A Mensagem do Cristo
Em dezembro de 1945, alguns felás (tipo de beduíno
egípcio) deslocavam-se com seus camelos por perto de um rochedo
chamado Jabal al-Tarif, que margeia o rio Nilo, no Alto Egito, não
muito longe da moderna cidade de Nag Hammadi. Eles estavam
procurando um tipo de fertilizante natural na área, chamado
sabaque.
No sopé do Jabal al-Tarif começaram a cavar em torno de uma
pedra que caíra no talude, e, sem esperarem, encontraram um
jarro de armazenagem com um recepiente selado na parte superior.
Um dos felás, chamado Muhammad Ali Samman, quebrou o jarro com
uma picareta na esperança de encontrar algo valioso, talvéz um
pequeno tesouro. Deve ter ficado um tanto decepcionado ao ver
que, ao invés de ouro, no jarro só havia fragmentos de papiros.
Ele havia descoberto treze livros de papiro (códices), a que
hoje chamamos de a biblioteca de Nag Hammadi.
Além de outras obras valiosas, entre estes papiros estava algo
muito interessante: o chamado Evangelho de Tomé, que é uma
coletânea de sentenças de Jesus que se julga ter sido
compiladas por Judas Tomé, O Gêmeo.
Antes desta descoberta excepcional, os estudiosos dos evangelhos
já conheciam algumas referências dos pais da Igreja referentes
a um documento denominado Evangelho de Tomé. Cirilo de Jerusalém,
em suas Catequeses 6.31 afirmava que o Tomé que escreveu este
Evangelho não era um seguidor de Jesus, mas um maniqueu - um
maniqueísta, portanto, seguidor gnóstico e místico de Mani,
mestre herético do século III. Além desses testemunhos dos
chamados padres da Igreja, temos fragmentos de três papiros
gregos - encontrados num monte de lixo em Oxirronco, atual
Behnesa, no Egito -, publicados em 1897, e que contêm sentenças
de Jesus quase idênticas aos encontrados no Evangelho de Tomé
de Nag Hammadi, escrito em língua copta. Estes papiros eram
representantes de edições gregas do Evangelho de Tomé.
Ao contrário dos outros evangelhos, quer sejam canônicos ou apócrifos,
o Evangelho de Tomé não expõe em nada narrativas sobre a vida
de Jesus de Nazaré, mas atém-se especificamente às sentenças
proferidas por Jesus. Entre elas, destaco a que segue:
Jesus disse: "Se seus líderes vos dizem: 'Vejam, o Reino
está no céu', então saibam que os pássaros do céu os
precederão, pois já vivem no céu. Se lhes disserem: 'Está no
mar, então o peixe os precederá pelo mesmo motivo. Antes,
descubram que o Reino está dentro de vocês, e também fora de
vocês. Apenas quando vocês se conhecerem, poderão ser
conhecidos, e então compreenderão que todos vocês são filhos
do Pai vivo. Mas se vocês não se conhecerem a si mesmos, então
vocês vivem na pobreza e são a pobreza".
Evangelho de Tomé, logia 3.
É notável a semelhança entre o conteúdo desta sentença de
Jesus com a máxima adotada por Sócrates, e que emprestada do pórtico
do Templo de Apolo, em Delfos: "Homem, conhece-te a ti mesmo
e conhecerás o universo". De igual forma, outro grande
mestre do espírito humano, Buda, dizia que só o conhecimento de
si levava à iluminação, do mesmo modo que Láo-Tsé dizia que
apenas o conhecimento da ordem dentro de si levava à compreensão
do Tao. Da mesma forma, os órficos falavam do processo evolutivo
como uma tomada de consciência de que somos deuses por sermos
filhos de Deus. Apenas não temos nem a percepção, nem a consciência
disto.
Segundo Stephen Mitchell, quando Jesus falava do Reino de Deus,
ele de fato não estava dizendo ou profetizando uma perfeição fácil
e livre de perigos, como interpretaram ao seu bel-prazer alguns
doutores da teologia, ou como ainda o fazem alguns líderes de
religiões institucionalizadas. Ele estava falando de um estado
de espírito, como fica bem demonstrado em muitas de suas parábolas,
como, por exemplo, a da mulher que perde uma moeda e revira a
casa inteira em sua busca e, quando a acha, sai a correr chamando
os vizinhos e dizendo: alegrem-se comigo, pois achei a moeda que
havia perdido. Ela encontrou algo aparentemente muito simples,
algo que sempre esteve bem perto dela...
Este estado de espírito pode ser tão simples e poético quanto
a revoada de pássaros no céu ou os lírios no campo. Ele não
está fora, mas fora e dentro de nós. Tudo está ligado a tudo.
Tudo é um:"Na casa de meu Pai há muitas moradas".
Todos nascemos com um pouco da percepção feliz deste Reino e a
mantemos enquanto a cultura - o meio - não o retira de nós,
corrompendo-nos. "Se vos fizerdes como uma criança, entrarás
no Reino dos Céus". Os que se envolvem em demasia com as
preocupações materiais têm certa dificuldade em entrar neste
estado de espírito, pois são possuídos por suas posses que
exigem um esforço considerável para serem mantidas e estão tão
encarcerados em seus poderes e em sua fantasia social, que, para
eles, é quase impossível desapegarem-se delas e terem a
liberdade de SEREM longe do peso de demonstrar TEREM. "Não
que seja fácil para qualquer um de nós. " Escreve Stephen
Mitchell. "Mas, se precisarmos avivar a memória, sempre
poderemos nos sentar ao pé de nossas criancinhas. Elas, como
ainda não desenvolveram uma noção muito firme do passado e do
futuro, sabem aceitar de peito aberto e com plena confiança a
infinita abundância do presente". Para elas, o tempo corre
de forma diferente que para o adulto.
Nossa realidade é moldada pelas nossas crenças. Se tememos ao
relógio, se nos apegamos ao passado e se nos apavoramos com o
futuro, nunca poderemos viver o presente. De certa forma, entrar
no Reino de Deus significa sentir que existe algo que cuida de nós
a cada instante, da mesma forma como alimenta as aves do céu e
veste os lírios do campo, com infinito amor. Algo que Jesus
chamava de Abba - Papai. Um pai bem diferente do patriarcal e
vingativo Deus dos Exércitos do Antigo Testamento, mas que é
muito presente em algumas das igrejas cristãs atuais. Talvez
Abba seja uma maneira carinhosa de Jesus de se referir a um Deus
Pai-Mãe... "Qual de vós, se vosso filho vos pedir pão,
lhe dará uma serpente, ou um escopião se vos pedir peixe? Pois
se vós, que sois imperfeitos sabeis o que dar de bom para vossos
filhos, quanto mas vosso Pai, que está nos céus!"
Todos os Mestres da humanidade, em todas as épocas e lugares,
sempre apontaram para a necessidade de voltarmos a viver o
presente como única realidade concreta da alma no mundo: "Não
vos preocupeis com o dia de amanhã, pois a cada dia basta a sua
própria preocupação....", disse Jesus.
As passagens do Evangelho em que Jesus fala de um Reino dos Céus
no futuro não podem ser autênticas transcrições do pensamento
do Cristo, a não ser, como fala Stephen Mitchell, que Jesus
tivesse dupla personalidade, como se fossem torneiras de água
quente e fria. Elas estão muito impregnadas de um espírito de
vingança e de uma agressividade apocalíptica de mesmo aspecto
como encontrado nos textos dos profetas do Antigo Testamento.
Estas passagens de um reino externo por vir, muito provavelmente,
poderiam ter sido inseridas no Evangelho por discípulos, ou por
discípulos de discípulos. Já que Jesus não deixou nada
escrito, tudo o que dele sabemos é de segunda ou terceira mão.
Estes discípulos ainda estavam cheios da tradição judáica.
Passagens que falam do Reino de Deus como algo que virá no
futuro existem aos borbotões nos profetase e nos escritos apocalípticos
judáicos escritos sob o jugo romano dos primeiros séculos de
nossa era, bem como na maioria dos textos geralmente muito
partiarcais atribuídos a Paulo pela Igreja primitiva. Elas são
repletas de uma esperança passional, exclusivista, e, como
apontou Niestzsche, de um amargurado ressentimento contra
"eles" (os poderosos políticos e econômicos, os ímpios).
Mas tudo isso é fruto de uma interpretação intelectual e
passional das reformas sociais propostas por Jesus, que, em toda
a sua vida, aboliu todo tipo de distinção de castas e de
origens, devido à sua consciência de irmandade entre todos. Os
discípulos dos discípulos tiveram uma noção apenas
intelectual disto e não da vivência do estado de espírito ou
da consciência cósmica vivenciada por Jesus. Uma vivência que
foi plenamente vivida por um Francisco de Assis ou por um
Mahatman Gandhi, e que é profundamente revolucionária.
Stephen Mitchell fala, com muita propriedade, que o Reino de Deus
"não é algo que irá acontecer, porque não é algo que,
temporalmente falando, possa acontecer. Não pode surgir num
mundo" como se fosse uma invasão externa - "O meu
Reino não é deste mundo" - "é uma condição que não
tem plural, mas apenas infinitos singulares. Jesus falava das
pessoas 'entrando' no Reino, e que as crianças já estavam nele
(...). Se pararmos de olhar para frente e para trás, foi o que
ele nos disse, poderemos nos dedicar a buscar o Reino que está
bem debaixo de nosso pés, bem diante de nosso nariz; e, quando o
encotrarmos, alimentos, roupas e outras coisas necessárias também
nos serão dados, tal como o são às aves e aos lírios. (...)
Este reino é como um tesouro enterrado num campo que é nossa
alma; é como uma pérola de grande valor; é como voltar para
casa. Quando o encontramos, encontramos a nós mesmos,
tornamo-nos donos de uma riqueza infinita (...)", é por
isto que todos os místicos falam em perderem-se em Deus.
"Eu e o Pai somo um", pois nossa personalidade é
apenas uma máscara mutável, mas o self, como diria Jung, é a
parte mais próxima do divino, em nós. Vivenciando o Deus que há
em nós, poderemos reconehcer o Deus que há no outro e, assim,
poderemos viver, naturalmente, devido à nosso grau de consciência,
a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade.
O verdairo Jesus é o Jesus do Sermão da Montanha, o Jesus entre
as crianças, o Jesus que admitia mulheres, publicanos e leprosos
entre seus seguidores, um homem que se esvaziou dos desejos
mundanos comuns, esvaziou-se de doutrinas e regras - todos os inúteis
aparatos intelectuais - e se deixou preencher pela vida, como o
demonstram as suas parábolas, onde o reino é o campo, é a
festa de núpcias, é a rede lançada ao mar... Porque se
desapegou de tudo o que é egóico e passou a sentir o TODO - o
Tao, como diria Lao-Tsé -, ele deixou de ser meramente alguém,
para ser também todos, todo o mundo: "Tudo isso que fizeres
a um destes pequeninos, fareis a mim". Porque admitiu Deus
em sí, sua personalidade é como um ímã que atrai a todos.
Quanto mais se aproximam dele, mais sentem a pureza de seu coração.
Um coração que é como um quarto claro e espaçoso: "Vinde
a mim todos vóis que estais aflitos e sobrecarregados, e eu vos
aliviarei". As pessoas ou as possibilidades abrem a porta e
entram. O quarto recebe a todas o tempo que quiserem, sem impor
regras além da do amor. É bem diferente de um coração cheio
de pertences, de crenças e de certezas, cujo dono senta-se atrás
da porta trancada com uma arma em punho, como o fazem as Igrejas
de todas as denominações.
Jesus também reconhecia as verdades espirituais que foram ditas
pelos outros Grandes Mestres da humanidade, em todas as épocas.
É assim que se explica as grandes similaridades entre seus
ensinamentos e os de Buda, por exemplo, que nasceu mais de 500
anos antes de Cristo.
Jesus enfatizava a importância da evolução e da transformação
pessoal: "Não te maravilhes de eu ter dito: Necessário vos
é nascer de novo (João, 3. 3-7)". Reconhecia a
imortalidade da alma: "De fato, Elias há de vir e
restabeler todas as coisas. Eu porém vos digo: Elias já veio e
fizeram dele o que quiseram! E os discípulos compreenderam que
era de João Batista de quem ele falava" (Mateus, 17, 11-13;
Marcos, 9, 11-13). Bem, como Elias não voltou numa carruagem
celeste ao tempo de Jesus, e como "os discípulos
compreenderam que era de João Batista de quem ele lhes
falava", Elias e João têm de ser a mesma pessoa... Ora,
todos conheciam a história do nascimento de João - aliás, o
anjo que aparece a Zacarias diz que o menino "irá adiante
do Senhor no espírito e no poder de Elias (Lucas, 1. 17)".
Sendo assim, a única possibilidade real de Elias ter retornado
à terra como João era a de que ele reencarnou como João,
conhecido como O Batista, primo de Jesus... Esta idéia na
reencarnação, conhecida ao tempo e na região de Jesus com o
nome confuso de ressurreição (Mateus, 16.13-15), era familiar a
inúmeros sistemas filosóficos da era helenística, e é
encontrado em Pitágoras, Sócrates e Platão, sendo retomado por
Amônio Sacas e por seu discípulo Plotino e, já na era cristã,
por Orígenes de Alexandria, um dos pais da Igreja. Esta crença
permaneceu mais ou menos atuante durante os primeiros séculos do
cristianismo até que os interesses temporais e políticos a
tornaram numa crença herética. Cristo também solapou a proibição
de Moisés de não invocar os mortos, pois sabemos de seu
encontro visível com dois mortos (Mateus, 17. 14-21; Lucas 9.
37-43) - o próprio Moisés, e Elias (João já havia sido
degolado a esta época) -, no fenômeno da transfiguração... É
interessante notar o comportamento de algumas seitas de base
fundamentalista que aceitam tudo ao pé da letra que está
escrito na Bíblia mas, quando chegam nestas partes dos
Evangelhos, INTERPRETAM o que está escrito da forma que mais
lhes convenha para negar a realidade destes fatos, isso quando não
invocam o seu maior aliado em questões que os embaraçam, ou
seja, o "demônio", para dizer que estão errados os
outros, os que aceitam a reencarnação ou a vida após a morte e
que estão possuidos do espírito do mal, e não eles, detentores
de todo o saber sobre o absoluto.... "Ai de vós, doutores
da lei..." pois estão plenos de orgulho, e são como
"Cegos a guiar outros cegos".
Enfim, ainda citando Mitchell, Jesus foi o maior exemplo de quão
longe pode o homem chegar. Ele soube viver plenamente entre os
dois mundos: o material e o espiritual. Soube dar a César o que
é de César e a Deus o que é de Deus. Ele foi uma árvore. Como
fala Mitchell, a árvore não tenta arrancar da terra as suas raízes
e plantar-se no céu, nem tampouco estende suas folhas para
baixo, junto à lama. Ela precisa tanto do solo quanto da luz, e
sabe a direção de cada coisa. Exatamente porque enterra as suas
raízes na terra escura, é que pode sutentar suas folhas no alto
para receber a luz do sol... É pena que Jesus de Nazaré seja
frequentemente incompreentendido pelos Cristãos.
Bibliografia sugerida
-Mateus, Marcos, Lucas e João. "O Novo Testamento : Os 4
Evangelhos", diversas editoras
-Meyer, Marvin. "O Evangelho de Tomé". Ed. Imago, Coleção
Bereshit, Rio de Janeiro, 1993
-Mitchell, Stephen."O Evangelho Segundo Jesus". Ed.
Imago, Coleção Bereshit, Rio de Janeiro, 1994
-Benítez, J.J. "Operação Cavalo de Tróia" Ed.
Mercuryo, São Paulo, 1988
João Pessoa, 29/12/1996
Carlos Antonio Fragoso Guimarães
http://www.oocities.org/Vienna/2809/Cristo.html