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A vida é nossa?

Francisco Neto de Assis*

À Francine e Camila, cujos discursos inspiraram este artigo.

Recebi o título de bacharel em Engenharia Agronômica ao lado de 823 concluintes dos diversos cursos da Universidade de Brasília. Foi uma portentosa solenidade, realizada no Santuário Dom Bosco, muito formal, protocolar e sisuda. Quase nenhuma manifestação barulhenta, quer dos formandos, quer da assistência. Os cursos eram chamados em ordem alfabética e de cada um o paraninfo citava o nome dos formandos, na mesma ordem. No final apenas um dos paraninfos, representando todos, fez um discurso sem graça. E só. Duas horas e meia após o início, menos de dez segundos dedicados para cada um de nós, éramos todos vencedores de mais uma batalha. Mas isso foi há quase 35 anos, coisa do século passado, portanto. Muitos daqueles universitários são hoje apenas memórias nos quadros de formatura e essas, talvez, sejam as partes de nossas vidas que não morrem jamais.

De lá para cá tenho ido a poucas formaturas, a não ser de familiares e de amigos que têm cadeira cativa na galeria das nossas melhores amizades. Foi por isso, porque estava lá uma dessas amizades, que participei de uma há poucos dias. Eram 31 formandos das turmas diurna e noturna de um curso, que segundo o Ministério da Educação, mais da metade dos que iniciam desistem antes de terminar. Eram, portanto, 31 vitoriosos que gastaram o mesmo tempo daqueles de Brasília para receberem um canudo azul. Gastaram tanto tempo porque estavam vibrando, vários dançando ao som da música previamente escolhida e recebendo seus diplomas das mãos dos pais, ou dos filhos e namorados ou amantes, com muita emoção e barulho de verdadeiras torcidas organizadas com direito a sirenes, apitos, assobios e pipocar de balões estourados. Foi uma festa com belos e informais discursos cheios de graça. Todos, a seu modo, falando de vida e de lutas. Mudou o tom apenas quando uma das oradoras fez uma crítica necessária e oportuna a uma das prag

as que o governo introduziu nas universidades públicas: a figura do professor substituto. Outra oradora, no lugar do discurso protocolar, apresentou um vídeo tendo como pano de fundo, imagens selecionadas do filme O Gladiador e uma narração repleta de mensagens motivacionais, fazendo um paralelo entre o gladiador, um sobrevivente de batalhas, com as batalhas que travamos ao longo da nossa existência. Finalizou com um vibrante grito de a vitória é nossa. Para mim, não sei porque, o grito da Francine soou como a Vida é nossa!

A Vida é nossa? Se for não estamos fazendo a coisa certa. Pouco a pouco, com a nossa descabida tolerância à devastação ecológica, desigualdades sociais, violência urbana e à injustiça, estamos transformando-a em uma noite escura de alvorecer incerto.

Segundo a hipótese Gaia o homem, como outro organismo qualquer, é parte integrante de um todo onde tudo age interligado a tudo, incluindo o contexto sociológico e ambiental, em uma grande rede de relações da qual somos apenas um nó. A Terra seria um super sistema vivo com complexos mecanismos de auto-regulação, gerados e regulados pelos processos que propiciam as condições necessárias à Vida. Esse modo de se olhar para o nosso planeta, coloca a vida humana na condição passível de ser eliminada em favor da sobrevivência do todo. Citando Capra, a morte de organismos, portanto, não seria o oposto da Vida, mas um aspecto essencial dela. Neste sentido, a Vida não é nossa. Pertence à Gaia, embora sob os cuidados da Mente do Universo responsável pela dinâmica do cosmo inteiro.

Parafraseando Gonzaga Jr., “Isso não impede que eu repita. É a vida, e é bonita, e é bonita”.

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(c) 2006 F. N. de Assis