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DOE! A VIDA ESTÁ EM NOSSAS MÃOS

Uma caminhada de mil quilômetros, começa com o primeiro passo
(Provérbio chinês)



Quando um dos meus três filhos ficou doente, em outubro de 1994, estava saindo de uma pequena crise de depressão provocada por uma possível recidiva de um problema de saúde que começara em maio de 1991. Um teste de laboratório, realizado há cerca de sessenta dias, mostrara uma alteração, significativa em relação aos anteriores, da presença no sangue de um certo antígeno, o que levou o médico a sugerir uma série de exames complementares. Todos foram normais. Uma nova dosagem do antígeno, em um laboratório de referência, mostrou que a primeira, certamente, estava errada. Infelizmente isso ocorre com freqüência e em alguns casos pode provocar danos mais drásticos do que uma depressão passageira.

Vivia naquela época sob a expectativa da eventual volta daquela doença que muitas vezes não se cita o nome por causa do pavor que ela provoca em muitas pessoas. Sentia-me bem fisicamente, mas as palavras do médico com quem me tratara, em 1991, ainda estavam muito nítidas em minha mente. Quando me preparava para sair do hospital ele disse-me com muita franqueza: Olha, é aquilo mesmo que se suspeitava. Acredito que tiramos tudo, mas só posso dizer que você estará curado depois de cinco anos. Após esse tempo, a chance de você ter um problema semelhante é a mesma daqueles que nunca tiveram. Até lá, você terá que se submeter a controles freqüentes, pelo menos a cada seis meses e, inicialmente, a uma quimioterapia, mas não é uma quimioterapia com efeitos drásticos como queda de cabelo, por exemplo.

Cinco anos para mim tinha, então, um significado cabalístico. No primeiro dia após passado esse período estaria livre daquela doença. Era a esperança. Ainda faltavam quinhentos e oitenta e sete dias. Tinha quase certeza de que chegaria lá, mas aquilo me massacrava, apesar do esforço que fazia para ocupar-me com outras coisas. De repente, o meu filho adoece gravemente e passa trinta dias hospitalizado, quinze dos quais em uma UTI. Tem alta com um prognóstico incerto. A sua doença - miocardiopatia dilatada - exigiria um tratamento longo com resultados imprevisíveis. Pronto! A minha doença perdera a sua importância. Todas as preocupações foram carreadas para o Eduardo, então com onze anos.

Palavras como miocardite e miocardiopatia dilatada passaram então a fazer parte do meu vocabulário. O que significam? Quais as conseqüências dessas doenças? Como surgem? Por quê aparecem? Para quê aparecem? Novamente estava com uma porção de perguntas de natureza médica para as quais queria as melhores respostas. Respostas compreensíveis. Muitas perguntas, os médicos não respondiam ou por que não queriam, ou por acharem que nós não tínhamos condições de compreender ou, ainda, por que não sabiam como explicar.

Li e reli muita coisa a respeito dessa doença em livros de medicina até chegar a conclusão óbvia de que precisava de uma literatura menos técnica, onde os chavões médicos fossem substituídos por termos de compreensão mais ampla. Passei então a buscar informações na internet. Foram encontradas centenas de referências relacionadas com "dilated myocardiophaty". A maioria escrita numa linguagem, aparentemente, incompreensível para a maioria dos mortais e outras, muito informativas, destinadas para usuários comuns. Embora quase todas associassem "dilated myocardiophaty" com transplante, confesso que não dei a menor importância para aquilo. A despeito de saber da gravidade da doença do meu filho, transplante era um tratamento que, na minha imaginação, estaria fora de cogitação. Não aconteceria comigo, ou com alguém da minha família. Do contrário, os médicos já haviam nos alertado. Portanto, esse não seria o tratamento para o meu filho.

Acompanhei o Eduardo em quase todas as consultas. Quase sempre saía irritado com o aparente pouco caso que o médico dedicava às minhas perguntas. Posteriormente, ele explicou-me que todas as questões levantadas pelo próprio Eduardo seriam respondidas com franqueza. Se ele não perguntasse, provavelmente seria porque não queria saber. Logo, as minhas perguntas o colocavam numa situação incômoda. Depois desse entendimento, passamos a conversar por telefone, após as consultas.

Foi numa dessas conversas que lhe perguntei se havia algum tratamento cirúrgico para o problema do meu filho. Ele respondeu, que por ocasião da primeira hospitalização, havia sido considerada a indicação de um transplante, porém, como o quadro melhorara aquela alternativa fora descartada.

A simples menção dessa hipótese teve para mim um impacto muito forte. Embora estivesse sentado senti as pernas bambas. Era quase meia-noite. Tentei dormir com a esperança de que na manhã seguinte descobriria que tudo não passara de um sonho. Dormi pouco. Não sonhei. Tempos depois, no dia 14 de dezembro de 1997, Eduardo, então com 14 anos, efetivamente entrou na "fila" para um transplante e passou cento e sessenta e cinco dias esperando um coração.

Entrar em uma lista de espera por um transplante por si só é uma experiência repleta de sentimentos contraditórios, porque a nossa sobrevivência depende da morte de alguém. É extremamente angustiante torcer pela chegada do doador, de preferência jovem e saudável, sabendo-se que ele surgirá de circunstâncias trágicas, que envolvem o sofrimento de outras pessoas. No nosso caso, em particular, entrar na lista de espera talvez tenha sido mais angustiante, porque havíamos passado há poucos meses por uma experiência muito negativa relacionada com transplante.

Em fevereiro de 1997 um dos meus irmãos acidentou-se junto com a filha. Esta, poucas horas após ser atendida em um hospital, em Natal, recebeu o diagnóstico de morte encefálica. Carolina tinha apenas 16 anos. Os seus pais, sem vacilarem, manifestaram para os médicos assistentes e para a administração do hospital o desejo de doar os órgãos da filha. Agiram assim por duas razões. Em primeiro lugar, já haviam experimentado o drama da espera por um doador para um sobrinho que, portador de uma doença chamada Ceratocone, teve as córneas transplantadas, em 1983. Em segundo, acompanhavam com expectativa o caso do Eduardo e também sabiam que, provavelmente, ele entraria para a lista de espera. Quando chequei a Natal, três dias após o acidente, verifiquei que o hospital nada fizera com respeito à doação. Indagados, médicos e enfermeiros apenas diziam: "aqui ninguém não faz isso não". Por fim, quando uma central de transplantes foi informada, constatou-se que o aproveitamento dos órgãos já não era mais possível.

Desde que a hipótese do transplante foi considerada passei a consultar a Internet com mais freqüência. Reli os artigos sobre "dilated myocardiophaty" e só então dei importância para a sua relação com transplante. As buscas na internet com as palavras chaves "transplantes" e "doação de órgãos" retornavam poucas respostas. Sobre transplante de coração existia um site de uma instituição médica brasileira informando que nos próximos dias este assunto seria abordado "com muitas novidades para o público leigo". Esta informação continua lá até hoje. Foram então tentadas outras expressões: "transplant", "transplantation", "heart transplantation", "organ donation". O que se queria começou a aparecer. Por que não criar um "site"? Imaginava que, como nós, deveriam existir outras pessoas procurando esse tipo de informações. Mas tinha um grande constrangimento em tornar pública uma situação pessoal, além do receio de despertar em Eduardo possíveis expectativas falsas sobre a questão. Contudo, em março de 1998, ele deu o ponta-pé para essa iniciativa quando chegou em casa com um pequeno folheto distribuído pela Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, com algumas informações sobre a nova lei dos transplantes, que entrara em vigor em janeiro. Era um folheto contendo dez perguntas e respostas sobre o tema e com um apelo visual muito bem elaborado. A capa, de fundo na cor preta, era quase inteiramente ocupada pela frase "Não diga não à doação de órgãos e salve muitas vidas" abaixo da palavra DOE onde a letra "O" estava representada por uma âncora, o símbolo internacional de salvamento.

- Pai, quem sabe a gente manda fazer um adesivo. Acho que dá um adesivo bonito, não?

- Pois é! Pensei um pouco e a idéia do ""site" reapareceu de repente. Quem sabe a gente monta uma página na Internet? Tem mais alcance do que um adesivo.

- Por que não as duas coisas? Perguntouu ele.

- Vamos fazer a "homepage"?

- Então tá. Acho que o seu nome não podee aparecer. Pode ser interpretado como um apelo pessoal e não sei se isso é certo.

- Tudo bem. Não precisa.

No mesmo dia começamos. Depois de alguns dias, tínhamos uma "homepage" muito simples contendo, basicamente, as perguntas e respostas contidas naquele folheto acrescidas de "links" para outros "sites" no exterior. Foi lançada no dia 27 de abril de 1998, no endereço http://www.oocities.org/fnassis, com o título "DOE - Sobre transplantes no Brasil".

Poucos dias depois o Eduardo completou 15 anos. Estava, aparentemente, bem disposto, mas uma semana após teve que, novamente, ser hospitalizado. Não suportava mais esperar em casa.

O seu estado de saúde se agravava rapidamente. O aumento do volume cardíaco dificultava a respiração, em especial quando deitado. Por isso dormia muito pouco. Numa determinada noite, após longas caminhadas pelos corredores do hospital apresentou os primeiros sinais de desesperança no seguinte diálogo:

- Pai, será que vale a pena esperar por um transplante para viver mais dez ou doze anos?

Respondi, com franqueza:

- Olha, não temos como prever quanto temmpo vamos viver. Também não sei de onde você tirou essa informação, mas em dez ou doze anos muitas coisas podem acontecer. Novas alternativas de tratamento ou até mesmo um coração artificial. Além do mais, você viverá com muito melhor qualidade. Não nessa "eme" como estamos hoje.

- É, mas será uma vida muito limitada. NNão vou poder fazer muita coisa. Respondeu o Eduardo.

- Que tipo de limitação, por exemplo?

- Sei lá, mas não vou poder servir o exéército.

Embora tenha percebido que ele usou "servir o exército" como uma figura emblemática de prováveis limitações, respondi.

- Servir o Exército! Puxa cara, não vê qque o seu irmão está bolando mil artifícios para se livrar disso?

- Eu sei. Mas se quiser servir o Exércitto não vou poder.

- Quem sabe a gente resiste mais um poucco já que chegamos até aqui?

- Não sei, pai. Não agüento mais. O que estou sentindo é melhor morrer.

De fato, no dia seguinte ele partiu, deixando uma imensa e dolorosa saudade, agravada pela frustração de não ter conseguido um doador. Mas deixou também a herança da capacidade de resistir até o limite do possível com muito bom humor.

Qual das duas situações foi mais frustrante? A de não ter conseguido um doador para o meu filho ou a de não ter conseguido doar os órgãos da minha sobrinha? Certamente, a segunda, porque não fiz nada para procurar um doador, mas fiz o possível, o que dependia dos meus esforços, para doar os órgãos da Carolina, mesmo sabendo que o seu coração não seria para o Eduardo. Algum tempo depois, quando me deparei com a frase seguinte entendi com muita clareza o seu significado: "quando uma família tenta e não consegue doar os órgãos de alguém que lhe é caro, é como se ele morresse duas vezes. Uma, pelas mãos de Deus; outra pela ignorância". Carolina não teve a chance de proporcionar a sobrevivência de várias pessoas por causa da estúpida desinformação, agravada por uma evidente falta de boa vontade, dos profissionais e da instituição em que foi atendida.

Poucos dias após a partida do Eduardo o "site" DOE foi redesenhado e ampliado em homenagem à Carolina e Eduardo, como continua até hoje. É ainda o "site" com mais informações sobre o processo doação-transplante no Brasil. São as informações que procurava desde que me deparei com a questão. É mais visitado, em especial no período escolar. Por conta da sua repercussão, foi idealizada a ADOTE - Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos, fundada em 18 de novembro de 1998, após a constatação de que a principal barreira aos transplantes ainda é a falta de informação da sociedade em geral e, em especial, entre os profissionais de saúde.

A ADOTE foi criada com o apoio institucional da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) e de várias outras entidades como clubes de serviço (Lions e Rotary), Universidades, entidades de classe (OAB, CRM e Sindicato de Jornalistas). O objetivo era dar o máximo de visibilidade ao tema doação-transplante no sentido de conscientizar a população em geral sobre a importância, necessidade e responsabilidade humanitária da doação de órgãos. Para isso, se propunha a utilizar toda e qualquer mídia disponível. Foi feita uma ampla divulgação através de cartas, e-mail. Logo nos primeiros meses de funcionamento começou a receber convites para participação em eventos de grande porte como o Congresso da ABTO, em Belo Horizonte e o Congresso Internacional de Transplantes em Gramado.

Grupos de voluntários muito ativos começaram a ser formados em outras cidades, em nome da ADOTE. Alguns, após consolidados, decidiram criar outras organizações como a ADOVIDA, em Santa Maria e a VIA, em Porto Alegre. Em São Paulo, foi efetivamente instalada a primeira Seção Regional da ADOTE que funcionou por um ano. Atualmente, tem atuando uma Seção Regional em Passo Fundo e em fase de estudo para instalação, em Salvador, na Bahia.

Em abril de 1999 a ADOTE propôs à ABTO e SNT a realização da Semana Nacional de Doação de Órgãos. Uma parceria informal foi estabelecida em uma reunião em São Paulo na sede da ABTO. Posteriormente, alegando falta de recursos, o SNT desistiu da realização do evento e a ABTO, no mesmo ano, realizou a I Campanha Nacional de Doação de Órgãos, evento que se consolidou e encontra-se na terceira edição.

Outras iniciativas da ADOTE com o objetivo de promover a doação de órgãos: divulgação do tema na loteria federal do Brasil, já com três lançamentos; uso de cartões telefônicos através da Companhia Rio-grandense de Telecomunicação, em abril de 2000; emissão do primeiro selo brasileiro sobre o tema, em setembro de 2000; jornal "ADOTE atualidades", de periodicidade trimestral, lançado em 1999.

Em março de 1999 foi lançado o site oficial da ADOTE com um cadastro de doadores apoiado por várias personalidades formadoras de opinião. Esse cadastro recebe, em média, um novo nome a cada dia. É, certamente, o primeiro cadastro não oficial de doadores de órgãos no Brasil. O site também se dispõe a responder as questões dos usuários e, neste sentido, tornou-se referência para centenas de trabalhos escolares tanto do nível de ensino fundamental como universitário. São dezenas de monografias de conclusão de curso de graduação, nas diversas áreas de conhecimento, literalmente, orientadas pela ADOTE.

Em setembro de 2000, lançou o livro "Esperando um coração - Doação de Órgãos e Transplantes no Brasil" como mais uma alternativa de divulgação do tema. "Esperando um coração" é uma narrativa como esta, intercalada com quase todas as informações sobre o processo doação-transplante.

Pode-se dizer que ADOTE virou marca nacional como uma iniciativa da sociedade, formada por pessoas sem nenhum interesse imediato na questão, já que entre os seus membros poucos são profissionais de saúde, pacientes transplantados ou pessoas esperando um transplante.

Hoje, com menos de três anos de atividade, tem uma visão muito clara sobre a problemática dos transplantes no Brasil. A começar pelo fato de que existem poucas - se existem - situações mais angustiantes do que esperar por um transplante. A lista formada pelas pessoas que precisam de um transplante para voltar a ter uma vida normal, ou para sobreviverem, não pára de crescer. E cresce também, felizmente, a quantidade de doadores. Estima-se que no Brasil esse crescimento seja da ordem de 20% desde que entrou em vigor a atual "lei dos transplantes", como resultado de várias medidas do poder público no que se relaciona a organização do sistema de captação de órgãos, treinamento dos profissionais e financiamento dos procedimentos. Atualmente, entre oitenta e oitenta e cinco por cento dos transplantes são pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), através do Fundo Nacional de Transplante, constituído por um aporte de recursos extra-teto, ou seja, são recursos do SUS além daqueles, normalmente, destinados aos Estados e Municípios. Esse aparente privilégio concedido a uma terapia é necessário porque os transplantes constituem a única que depende da boa vontade da sociedade para que ela própria seja beneficiada. Por isso, todos os transplantes, sem exceção para os beneficiados, sejam eles ricos ou pobres, deveriam ser financiados pelo poder público. Este seria um critério de equidade, já proposto ao Ministério da Saúde que, certamente, aumentaria o número de doadores, porque acabaria de vez com a crença equivocada de uma parcela da população segundo a qual os ricos "furam a fila dos transplantes".

A despeito do mencionado crescimento do número de doadores, é preciso que esse número seja ainda maior, porque, como já foi dito, a "fila" de espera não pára de crescer. Existem pedras no caminho que retardam o crescimento do número de transplantes. A principal delas ainda é constituída pelos profissionais de saúde, que, em sua maioria, mesmo nos grande centros, desconhece os principais aspectos relacionados à sua legislação, organização e financiamento. Por um lado, a cada ano no Brasil seria possível a alocação de dez mil potenciais doadores, mas mesmo com notificação compulsória, menos de 40% dos diagnósticos de morte encefálica chega ao conhecimento das Centrais de Transplantes. Por outro, para uma importante parcela dos potenciais doadores as Centrais de Transplantes recebe um NÃO dos familiares.

Sub-notificação e negativa familiar são, portanto, os principais obstáculos no caminho dos transplantes. A sub-notificação talvez tenha raízes no processo de formação do profissional de saúde o que, aparentemente, fica evidenciado pela interpretação equivocada que se faz do critério de morte encefálica definido pelo Conselho Federal de Medicina. Para muitos o diagnóstico completo só é necessário quando o paciente é um potencial doador de órgãos, o que mostra uma contradição entre os critérios médico e legal de morte. Muitas equipes emitem um atestado de óbito somente após ou no momento da retirada dos órgãos para transplante, com uma defasagem que varia entre vinte e quatro e quarenta e oito horas após o paciente ter sido declarado morto do ponto de vista médico. Quando o processo de doação é abortado por alguma razão o atestado de óbito somente é emitido após a parada cardíaca, o que pode ocorrer vários dias após. Esse critério, inclusive, já foi objeto de parecer de um Conselho Regional de Medicina. Essas contradições geram insegurança quanto ao critério de morte encefálica e podem, potencialmente, provocar situações jurídicas no mínimo constrangedoras com reflexos negativos na disposição da sociedade para a doação.

No início de 2001 a ADOTE intensificou as suas atividades em uma região do Rio Grande do Sul. Além de uma campanha de esclarecimento público através da televisão, jornais e palestras em escolas e outros centros comunitários, foram desenvolvidas várias ações junto aos hospitais da região. O resultado positivo pôde ser avaliado pelo número de notificações, que nos seis primeiros meses, ultrapassou o número acumulado entre 1998 e 2000. É, entretanto, um resultado tímido em relação ao potencial, porque uma parte dos hospitais da região não dispõe da infra-estrutura suficiente para complementar o diagnóstico de morte encefálica, o que, muitas vezes, frustra famílias solidárias que tomaram a iniciativa de informar para os médicos a intenção de doar os órgãos de um ente querido.

Para tentar suprir essa deficiência de equipamentos médico-hospitalar a ADOTE está estabelecendo parcerias com clubes de serviços (Rotary e Lions) e sociedades médicas com o objetivo de captar recursos para essa finalidade.

Acredito na capacidade das organizações da sociedade civil de ajudar o poder público em diversas áreas de atividade, principalmente criando oportunidade para grupos de voluntários que querem exercer a sua cidadania. Acredito também que o aumento do número de doadores efetivos não depende apenas de leis e de financiamento. Depende de um intenso e contínuo trabalho de educação e informação de toda a sociedade, sem deixar de contar com o incentivo para atitudes de boa vontade de todos, em especial dos profissionais de saúde. Como disse John (da Banda Patofu) "é preciso entender que somos todos ao mesmo tempo "doadores" e "recebedores", ou melhor, talvez o tempo diga a cada um em que lado está. Vivemos, sim, num só mundo, e ele ainda não está pronto, vamos fazer de uma vez o que está ao alcance de todos". Neste sentido, ser doador é um ato de boa vontade que não significa apenas permitir que uma partes de nós, seja em vida ou depois da morte, passe a integrar o corpo de outros. É também doar as nossas aptidões pessoas e profissionais para tornar a vida - através dos transplantes - possível.

A pessoa que, consciente e espontaneamente, toma a decisão de doar uma parte do seu corpo em vida a uma outra pessoa querida, ou de destinar após a morte o seu coração, fígado, pulmão, rim para um desconhecido está praticando um ato de generosidade que transcende os limites do compromisso ou dever formal, que o filósofo Kant conceituou como "obrigação ativa". A obrigação ativa não implica na perda de liberdade de decisão, porque tem como pressuposto o livre arbítrio do doador. O ato de doação, em sua essência, é sustentado pela bondade, desprendimento, incondicionalidade, pela renúncia e, por vezes, pelo sacrifício e constitui-se, além disso, em atitudes emocionalmente prazerosas para o seu autor. Para Kant "a boa vontade não é boa pelo que possa fazer ou realizar, não é boa pela sua aptidão para alcançar o fim a que se propõe; é boa pelo querer, ou seja, é boa em si mesma. Considerada por si só, é, sem comparação, muito mais valiosa do que tudo o que poderia ser obtido por meio dela". Por isso, a doação no seu sentido mais amplo, constitui uma forma extraordinária de virtude pessoal e coletiva. Pratiquemos essa virtude! Doe! A vida está em nossas mãos.

Volta


(c) 2002 F. N. de Assis