O carro popular, os transplantes e a Lei de Gerson
Quanto custa um transplante? A resposta definitiva para esta questão encontra-se na última linha deste texto. Viu? Pois é. A grande dificuldade em abordar este tema é porque estamos realmente falando de vida, e vida não é um produto com cotação de mercado. Contudo, como aquele pensador e estrategista inglês afirmou que "não existe jantar de graça" querendo enfatizar o aspecto que quase tudo tem um preço, (se você for mulher pense nisso quando um homem lhe convidar para jantar e vice-versa) é inevitável, por vezes necessário, falar-se sobre o assunto.
Considerando, então, apenas o lado mercantil da pergunta, a resposta poderia ser relacionada com a prestação dos serviços médico-hospitalares necessários para a realização de um transplante. Neste contexto, usando o CP (Carro Popular - sem os ítens de segurança e conforto que os fabricantes teimam em considerar como acessórios) como unidade monetária, pode-se dizer que um transplante renal custa um CP; dois a três CPs são pagos por um transplante de coração, pulmão ou fígado; é necessário um CP com três a quatro anos de uso para adquirir um de par de córneas. Mas se for o caso de um transplante de medula óssea é melhor esquecermos aquela BMW cinza prateada dos nossos sonhos.
Entretanto, não é possível falar em custo de um transplante referindo-se apenas ao período do ato cirúrgico. Quem chega a esta circunstância, em geral, já passou por uma longa fase de tratamentos convencionais com o dispêndio de uma pequena fortuna muitas vezes resultante da perda de patrimônio familiar. Passará, depois da cirurgia, a usar medicamentos caros pelo resto da vida que poderão consumir até um CP por ano. Mesmo assim, existem levantamentos bem elaborados - não aqui, mas no Canadá - mostrando que o custo social de manutenção de uma pessoa em hemodiálise é mais alto do que o de outra que se submeteu a um transplante renal. A economia proporcionada pelo último é da ordem de 145,7 mil dólares (aproximadamente 21CPs) em dez anos. Considere que uma pessoa com insuficiência renal crônica passa a maior parte do seu tempo útil (3 a 5 horas por dia, três vezes por semana) em um hospital, ligado a uma máquina, sob o risco de infecções de todos os tipos e de potenciais seqüelas. São seqüelas de natureza fís
ica, psicológica e social cujo custo é de difícil, se não impossível, avaliação.
É bom lembrarmos que mais de 95% dos transplantes são pagos pelo SUS com recursos extra-teto, ou seja, recursos especialmente destinados para o financiamento dessa terapia, além dos minguados valores regularmente encaminhados para os Estados e Municípios. No ano passado o SUS pagou quase 29 mil CPs pelos procedimentos de hemodiálise e apenas algo em torno 1,4 mil CPs pelos transplantes renais. Em algumas regiões, os recursos enviados pelo Fundo Nacional de Transplantes sobraram por insuficiência de atividade ou seja, por falta de doadores.
Nós podemos reverter esse quadro apenas dizendo em casa que somos doadores e pedindo para os familiares insistirem com os hospitais para que, quando necessário, repassem essa informação para uma Central de Transplante. Mesmo que tenhamos optado por ser "não doador de órgãos e tecidos" em nossa cédula de identidade ou carteira de motorista nós participamos do processo, já que os CPs gastos pelo SUS são nossos. Portanto, quer queira ou não, ou seja, sendo ou não doador, o seu CP está em jogo. Por quê, então, não aplicar a Lei de Gerson também nisso? Basta optar por ser doador. Ou voce vai deixar o seu CP como vantagem apenas para os outros? ADOTE A VIDA! SEJA DOADOR DE ÓRGÃOS!
Resposta: UMA VIDA.
Publicado no Jornal ADOTE atualidades
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