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ALIANÇA BRASILEIRA PELA DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS


Tenho insistindo com freqüência no tema doação de órgãos e transplante, com um elevado grau de dificuldade de ser impessoal. É difícil porque, por um lado, não há como livrar-se do sentimento de frustração provocado pela malsucedida tentativa de doar os órgãos de uma sobrinha com diagnóstico de morte encefálica. Por outro, é quase impossível preencher o vazio deixado pela perda de um filho de 15 anos em lista de espera por um transplante cardíaco, após ter recorrido a todos os recursos médicos disponíveis. Entrando no lugar comum das frases feitas, é como "morrer na praia" após nadar horas a fio e sem rumo em busca de salvação.

Estas duas situações, aparentemente pouco comuns, podem ocorrer a qualquer um de nós e, em grande parte, podem ser evitadas. É necessário apenas que busquemos formas de aprimorar a nossa participação nas práticas de transplantes, difundindo com todos os recursos de conscientização disponíveis e o significado humanitário da doação de órgãos. Ao mesmo tempo, promovendo e incentivando a contínua discussão do tema de forma clara e sem preconceitos e com respeito aos aspectos sociais, culturais e religiosas de cada um. Em outras palavras, é necessário que nos unamos em uma verdadeira aliança pela doação de órgãos e tecidos.

No Brasil, são realizados cerca de 1700 transplantes de órgãos por ano. Este número, indexado por milhão de população (pmp), para que se possam comparar países com população distintas, nos coloca em uma posição ridícula (3,2pmp), em relação ao Canadá (14,3pmp), Austrália (19,7pmp), Europa (27,3pmp) e EUA (33,5pmp).

Está em vigor desde o início deste ano a nova lei dos transplantes cujo texto inovador criou, entre outras regras, a lista única. É um critério que tende a acabar com o famigerado sistema de rodízio entre centros transplantadores que relegam ao segundo plano a gravidade do estado de saúde do paciente esperando por um órgão. Entretanto, o aspecto mais discutido dessa lei foi, e continua sendo, o critério da doação presumida. Isto significa que se não manifestarmos em vida desejo contrário, tornamo-nos automaticamente doadores ao morrer. Em tese, este critério torna mais fácil a obtenção dos órgãos necessários para atender a demanda, porque elimina um dos obstáculos à doação. Mas será que o Estado tem o direito de declarar-se responsável pelos nossos órgãos após a morte se não cuidou adequadamente do nosso corpo em vida? Talvez esteja aí uma possível explicação para o fato de uma parte da população ter pago para escrever em seus documentos a frase "não doador de órgãos e tecidos".

A demanda por órgãos para transplantes, em qualquer lugar e, em especial, aqui, supera em muito a oferta. Córneas, rins, fígado, pulmões, pâncreas e coração de pacientes com morte encefálica, que poderiam prolongar e/ou melhorar a vida de outras pessoas, promovendo a felicidade de muitos, são perdidos com muita freqüência ora por causa de preconceitos dos familiares, ora pela aparente má vontade de muitos hospitais em notificar os casos de existência de um potencial doador.

Do lado dos hospitais, principalmente daqueles de pequeno porte, pesa o lado mercantil. Até o final de julho passado, as custas de manutenção de um paciente com morte cerebral, com doação consentida, até que fossem cumpridas todas as rotinas para o transplante, eram de inteira responsabilidade do próprio hospital. Como não havia nenhuma forma de pagamento por estas despesas, relativamente altas, o melhor mesmo era não notificar. No início de agosto passado, o Ministério da Saúde estabeleceu os valores (DOU de 5/8/98 pág. 55) e a forma de pagamento para estes procedimentos. Desta maneira, nenhum hospital tem motivos para negar o desejo dos familiares em doar os órgãos de um ente querido.

Do lado dos familiares, não existe motivo justificável para dizer não à doação, exceto alguns mitos e conceitos interpretados incorretamente. Para algumas pessoas, existe o temor infundado de que a morte seja abreviada para a retirada dos órgãos, ou que os mesmos sejam negociados num imaginário mercado negro. Outras, por causa de conceitos religiosos malformados, imaginam ser necessário um corpo orgânico para chegar à vida na eternidade. Para estas é bom que se diga que todas as religiões encorajam a doação de órgãos e tecidos como uma atitude de preservação da vida e um ato caridoso de amor ao próximo e de decisão pessoal. Até mesmo para as Testemunhas de Jeová, para quem a transfusão de sangue, por exemplo, não é admissível, a doação de órgãos e tecidos, desde que limpos de sangue, é permitida.

Doar os órgãos de um familiar que teve uma morte trágica e repentina é realmente uma decisão difícil. Afinal de contas, ele está ali com o coração batendo, mesmo com a ajuda de máquinas. Infelizmente não há volta e quase todas as famílias que perderam um ente querido nessas condições sentiram-se mais confortadas após a decisão de doar.

Mas é bom que se saiba que é igualmente sofrida a posição de um candidato à transplante e de seus familiares. É praticamente impossível descrever todos os sentimentos envolvidos quando se sabe que a única alternativa de sobrevivência é o aparecimento de um doador. É extremamente angustiante torcer para que ele apareça, de preferência jovem e saudável, sabendo-se que ele virá de circunstâncias trágicas que envolve o sofrimento de muitas outras pessoas.

Com a missão de esclarecer, orientar e conscientizar a população em geral para a importância, a necessidade e a responsabilidade da doação de órgãos e tecidos e viabilizar apoio material, psicológico e jurídico, tanto aos familiares como às pessoas em lista de espera ou portadoras de transplante, está sendo criada a Aliança brasileira pela Doação de Órgãos e TEcidos - ADOTE, uma organização não governamental - sem fins lucrativos - que congrega voluntários de todas as religiões, ideologias e profissões interessadas em aprimorar a prática dos transplantes no Brasil.

A ADOTE está sendo fundada aqui em Pelotas, hoje às 20 horas, em uma assembléia que será realizada no auditório do Colégio São José. Em dezembro, será instalada a primeira seção regional, em São Paulo, com o apoio do Movimento de Cidadania dos Empregados da Caixa Econômica Federal.

Participe! ADOTE-se como voluntário! Você pode ajudar a salvar vidas.

Diário Popular, 20 de novembro de 1998

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