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Dois gatos presos e uma pergunta sem resposta.

Francisco Neto de Assis

Não sendo especialista no assunto talvez seja ousadia de minha parte entrar numa discussão que daqui a muitos anos, possivelmente, continuará viva. Trata-se de opinar sobre a pergunta cuja resposta é crucial para a discriminalização do aborto e, em especial, para o uso de embriões humanos em pesquisa com células tronco que, por sua vez, tem reflexo no processo doação-transplante de órgãos: onde começa a vida?

Em primeiro lugar, parece-me que a busca por essa resposta se assemelha à caça a um gato preto em quarto escuro, de cuja existência não se tem certeza, embora vez por outra alguém diga que o encontrou.

O outro é o "gato de Schrödinger", que se refere ao paradoxo do experimento ilustrativo da relação entre interação e medida no campo da mecânica quântica: um sistema é constituído por um gato preso dentro de uma caixa contendo um átomo radioativo com a propriedade de emitir, ou não, uma partícula por hora, que pode quebrar uma frágil ampola de vidro contendo gás venenoso capaz de matar o gato. Ao cabo de uma hora, portanto, duas coisas podem acontecer: uma partícula é emitida e o gato morre, ou não ocorre emissão e o gato estará vivo. Embora isso só se poderá saber se a caixa for aberta, com base no formalismo quântico é possível descrever o que ocorre dentro da caixa, sem abri-la. O resultado, entretanto, é surpreendente. Por causa da possibilidade do emaranhamento entre dois corpos, prevista pela mecânica quântica, o gato estará vivo e morto.

Não existe outra maneira de avaliar o que aconteceu com o gato sem a realização de uma medida: abrir a caixa e olhar o seu interior. Em alguns casos o gato estará vivo e em outros, morto. Isso ocorre porque ao realizar a medida, o observador interage com o sistema e o altera, rompendo a superposição dos dois estados, que se estabiliza em um deles. Claro que o senso comum nos impede de ver o gato vivo e morto. Mas a mecânica quântica garante que, se a caixa não for aberta e o seu interior examinado, o gato se encontrará emaranhado nos dois estados possíveis: vivo e morto.

O "gato de Schrödinger" se refere a um dos aspectos mais singulares e misteriosos da mecânica quântica, ou seja, fenômenos quânticos necessitam, para ser avaliados, da consciência de um observador e são por ele influenciados.

Sem querer forçar uma analogia, a resposta à questão de base – onde começa a vida? – também será influenciada por quem responde. Não pode simplesmente ser resumida em decidir se determinado embrião humano é apenas um agrupamento amorfo de células, ou se já tem vida, enquanto observamos paraplégicos em cadeiras de rodas, tetraplégicos imobilizados em leitos hospitalares, cardiopatas incapacitados para os menores esforços, paralisados cerebrais, diantes da esperança de contar com terapias originadas das células-tronco embrionárias.

Do ponto de vista da ética utilitária a resposta parece simples. A vida começaria cada vez mais distante da nidação, porque atende a esperança daqueles com doenças incapacitantes e/ou degenerativas que se beneficiariam com os procedimentos terapêuticos derivados de pesquisas com essas células.

Do ponto de vista biológico, entretanto, a coisa não é tão simples porque entram em jogo outras questões capazes de desviar o foco da discussão. Juristas acreditam que a vida começa na fecundação. Os biólogos, com a formação do sistema nervoso central, o que ocorreria a partir do décimo quarto dia após a nidação, quando o embrião deixaria de ser apenas um conjunto estruturado de células. A partir desse ponto, ou seja, da presença das funções cerebrais – seria esse um cérebro pensante? – o tema da vida ao nível biológico se alinha com propostas de natureza jurídicas e filosóficas, que precisam ser consideradas. Este conceito de início da vida é interessante por ser simétrico com o de morte encefálica, já estabelecido do ponto de vista ético, moral e legal.

Apesar de ter contribuído para o nascimento da mecânica quântica, Einstein, para quem “de absoluto só a relatividade”, jamais aceitou sua interpretação probabilística, não gostava do “gato de Schrödinger” e dizia que “Deus não joga dados”. Ele disse também que as respostas de Deus são simples, nós é que não fazemos as perguntas certas. Por isso temos que insistir até acertarmos: onde começa a vida?

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