“(...) Mas entre
estas estrelas vivas, quantas janelas fechadas, quantas estrelas extintas,
quantos homens
adormecidos...”
(Antoine de Saint-Exupéry)
O ser humano
tem a consciência da finitude das coisas do universo. O destino dos
corpos celestes e o dos homens é, inexoravelmente, a morte. Existem
pessoas que unem em sua personalidade um pouco do que há de humano
e um pedacinho das estrelas. Esta mistura de humanidade com luminosidade,
infelizmente, também é finita. Mas, às vezes, fica
gravada em película para mostrar que a mágica cinematográfica
é capaz de fazer milagres.
Dissecando Estrelas
“Como dissecar
um mito?”
(frase atribuída ao médico-legista que fez a necrópsia
de Marilyn Monroe)
É
difícil falar da morte - como interrupção das funções
vitais de um organismo vivo qualquer - quando se trata de estrelas. Para
os amantes do cinema é melhor pensar que existe sim um paraíso,
onde todas elas estão reunidas e onde - esperamos!!! - um dia nos
vai ser permitida a entrada.
O fato é que o cinema tem
mais de cem anos e os maiores mitos de outras épocas já se
foram. Como falar só de alguns quando parece que o Olimpo está
repleto deles??? Com um trabalho árduo - e provavelmente injusto
- de seleção, vamos dissecar estes astros que abalaram nossos
sentidos e que a morte não conseguiu extinguir.
O Mefistóteles de Hollywood
“Se um homem
puder vencer a lacuna entre a vida e a morte, se puder continuar existindo
depois de morrer, então talvez tenha sido um grande homem.
Para mim, o único triunfo e a única grandeza é a
imortalidade.”
(James Dean)
A busca da imortalidade, num desafio à morte aparece em mitos e
lendas da antigüidade. Mas na História, chega a ser irônico
o papel da morte para as estrelas em ascensão. Em Hollywood não
foram poucas as vezes em que ela surgiu como um Mefistóteles no
meio das carreiras de atores que, se continuassem vivos, talvez ficassem
destinados ao ocaso.
Na
famosa história do poeta e filósofo alemão Goethe,
o herói Fausto procura incessantemente a imortalidade. Eis que surge
Mefistóteles lhe oferecendo a eterna juventude em troca de sua alma.
A
fórmula da morte como transformação de destinos se
aplicou perfeitamente a mitos como Rodolfo Valentino, Marilyn Monroe, James
Dean e Elvis Presley. A decadência não chegou a conhecê-los.
E, ao invés de significar o fim, a morte concedeu-lhes beleza, talento
e juventude eterna. Lhes deu alma, lhes elevou ao máximo inatingível
por seres humanos comuns. Eles pagaram o preço de seus corpos pela
eternidade.
A Morte Namora A Juventude
“Era uma tarde
quente e abafada, e Eros, cansado de brincar e derrubado pelo calor, abrigou-se
numa caverna fresca e escura. Era a caverna da própria Morte. Eros,
querendo apenas descansar, jogou-se displicentemente ao chão,
tão descuidadamente que todas as suas flechas caíram. Quando
ele acordou percebeu que elas tinham se misturado com as flechas da Morte,
que estavam espalhadas no solo da caverna. Eram tão parecidas
que Eros não conseguia destingui-las. No entanto, ele sabia
quantas flechas tinha consigo e ajuntou a quantia certa. Naturalmente,
Eros levou algumas flechas que pertenciam à Morte e deixou
algumas das suas. E é assim que vemos, freqüentemente,
os corações dos velhos e moribundos atingidos pelas flechas
do Amor, e às vezes, vemos os corações dos jovens
capturados pela Morte.”
(Esopo)
Desde Valentino
temos uma certa noção do impacto que a morte prematura de
um astro pode causar aos fãs de cinema. Hoje em dia é
difícil imaginar o que fez milhares de mulheres acompanharem seu
funeral, disputando a tapa um lugar perto do caixão. Afinal ele
era meio estranho para os padrões atuais e um bocado canastrão.
Mas não
precisamos voltar muito no tempo para vermos um fenômeno de proporções
semelhantes. A morte de River Phoenix devida a uma suposta overdose, aos
23 anos, em 1993, abalou a geração que o considerava o novo
garoto de ouro no cinema. Como no caso de James Dean, a tragédia
se transformou num bálsamo para a imagem do ator.
Dean, que
morreu aos 24 anos num acidente de carro em 1955, é um dos mitos
mais permanentes do século XX e a veneração que teve
seguimento após sua morte foi comentada por intelectuais como Camus,
Sartre e Ernest Hemingway. Poucos, na época acreditavam na perenidade
do mito que, ainda hoje, é um dos principais símbolos da
cultura popular americana.
Jean Harlow,
a loura platinada mais cobiçada de Hollywood na década de
trinta, entrou para o clube das deusas ao morrer com apenas 26 anos de
derrame cerebral, em 1937. Marilyn Monroe também morreu jovem e
bonita aos 32 anos em 1962, antes que o excesso de peso e a vida desregrada
que levava maculassem a sua beleza. Resultado: imagem eternizada e adorada
no mundo inteiro.
Como para
a maioria dos ídolos da juventude, também entre os atores
vale a máxima de que viver rápido, morrer jovem e ter um
cadáver de boa aparência garante a permanência da fama.
As Divas Saem De Cena - À
francesa, é claro!!!
“O tempo é
uma convenção que não existe nem para o craque, nem
para a mulher bonita. Existe para o perna-de-pau e para o bucho.
Na intimidade da alcova, ninguém se lembraria de pedir à
Rainha de Sabá, a Cleopátra, uma certidão de nascimento.”
(Nelson Rodrigues)
Estas
duas últimas décadas apagaram um pouco do glamour que restava
aqui na Terra. A morte bateu à porta de mulheres que, apesar de
não estarem mais no auge de suas carreiras ou juventude, ainda conservavam
a aura de deusas com a qual brilharam ao longo da história do cinema.
Nunca
houve uma mulher como Gilda, com exceção de sua intérprete,
Rita Hayworth. A sereia ruiva, síntese de todo o sexy appeal feminino,
nos deixou em 1987, aos 68 anos, vítima do mal de Alzheimer. Mas
o que ficou congelado nas nossas mentes é aquela charmosa sacudidela
de cabelos, em sua primeira cena no filme Gilda.
Ava
Gardner, o animal mais belo do mundo, também incendiou as mentes
masculinas com seus papéis de mulher fatal. Como Rita, ela faleceu
aos 68 anos em 1990, deixando o legado de sua beleza felina para a admiração
de todos nós.
Bette
Davis que trabalhou até idade avançada, morreu aos 81 anos,
em 1990, mas sua morte não conseguiu apagar a força daqueles
consagrados olhos. Greta Garbo é outra diva que foi rivalizar com
Venus no Olimpo em 1990. Personificação da beleza, a Grande
Garbo, morreu após a mais famosa reclusão do mundo do cinema,
aos 85 anos.
As
musas de Hitchcock, Grace Kelly e Ingrid Bergman, partiram para as terras
de Sísifo no ano de 1982, e deixaram suas belas e famosas filhas
como lembrança daquilo que foram um dia.
1992 foi o ano em que o Anjo Azul
voltou para o céu. Marlene Dietrich faleceu aos 91 anos após
ter traçado um rastro de sedução, glória e
luta contra o nazismo. Poucos meses depois, em janeiro de 1993, o mundo
deixou de ser a passarela onde Audrey Hepburn desfilava a sua elegância.
A graciosa e altruísta Bonequinha de Luxo morreu aos 63 anos, vivendo
o papel que mais gostava: o de embaixadora da Unicef.
Dançando Nas Nuvens
“Heaven, I’m
in Heaven
And my heart
beats so that I can’t hardly speak
And I seem
to find the happiness I seek
When we’re
out together dancing cheek to cheek.”
(Irving Berlin)
Como seria
chegar num céu onde houvesse uma festa com músicas cantadas
por Frank Sinatra e dançadas por Fred Astaire, Gene Kelly e Ginger
Rogers??? Provavelmente seria muito parecido com o paraíso na composição
de Irving Berlin em Cheek to Cheek.
O primeiro
a chegar lá foi Fred Astaire em 1987. Aos 88 anos, o mais aristocrata
e perfeccionista - só não direi “o melhor” para não
causar controvérsias - dos dançarinos do cinema, ainda dava
suas sapateadas.
A parceira
mais contumaz de Fred Astaire, Ginger Rogers, só seguiu o colega
de cena em 1995. Embora seja notório o caso da antipatia mútua
que sentiam, a harmonia com a qual guiavam os seus passos escreveu uma
história bem diferente aos olhos dos espectadores, que os imaginavam
como um casal de sonho.
A tríade
de ouro se completava com Gene Kelly. O único capaz de chegar à
perfeição de Astaire, não admitia comparações.
“Fred é o aristocrata, eu sou o chofer de caminhão”, costumava
dizer. Depois de Gene Kelly, sair na rua em uma noite de chuva sem tentar
uns passinhos, assobiando Singin’ in the Rain, parece uma uma tarefa impossível.
Ele partiu aos 83 anos, em 1996, depois de 45 anos de carreira.
Frank Sinatra
não era um dançarino do nível de Astaire e Kelly.
Mas fez boas parcerias com o último nos filmes Marujos do Amor e
Um Dia Em Nova York. E quem precisava saber dançar com aquela voz?
A Voz se calou em 1998, aos 83 anos. Dizem que enviaram gravações
de algumas músicas cantadas por Sinatra em uma dessas naves que
rastreiam extra-terrestres. E se eles encontram e resolvem consagrar Sinatra
como um novo deus? Eu não veria nenhum exagero nisso...

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