Doação de órgãos, transplante e alteridade
Francisco Neto de Assis
Uma professora de Minas Gerais desenvolve na Fundação Oswaldo Cruz projeto de tese de doutorado na busca pelos fundamentos biológicos da alteridade, ou seja, da relação com o outro e da importância desse outro na nossa própria constituição, para o qual foi solicitada a colaboração da ADOTE.
Para ela, o transplante talvez seja a experiência mais radical dessa alteridade biológica. Quando se recebe um transplante ocorre, literalmente, uma in-corpo-ração do outro. O objetivo da tese é investigar como as pessoas transplantadas vivem as experiências de ter uma parte do outro no próprio corpo.
Alteridade, ou outridade, é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo indivíduo, como um ser social, interage e interdepende de outros indivíduos. Assim, ao invés de nos colocarmos frente ao outro como gostaríamos de ser tratados é a descoberta do outro que impõe a nossa conduta. Em outras palavras, não sou Eu frente aos Outros, mas sim os Outros sempre frente a Mim. A máxima "a minha liberdade termina quando começa a dos outros", fica sem sentido e dá lugar à proposta “a minha liberdade é garantida pela liberdade dos outros”.
Não existe mérito em tratar bem a quem nos trata bem. O mérito está em tratar bem a quem não nos trata bem. Numa relação alteritária abre-se a possibilidade de se estabelecer uma convivência solidária entre os divergentes, porque, nessa relação, em qualquer circunstância, nos colocamos no lugar do outro para compreendê-lo na sua integralidade, pois é como se fossemos o outro.
Hoje no Brasil, cerca de setenta mil pessoas esperam por transplantes e mais de metade daqueles que precisam de coração, fígado ou pulmão irá morrer sem doador. Enquanto isso órgãos são desprezados, porque os hospitais deixam de notificar, às Centrais de Transplante, as situações de morte encefálica, a condição que torna alguém potencial doador.
Na grande teia de vida da qual fazemos parte, em interação dinâmica com o contexto ecológico e social, não haverá saída nem para os transplantes nem para a humanidade se também desprezarmos a prática da alteridade.
Martin Luther King sintetizou essas idéias de forma bem mais simples: “ou aprendemos a viver como irmãos, ou vamos morrer juntos como idiotas”.
Volta
|
(c) 2007 F. N. de Assis
|