Veio Ver VERÍSSIMO ?


arquivo

O peso da pena

(extraído de "O Globo" - 21/02/99)

por Luiz Noronha

Terça-feira Gorda, Sambódromo da Avenida Augusto de Carvalho, Zona Sul de Porto Alegre. No asfalto, desfilava a Vila Isabel de Viamão,escola cujo enredo homenageava uma das mais célebres dinastiasde escritores gaúchos sob o título "De Verissimo a Verissimo" ( "De geração a geração/segue a arte de escrever/ um abc refinado/ seu coração é colorado/ cronista, cartunista,/ jornalista, às do humor/ vem autografar a passarela/ oh! Grande escritor",cantava o samba). Entre destaques e alegorias, admiradores de Luis Fernando Verissimo, amigos famosos de Luis Fernando Verissimo, amigos não famosos de Luis Fernando Verissimo, familiares de Luis Fernando Verissimo. E onde estava Luis Fernando Verissimo? Sentado, no camarote da escola, assistindo a tudo com um sorriso de Mona Lisa fixo no rosto. O mais visível sinal de empolgação que emitia era bater palmas, de vez em quando. Mas, quem o conhece não tinha a menor dúvida: o homem estava emocionadíssimo.

Antes de tudo que o samba relaciona, Verissimo é um poço de paradoxos, produto de um jogo de extremos. Ao mesmo tempo que cultiva a timidez, o silêncio e os monossílabos, é tido pelos muitos amigos como um dos tipos mais doces e generosos; no momento seguinte em que cita viajar e comer bem como seus dois maiores prazeres, conta que não mudaria de Porto Alegre por nada deste mundo e se lembra da dieta rigorosa que segue por orientação médica, em função de problemas cardíacos. Finíssimo estilista da língua, dono de um texto marcado pela mistura de precisão e beleza, ele é capaz de afirmar com orgulho que escreve "por ofício", que é "um escritor comercial, sem grande valor literário, cujo ramo é o do entretenimento". A partir desta terça-feira, Verissimo estréia sua combinação única de leveza e contundência num novo endereço: a página 7 do GLOBO, em que passará a assinar uma coluna de terça a domingo.

Não há prova científica de que talento é hereditário, mas o caso da família Verissimo valia uma análise mais detalhada. Filho de Érico (um dos grandes da literatura brasileira, cujo "Tempo e vento" completa 50 anos de lançamento este ano), Luis Fernando começou a escrever tarde na vida, aos 28 anos. Antes disso, depois de muito tempo indeciso quanto ao caminho a seguir, trabalhava no departamento de arte da Editora Globo, de Porto Alegre. Meio sem querer, começou a dar expediente como redator no jornal "Zero Hora", no qual chegou a escrever até coluna de horóscopo e, meio por acaso, herdou uma coluna de crônicas. Foi esse o início de uma carreira de sucesso na imprensa diária - com passagens por jornais como O Estado de São Paulo e Jornal do Brasil - e na literatura, onde colecionou best-sellers.

Desde então, Luis Fernando já contava com o apoio e admiração irrestrita de Érico, retribuindo na mesma moeda:

- Sempre tive uma relação ótima com meu pai, ele nunca me obrigou a fazer nada que não quisesse. Na verdade, nunca tive problema algum em ser filho de um escritor famoso, até gostaria de inventar uma história dramática para saciar a curiosidade mórbida das pessoas sobre nossa convivência - diz ele.

Em função da carreira do pai, Luis Fernando passou boa parte da infância e da adolescência nos Estados Unidos, tendo sido alfabetizado em inglês e passado o período crucial entre os 16 e os 20 anos em Washington, onde cursou o Segundo Grau. Essa experiência pode servir para explicar a irresistível influência que a cultura americana exerce sobre ele.

- Adoro o cinema de Hollywood, a literatura americana, as histórias em quadrinhos e, acima de tudo, o jazz. Aos 17 anos, consegui entrar num clube e assisti a um show de Charlie Parker - conta ele, com um discreto brilho nos olhos. - Sou fã de Louis Armstrong e, quando morava nos Estados Unidos, quis aprender a tocar trompete. Procurei uma escola e, lá, não tinha trompete disponível, só um sax-alto. Foi assim que aprendi música.

Sem a pretensão de atuar como profissional, Verissimo já tocou em vários grupos, entre eles o gaúcho Renato e seu sexteto (que era composto por 11 músicos), as bandas de jazz-humor Muda Brasil e Conjunto Nacional (com os irmãos Paulo e Chico Caruso, companheiros de graça e notas) e hoje faz parte do Jazz 6, conjunto ativo na cena portalegrense - na última quinta-feira, dois dias depois da apoteose na avenida, eles inauguraram uma nova casa de espetáculos na cidade.

© Todos os direitos reservados a O Globo e Agência O Globo.

quer voltar ?

clique nas cobras