Gaúcho é o primeiro brasileiro a receber órgão artificial,
movido a bateria, dentro do peito
Cristine Prestes
Copyright (c) 1999, Abril S.A.
Veja
28 de julho de 1999.
Eloi, o médico Nesralla e a radiografia com o coração elétrico já implantado
Fotos: Liane Neves

O pedreiro Dionísio Eloi, de 48 anos, ficou internado três semanas no
Instituto de Cardiologia, em Porto Alegre. Vítima de miocardiopatia, doença
em que o coração aumenta de tamanho, perde a força de contração e não
consegue bombear o sangue para o resto do corpo, o gaúcho esperava por
um transplante. No domingo 18, à noite, teve uma crise e quase morreu.
Na segunda-feira, logo cedo, uma equipe de cinco cirurgiões, uma cardiologista,
um anestesista e três enfermeiras salvou-lhe a vida com uma cirurgia inédita
no Brasil. Eloi recebeu um coração artificial elétrico. Passou o resto
da semana internado, com uma estranha parafernália no peito, mas se recuperando
bem da operação.
O coração artificial elétrico colocado em Eloi começou a ser desenvolvido
há quatro anos nos Estados Unidos e já é usado por cerca de 500 pessoas.
O conjunto, chamado de Heartmate, é formado por três peças principais.
A mais importante é uma bolsa redonda com 1,2 quilo, 12 centímetros de
diâmetro e 3 centímetros de espessura, feita de titânio -
um metal branco-prateado, leve e resistente. Colocada no peito do paciente
abaixo do coração e acima do abdome, a peça de metal tem um diafragma
interno que sobe e desce em movimentos constantes a fim de bombear o sangue
com força suficiente para que ele entre no coração natural e saia para
os outros órgãos, pela artéria aorta (veja quadro).
Além dos dois tubos que se ligam ao ventrículo esquerdo e à aorta, o
coração artificial tem um terceiro, de 3 milímetros de diâmetro e feito
de material biológico, que sai do corpo pelo abdome. Por ele passam fios
elétricos que se conectam ao sistema de controle do Heartmate, uma caixa
branca do tamanho de um walkman. Essa caixa está ligada a uma bateria
(pouco maior que as usadas em aparelhos celulares), sustentada junto do
corpo por uma bolsa a tiracolo. A bateria, que dura oito horas e é recarregável,
gera e transmite a energia elétrica necessária para que o coração de metal
bombeie sangue. "O Heartmate é como uma extensão do coração",
explica o cirurgião Ivo Nesralla, chefe da equipe que operou Eloi. "Ele
comanda a circulação do sangue."
Desde 1993, cinco pacientes brasileiros receberam coração artificial.
A diferença do Heartmate é ser o primeiro movido apenas a bateria e colocado
dentro do corpo do paciente. Os anteriores são equipamentos pneumáticos
ligados à energia elétrica. O sangue não passa por eles. Sua função é
bombear ar para o coração natural e, com essa pressão, ajudá-lo a fazer
o sangue circular. O acionador, do tamanho de um computador portátil,
é transportado em um carrinho. A bateria não pode ser retirada e precisa
ser recarregada na tomada, o que limita a movimentação do paciente. Além
desse incômodo, o material empregado nos tubos pode causar problemas de
coagulação do sangue, o que reduz o tempo de uso. Dos cinco brasileiros
que receberam esse aparelho, quatro morreram. O único sobrevivente utilizou-o
apenas por cinco dias, até conseguir um coração transplantado.
Preço alto - O Heartmate tem inúmeras
vantagens sobre os equipamentos usados até agora. Permite que o paciente
se mova livremente, trabalhe e até faça esportes, já que a bateria pode
ser trocada e é recarregável. O problema da coagulação foi resolvido com
a colocação, em seu interior, de uma composição de partículas de titânio
com material biológico, chamada de fator de crescimento indutelial. Essa
mistura faz com que o aparelho crie, em 48 horas, uma camada de células
que impede a coagulação, como a existente dentro do coração natural. "O
tempo de uso é ilimitado", diz Nesralla. "A pessoa pode ficar
com o coração elétrico até encontrar um doador, ou para sempre, se quiser."
A taxa de sobrevida é a mesma de um transplantado: 90% em um ano. O principal
inconveniente é o preço. Só o aparelho, sem a cirurgia, custa 65
dólares, preço de um bom apartamento de dois dormitórios. O gaúcho Dionísio
Eloi foi operado pelo SUS e o coração artificial, doado por empresas.
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