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Nem oito nem seiscentos

Francisco Neto de Assis

Matéria da edição de 06/04/07 deste jornal (HUSFP registra a primeira doação de córneas) contém duas frases que merecem alguma reflexão, porque mimetizam uma situação que precisa ser esclarecida.

A primeira, segundo a qual “ainda falta consciência por parte da população a respeito da doação de órgãos”, diz respeito à participação popular no processo doação-transplante.

É verdade que parte da população não doa. Entretanto, no caso de doação de órgãos sólidos, que exige o critério de morte encefálica, mais de 70% das famílias com um ente querido nestas circunstâncias, quando interpelada, doam os seus órgãos. Por razões ainda não bem explicadas a negativa para doação de tecidos como córneas, cujo doador pode está com coração parado, desde que há menos de seis horas, é maior, mas pelo menos 50% das famílias autorizam a doação. O que é necessário é que essas famílias sejam entrevistadas com o objetivo de lhes oferecer a possibilidade de doação. Isso não tem acontecido em mais da metade das situações de morte encefálica e em mais de 95% dos casos possíveis de doação de córneas.

O Conselho Municipal de Saúde de Pelotas, órgão que representa a instância máxima do controle social do SUS no âmbito do Município, realizou um levantamento no registro de declaração de óbitos que ocorrem nos hospitais locais e demonstrou que é possível oferecer a possibilidade de doar córneas a pelo menos seiscentas famílias por ano. Foram consideradas apenas aquelas pessoas com idade entre quatro e 64 anos, livres de neoplasias e de doenças infecciosas e parasitárias. É bom lembrar que nem todos os tipos dessas doenças invalidam a doação de córneas.

O hospital detentor do único Banco de Olhos do extremo sul do país conta com três médicos credenciados para a retirada de córneas e a realização de transplante desde 29 de dezembro de 2005, mas até o momento não se dignou a iniciar o processo. A única córnea que a Central de Transplantes destinou para essa equipe foi levada para a Santa Casa de Porto Alegre e pacientes que necessitam desse procedimento, atendidos por esses profissionais no ambulatório da Faculdade de Medicina, também são encaminhados para equipes de Porto Alegre. Enquanto isso, uma estrutura montada com recursos da ordem de cinqüenta mil dólares, doados por organização do terceiro setor, corre o risco de mofar por falta de uso.

Com respeito a primeira frase, portanto, o correto seria dizer que ainda falta consciência por parte dos profissionais de saúde a respeito da doação de órgãos.

A segunda frase - “com quatro doações de córneas em menos de quatro meses, a expectativa é que este ano seja um ano de bons resultados” - também encerra essa constatação porque gera uma esperança de pífios resultados. Nos últimos doze meses foram identificados apenas oito doadores diante do universo de 600 possíveis.

Se essas famílias fossem entrevistadas como manda a lei e apenas metade dissesse sim à doação seriam 25 possíveis doadores por mês. Nesse ritmo a fila de espera para essa modalidade de transplante, que no Rio Grande do Sul conta com cerca de mil pessoas, terminaria em vinte meses.

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(c) 2007 F. N. de Assis