Arthur quer viver
Francisco Neto de Assis
Arthur é daquelas pessoas que nasceram para realizar algo. Com menos de um mês de vida mobilizou instituições poderosas como o Conselho Federal de Medicina (CFM), o Ministério da Saúde e até o Supremo Tribunal Federal. Tudo porque nasceu com uma malformação cardíaca impossível de ser corrigida por cirurgias convencionais, restando-lhe a alternativa de um transplante. Um doador compatível deve pesar entre 2,7 e 4,1 kg. É muito difícil uma criança desse biotipo morrer por causas externas – acidente, violência, etc. – e isso é muito bom. Uma chance pequena é a utilização do órgão de nenês anencéfalos. Começa aí, porém, um enredo repleto de circunstâncias exóticas e chocantes. A começar pela definição de anencefalia nos dicionários: monstuosidade consistente da falta de cérebro. E continua pelo excesso de legalismo na interpretação das situações do cotidiano envolvendo leis e ética.
A atual lei dos transplantes atribui ao CFM o poder de definir quem pode doador de órgãos. Isso foi feito considerando a perda das funções encefálicas equivalente à morte, conforme critérios aceitos pela comunidade científica e religiosa mundial, mas esses critérios não são válidos na primeira semana de vida. Com isso, os anencéfalos dificilmente são doadores de órgãos, quer porque raramente sobrevivem além de uma semana, quer porque não tem encéfalo não podendo ser submetidos aos critérios de morte encefálica. No ano passado, entretanto, o CFM levando em conta que para esses casos são desnecessários aqueles critérios decidiu, pela via ética, que os anencéfalos podem dispor de órgãos e tecidos viáveis para transplantes.
O Arthur conseguiu um doador anencéfalo, mas o coordenador do Sistema Nacional de Transplantes não autorizou a doação alegando questões legais. No dia seguinte, uma instância superior do Ministério da Saúde fez valer a resolução do CFM, mas aí surgiu outra questão: o doador pesava apenas 2,4 kg.
O drama de Arthur não é único. São mais de sessenta mil pessoas esperando por um transplante no país, dos quais cerca de oito mil esperam coração, fígado e pulmão. Metade destes vai conseguir um doador. Poderia ser mais se não fosse a falta de vontade e a aparente insensatez de alguns gestores da saúde. Tome-se, por exemplo: desde agosto de 2000 os hospitais integrantes da rede de assistência e emergência, ou com UTI, são obrigados a manterem atuante uma Comissão Intra-hospitalar de Transplante (CIT), responsável pela coordenação do processo doação-transplante no hospital. Entretanto, a CIT do maior hospital de emergência do nosso estado, a principal porta de entrada de potenciais doadores, na prática, não existe, embora esteja registrada no Ministério da Saúde para receber os incentivos que, caso contrário, não teria direito. Enquanto isso famílias inteiras vivem o drama da espera. São as famílias de Arthur, Jeferson, Afonso, Manoel, Clotilde, Maria Rita, Eduardo... São tantos... Qualquer nome colocado aqui se encaixa.
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(c) 2006 F. N. de Assis
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