embriões diferentes, veremos que as células voltam a se reunir. O número máximo
de células que operam para a elaboração de um indivíduo, é três.
O ovo fecundado normalmente divide-se em duas células: uma delas se
divide imediatamente de novo. Assim se forma o número ímpar e surpreendente de
três células, encapsuladas em seu invólucro protetor.
Segundo os nossos mais adiantados conhecimentos, a individuação (ou a
formação de três células fundamentais) é a primeira etapa após a concepção,
à qual se segue dentro de poucos minutos.
Tudo isto explica por que os doutores Edwards e Steptoe puderam ser
testemunhas de fecundação, em proveta, de um óvulo da Sra. Brown por um
espermatozóide do Sr. Brown. O minúsculo concepto que eles implantaram alguns
dias mais tarde no útero da Sra. Brown, não podia ser nem um tumor, nem um
animal. Era, na verdade, a extremamente jovem Luísa Brown, que tem hoje a idade
de três anos.
A viabilidade do concepto é extraordinária. Por experiência, sabemos
que um concepto de camundongo pode ser congelado ao frio intenso (até de 29
graus) e, depois de reaquecimento delicado, ser implantado com êxito. Para que
haja o ulterior crescimento, requer-se necessariamente a acolhida numa mucosa
uterina que forneça a alimentação apropriada à placenta embrionária. No
interior da sua cápsula vital, que é a bolsa amniótica, o novo indivíduo é
tão viável quanto um astronauta dentro do seu escafandro sobre a Lua: o
abastecimento de fluidos vitais deve ser fornecido pelo organismo da mãe. Esta
alimentação é indispensável à sobrevivência, mas ela não "faz"
a criança; da mesma forma nem a nave espacial mais aperfeiçoada pode produzir
um astronauta. Esta comparação ainda é mais significativa quando o feto se
mexe. Graças a uma aparelhagem ultra-sônica muito requintada, o professor Ian
Donald, da Inglaterra, conseguiu produzir no ano passado um filme que mostra a
mais jovem "estrela" do mundo, ou seja, um bebê de onze semanas a dançar
no útero materno. O bebê, pode-se dizer, brinca no trampolim! Dobra os
joelhos, apoia-se sobre a parede, levanta-se e recai. Visto que o seu corpo tem
a densidade do fluído amniótico, ele não sente a gravidade e dança muito
lentamente, com uma graça e uma elegância totalmente impossíveis em algum
outro lugar da terra. Somente os astronautas, em suas condições de não
gravidade, conseguem tal suavidade de movimentos. A propósito notamos que,
quando se tratava da primeira caminhada no espaço, os técnicos tiveram que
escolher o lugar onde desembocariam os tubos portadores dos fluídos vitais.
Escolheram então finalmente a fivela do cinturão do escafandro, reinventando
assim o cordão umbilical.
Quando tive a honra de dissertar perante o Senado, tomei a liberdade de
evocar o conto de fada do homem menorzinho do que o dedo mindinho.
Com dois meses de idade, o ser humano tem menos de um polegar de
comprimento, desde o ápice da cabeça até a ponta do traseiro. Ele estaria
muito à vontade numa casca de nozes, mas tudo já se encontra nele: as mãos,
os pés, a cabeça, os órgãos, o cérebro, tudo está no seu lugar certo. O
coração já bate há um mês. Olhando de mais perto, veríamos as dobras das
suas palmas de mão e uma quiromante leria as mãos dessa minúscula pessoa. Com
uma boa lente de aumento, descobriríamos as marcas digitais. Tudo estaria aí
para se fazer a carteira de identidade civil deste indivíduo.
Com a extrema sofisticação da nossa tecnologia, podemos vislumbrar a
vida privada desta criaturinha. Aparelhos especiais gravam a música mais
primitiva: um martelar surdo, profundo, regular, de 60/70 batidas por minuto (o
coração da mãe) e uma cadência rápida, aguda, de 150/170 batidas por minuto
(o coração do feto) se sobrepõem, imitando os compassos de orquestra e
realizando os ritmos básicos de toda música primitiva, sem dúvida, porque é
a primeira que o ouvido humano consegue ouvir.
Assim observamos o que o feto sente, ouvimos o que ele ouve, provamos o
que ele saboreia e vimo-lo realmente dançar, cheio de graça e de juventude. A
ciência transformou o conto de fada do Pequeno Polegar numa história verídica,
história que cada um de nós viveu no seio de sua mãe.
E, para que melhor percebais a exatidão das nossas observações,
acrescentamos: Se, logo depois da concepção, vários dias antes da implantação,
uma única célula fosse retirada desse indivíduo semelhante a uma amora minúscula,
poderíamos cultivar essa célula e examinar os seus cromossomos. Se um
estudante, observando-a ao microscópio, não fosse capaz de reconhecer o número,
a forma e o aspecto das fitas de seus cromossomos, se ele não soubesse dizer
com certeza se essa célula provém de um símio ou de um ser humano, seria
reprovado no exame.
Aceitar o fato de que, após a fecundação, um novo indivíduo começou a
existir, já não é questão de gosto ou de opinião. A natureza humana do ser
humano, desde a concepção até a velhice, não é uma hipótese metafísica,
mas sim uma evidência experimental".
Até aqui o prof. Jérôme Lejeune. As suas considerações não deixam dúvida
sobre o fato de que, quando se extrai do seio materno um feto, é um verdadeiro
ser humano que vem assim extraído e... quiçá condenado à morte!
VOLTAR