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DE SÉCULO A SÉCULO Janio de Freitas, jornalista. (extraído da revista FENAE-AGORA, pg.7, DEZ/1999) Perdida era a década de 80. Os 80 foram irrigados por duas ondas de esperanças maiores e por várias marolas de otimismo. Na primeira metade da década, a batalha de muitas frentes para acabar com o regime militar, a campanha das diretas-já e vitória da oposição na pessoa de Trancredo Neves foram uma seqüência estimulante e promissora. Era como se o corpo do país readquirisse vida e viço. `A marola do cruzado, cuja supervalorização irresponsável pela mídia contribuiu muito para o desastre, seguiu-se o movimento para se erguer uma Constituição grandiosa no seu poder democratizante e vigorosa na resistência dos seus alicerces a possíveis investidas.
Já a primeira parte dos 90 começou com o assalto simultâneo à Constituição e à poupança, esta, quando devolvida, amputada da metade do seu valor original. Era só o começo. Duas CPIs, a do impeachmente e dos "Anões do Orçamento", expuseram a presença enorme da sordidez na política e na administração do país. Sob a euforia da expulsão de Collor e da (modesta) punição a alguns deputados, o que na verdade se propagou, pelo país afora, foi uma espécie de amargor cívico, a incontível perda da confiança no futuro, no país mesmo.
A Segunda parte dos 90 é o ataque desfigurante à Constituição, é a administração por medidas provisórias, é o Congresso servil e emasculado, é a meia estabilidade da moeda à custa da degradação brutal da economia e das condições gerais de vida, sobretudo da vida urbana.
A diferença essencial entre as duas décadas perdidas encontra-se em uma pergunta que seria absurda no final dos 80, mas é indispensável nesse desmilingüir dos 90: ainda haverá possibilidade de recuperação? A pergunta é tão necessária quanto assustadora. Sua resposta não é questão de fé, mas de dissecação das realidades mais cruas, internas e externas.
A julgar por vários estudos internacionais sobre as perspectivas para o próximo século, o Brasil não está entre as boas promessas. Muito ao contrário. Finlândia, Nova Zelândia, Austrália, "tigres asiáticos", entre outros, são os que tendem a equiparar-se às grandes potências. O Brasil andou muito para trás e desperdiçou, sobretudo na década atual, o tempo em que outros consolidaram suas estruturas econômicas e seus padrões existenciais.
Se a resposta àquela pergunta fôr necessariamente negativa, e há muitas possibilidades de que o seja, será o caso de perguntarmos também: perdidas por nós foram algumas décadas ou foi o próprio século? |