O desafio da falência dos estereótipos

TV não consegue mais retratar a realidade e precisa adaptar-se a um novo perfil feminino

REGINA FESTA
Artigo publicado no Jornal Estado de São Paulo em 06.03.99

A mulher brasileira gosta de televisão, aprecia o entretenimento que recebe por meio dela, compreende o poder informativo e o papel educativo que a televisão tem, entretanto se sente cada vez menos representada pela programação e menos identificada com o modelo difundido pela telinha, segundo a pesquisa A Mulher Retratada pela TV. Para completar, é decrescente o interesse do público feminino com relação à televisão aberta e as telenovelas não se encontram entre os programas mais relevantes para o interesse da mulher atual.

A pesquisa do grupo TVer, realizada pela CPM Market Research, em São Paulo, abre uma discussão que revela não apenas o olhar das mulheres sobre a TV. Os dados, novos sob a ótica da opinião pública feminina, fazem parte da preocupação crescente dos publicitários, agências de pesquisa, sociólogos, programadores de televisão, roteiristas e outros profissionais da mídia, brasileiros e estrangeiros, que nem sempre conseguem solucionar os desafios crescentes das mudanças culturais e da falência dos estereótipos com os quais a TV continua operando.

Para as mulheres, entretanto, esse amor em crise tem preocupações definidas. Por exemplo, o dado de consenso entre 90% das mulheres das classes A, B e C é que "a televisão incentiva as meninas a serem sensuais, erotizando-as antes do tempo". As próprias adolescentes entre 15 e 19 anos apontam que "a sensualidade é a principal característica da mulher que a TV retrata". Com efeito, cerca de 20% dos partos atualmente registrados são de jovens com menos de 20 anos, principalmente da classe C, onde cerca de 47% das mães são chefes de família com pouco tempo para assistir televisão.

Outro dado desafiador apontado por essa pesquisa, refere-se à programação da televisão aberta. Para 51% das mulheres a programação é apenas regular e, em geral, inadequada com relação ao horário em que elas podem assistir televisão. É que o modelo atual pouco mudou em relação à década de 70 e 80, quando a inserção da mulher no mercado de trabalho não chegava aos 20%.

Assim, não surpreende, por exemplo, no outro lado desse quebra-cabeça, o fato das mulheres de classe A e B, profissionais que revolucionaram o padrão de vida em relação às gerações anteriores, sentirem que a televisão brasileira atual tem muito pouco a lhes oferecer. Os dados constituem um desafio gigantesco se pensarmos que 70% dessas mulheres são decisivas na hora de definição do voto, comprar casa, carro, seguro, xampu ou como investir as economias da família.

Para as mulheres, a programação de uma televisão inteligente e noturna, do horário nobre em diante, é masculina e não tem nenhum programa voltado para mulher profissional, moderna, que trabalha fora, ou para mulher profissional deste fim de século, de todas as classes sociais, que não pode mais ser a dona de casa dos programas das tardes livres no sofá da sala. Tudo indica que, na verdade, o estereótipo está falindo e, nesse caso, a televisão não está conseguindo retratar a realidade como até então acontecia. Esse problema entrentanto, não é apenas brasileiro e hoje representa um desafio principalmente para a televisão voltada para o consumismo.

Outro dado muito interessante é sobre as artistas que refletem a imagem ideal da mulher. Em primeiro lugar Fernanda Montenegro que, com justiça, aparece como orgulho nacional. Dito de outro modo, as mulheres passam a ter em Fernanda, um símbolo internacional positivo, até então privilégio apenas masculino. No plano interno, a presença de Fátima Bernardes como imagem ideal revela também uma mudança cultural importante.

O que está nesse horizonte é um novo perfil feminino, que procura conciliar a mulher charmosa, casada, mãe e profissional de sucesso. Mas essa nova mulher anunciada está distante da mulher objeto, refletida na programação, segundo aponta a pesquisa. Outro dado importante é a presença da mulher negra como profissional de sucesso, por meio da presença de Glória Maria, apontando para a diversidade, o pluralismo e para uma outra visão sobre a sociedade racial brasileira.

Sem dúvida, este País, como disse outrora Groucho Marx, "não é mais o que era". Essa crise de amor entre mulher e televisão requer abertura de diálogo, não sem tempo, principalmente agora que os empresários de televisão parecem ser dispostos a responder positivamente à opinião pública.


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