Veio Ver VERÍSSIMO ?
Entrevista
(publicado na revista ISTOÉ em 23/09/98 - texto enviado por Valter Azevedo/PE)
Apesar da timidez e da falta de tempo, o humorista e escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo aceitou colaborar com a campanha do candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva. Ao lado de personalidades como Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares e Chico Buarque, Verissimo quer trabalhar para romper o que chama de pensamento único que gravita em torno da recandidatura do presidente Fernando Henrique Cardoso. O escritor que desfia suas ácidas críticas contra Éfe Agá em sua coluna diária no Jornal do Brasil, vai dar palpites no plano de governo de Lula. Nos quatro anos de Plano Real, Verissimo, que completa 62 anos no dia 26 de setembro, tem sido uma das poucas vozes do contra. Sempre avesso à entrevista, ele dá sua opinião sobre política e música:
ISTOÉ - O sr. acha que existe um complô da imprensa contra Lula?
Luis Fernando Verissimo - Acho que "complô"
não é a palavra. As grandes empresas jornalísticas
têm seus interesses e suas políticas, aprovam esse
modelo e é compreensível que o defendam, mesmo sacrificando
um pouco de objetividade. Até que a nossa imprensa não
se sai tão mal na tarefa de informar bem sem esconder sua
parcialidade. A gente não deve esquecer que por duas vezes
já um candidato genuinamente de esquerda chegou perto da
Presidência no Brasil, o que não aconteceu em nenhum
outro país sul-americano depois da era dos generais. A
oligarquia brasileira e o consenso que ela representa se convenceram
de que era preciso acabar com essa brincadeira e desmoralizar
as alternativas antes que elas se criassem. Não acho que
seja uma coisa orquestrada, sinistra, um complô, mas é
uma identidade de interesses. O que Lula ou qualquer outro candidato
de esquerda pode fazer contra isso é o que o PT está
fazendo: barulho. E também dar menos importância
à imprensa e a seus comprometimentos inevitáveis.
O espaço público não se restringe ao espaço
jornalístico ou publicitário e muitas vezes a opinião
pública majoritária diverge da opinião predominante
na mídia. Porto Alegre é um bom exemplo disso.
ISTOÉ - Qual o balanço que o sr. faz do governo FHC? E dele pessoalmente?
Verissimo - O pior de tudo, pior do que o ataque concentrado do governo a toda idéia do público, da empresa pública à saúde pública, foi a educação em cinismo que o País recebeu. Durante quatro anos usaram o clientelismo e o fisiologismo como nunca com cara de quem tem nojo dessas coisas. Não sei até que ponto a personalidade do FH tem a ver com isso. Não o conheço pessoalmente, mas simpatizo com ele. Dizem que é vaidoso, mas tem razão para ser, e parece um bom sujeito. Mas fui seu admirador e só posso lamentar a degradação da sua visão do mundo, da visão do Marx para a do Gustavo Franco, e a sua tácita aceitação de uma filosofia de mercado para tudo, até para o apoio político. Agora, que ele fica bem num sobretudo, fica.
ISTOÉ - Em caso de um eventual segundo mandato de FHC, o que o sr. espera nos próximos quatro anos?
Verissimo - Não sei. Seria bom se soltassem o Éfe Agá que ficou preso no porão do Planalto e ele subisse para substituir o clone.
ISTOÉ - No Rio Grande do Sul, o PT tem maioria nas principais cidades, mas por que o partido não consegue vencer a disputa ao governo do Estado?
Verissimo
- O interior do Estado é mais conservador e a resistência
ao PT, ou à fantasia que fazem do PT, ainda é forte.
Mas aos poucos as pessoas vão descobrindo, com as administrações
municipais do PT, que pelo menos o caos elas não trazem,
e até podem trazer boas idéias. O governo do Estado
do Rio Grande do Sul adotou o orçamento participativo de
Porto Alegre, o salário-escola de Brasília está
sendo copiado por muita gente... Um dos motes da campanha estadual
e nacional do PT poderia ser "evite intermediários
desonestos, compre programas de governo diretamente do fabricante".
ISTOÉ - A atuação do governador gaúcho Antônio Britto é uma repetição regional do presidente FHC?
Verissimo - Não. O Britto tem seus
próprios defeitos e virtudes. Mas está identificado
com o modelo e, claramente, na linha de sucessão do FHC.
Fez um governo dinâmico, mesmo que boa parte do dinamismo
fosse mais encenado do que real e com um custo muito alto. Gosto
dele, apesar de termos convivido pouco. Mas isto, claro, não
tem nada a ver com nada.
ISTOÉ - O sr. faz parte de uma geração que pensava em mudar o mundo. Como o sr. vê a atual geração?
Verissimo - A minha geração
é a do Éfe Agá, que sabia exatamente o que
fazer quando tomasse posse do mundo, aí foi ver e era outro
mundo, e já tinha dono. Depois choveu, deu preguiça
etc. A atual geração só tem a sua perplexidade.
Talvez faça mais com ela do que nós com as nossas
certezas.
ISTOÉ - O Brasil vai dar certo?
Verissimo - Depende de como se mede o "certo",
se em telefones celulares ou em saúde pública. Eu
acho que nós vamos chegar ao Primeiro Mundo muito em breve,
mas não num pedaço só.
ISTOÉ - A música, ao que parece, exerce uma grande força sobre o sr. Como o sr. acha que se expressa melhor, através dela, do texto ou do desenho?
Verissimo - Nunca cheguei a dominar meu
instrumento, o sax-alto, apesar de tocar há muito tempo.
Toco num conjunto de jazz em Porto Alegre, o Jazz 6, por uma deferência
dos outros músicos, todos excelentes, e esporadicamente
com o Conjunto Nacional, dos cartunistas Paulo e Chico Caruso.
Neste caso, a tolerância é ainda maior, pois o guincho
pode passar como humor. Os dois conjuntos estão lançando
CDs, por sinal. Em breve nas boas casas do ramo. Escrevo melhor
do que desenho ou toco, mas tenho mais prazer na ordem exatamente
inversa.
ISTOÉ - O sr. assistiu ao documentário Woody Allen in Concert, que mostra a excursão dele tocando em bares? Tem alguma afinidade com ele neste sentido?
Verissimo - Assisti e achei muito divertido.
Já me perguntaram se eu imito o Woody Allen, mas dessa
eu sou inocente. Quando aprendi a tocar sax nem sabia que ele
existia. Afinidades, mesmo, talvez os óculos. Mas estou
atrás de uma amante vietnamita. Já fui um jazzmaníaco,
atualizado e bem-informadíssimo sobre músicos e
lançamentos. Hoje me resignei a algumas poucas preferências
reincidentes. Em matéria de jazz, não confio mais
em ninguém que não esteja morto.
ISTOÉ - Por que o sr. escolheu o humor como ponta-de-lança?
Verissimo - Não escolhi. Quando comecei
a assinar o que escrevia no jornal, as coisas mais leves, mais
humorísticas eram as que tinham mais respostas. Como também
era a chamada "época brava", de repressão,
os assuntos "sérios" eram mais restritos e conseguia-se
dizer mais com o humor. Fui meio que tangido para esse lado, mas
não me considero um humorista.