intro.gif (2169 bytes)

Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso

 

or_bar.gif (1182 bytes)

 

A ESPANHA ISLÂMICA

 

l_brown.gif (101 bytes)

 

A islamização e arabização da região de Al-Andalus (denominação árabe da Espanha muçulmana) foram processos longos e complicados. As primeiras incursões militares árabes à região, entre 642 e 669, partiram do Egito e ocorreram mais por iniciativas locais do que propriamente por uma estratégia do califado central.  No entanto, quando a sede do califado transferiu-se de Medina para Damasco, os omíadas reconheceram a importância de dominar o Mediterrâneo, o que exigia um esforço militar conjunto sobre o norte da África. Em 670, um exército árabe, chefiado por Uqba ibn Nafi, fundou a cidade de Al-Cairouan, cerca de 160 km ao  sul do que hoje é a cidade de Túnis, que passou a servir de base para operações militares mais distantes.

No ano de 711, Tarik ibn Ziyad, um general liberto e governador da faixa ocidental do Magrebe (atual norte do Marrocos), venceu o visigodo Rodrigo, rei de Espanha. Chefiando um exército de 7.000 homens, e contando com o auxílio de convertidos bérberes, ele atravessou o Estreito e desembarcou junto a um enorme rochedo, que tomou o nome de Jabal-i-Tariq (Monte de Tariq), mais tarde ocidentalizado para Gibraltar. Em 712, uma nova leva de árabes chegou à região, quando grande parte da Espanha central, Portugal e partes da Itália já tinham sido ocupadas. Seguiram-se as conquistas de Medina, Sidônia, Sevilha e Mérida. Os árabes estabeleceram uma nova capital em Córdoba, às margens do rio Guadalquivir, o que garantia água suficiente para a produção agrícola, que se desenvolveu graças às novas técnicas introduzidas por eles.

tariq11.jpg (6146 bytes)

Marco erigido em comemoração a Tariq

O geógrafo árabe Ibn Haukal Annassibi, ao visitar a Andaluzia, referiu-se à região nos seguintes termos: "Andalus é uma ilha extensa, medindo um pouco menos de um mês de marcha, de comprimento, e vinte e tantos dias de largura. É rica em rios e mananciais, é repleta de árvores e plantas de todo feitio e é suprida com tudo que acrescente conforto à vida; os escravos são gentis e podem ser encontrados por um preço acessível por conta de sua grande quantidade; a comida é excessivamente farta e barata, devido também à fertilidade da terra, que rende toda a espécie de grãos, vegetais e frutas, assim como à quantidade e qualidade de suas pastagens, nas quais inúmeros rebanhos pastam..." .

Prosseguindo em direção norte, os muçulmanos chegaram até a cidade de Tours, na França central, onde foram derrotados pelos francos em 732. A expansão muçulmana tinha alcançado seu ponto máximo no ocidente e as conquistas praticamente cessaram a partir daí.

A expansão do Islam entre os bérberes não garantiu o apoio deles para o califado. As constantes mudanças promovidas pelo califado central traziam insegurança e instabilidade. Além disso, haviam diversas tribos que tinham os seus próprios interesses e faziam alianças locais e regionais. A Andaluzia era uma mistura de etnias e culturas, onde conviviam árabes, que formavam a aristocracia, bérberes, que eram considerados uma classe inferior, mossárabes, habitantes da península que mantiveram o credo cristão, os mualadíes, filhos de mães escravas habitantes da península e que se converteram ao Islam, judeus e escravos. Mossárabes e mualadíes reivindicavam igualdade de condições e direitos com os árabes. Árabes e bérberes não se entendiam e já não estavam mais unidos como antes. Os árabes oneraram os bérberes com pesados impostos e tratavam os convertidos como muçulmanos de segunda classe. Em decorrência, em 739-740, a insatisfação generalizada transformou-se em revolta aberta sob a bandeira do Islam carijita. Os carijitas, que tinham discordado de 'Ali, o quarto califa, e que tinham lutado contra o governo omíada do Oriente, conseguiram a adesão dos bérberes, que se sentiram atraídos pelos preceitos igualitários da seita. Por exemplo, contra a sucessão hereditária implantada pelos omíadas, os carijitas defendiam que qualquer muçulmano idôneo podia ser eleito califa, independentemente de raça, posição ou de possíveis laços familiares com o Profeta Mohammad. Após a revolta, os carijitas estabeleceram uma série de pequenos reinos tribais teocráticos, muitos dos quais tiveram histórias breves e problemáticas.

OS OMÍADAS NA ANDALUZIA

O fim da dinastia omíada e a chegada ao poder da dinastia abássida, em 750, deu início a um dos mais importantes capítulos da história islâmica. Lá, em Al-Andalus, foi construída uma civilização em muito superior a qualquer outra até então conhecida.

Durante a revolução abássida em Damasco, Abdul Rahman, neto de um ex-califa omíada, conseguiu escapar para a Espanha, e, auxiliado pelos árabes fiéis aos omíadas, tomou Córdoba e assumiu o título de emir (príncipe), declarando-se independente do califado central, muito embora reconhecesse a soberania religiosa do califa. Em Córdoba, estabeleceu seu próprio califado em nome dos omíadas e a dinastia manteve o controle da Espanha por 300 anos, até que os bérberes almorávidas, vindos do norte da África, tomassem o poder no século XI. Abdul Rahman foi o responsável pela construção de canais e pelo desenvolvimento de um sistema de irrigação que tornou a terra mais fértil e produtiva. Fundou universidades em Córdoba, Sevilha e Toledo, que nos séculos seguintes foram centros de referência para muçulmanos e não muçulmanos de toda a Europa. Iniciou também a construção da grande Mesquita de Córdoba, uma das maravilhas da arte mourisca.

Cordoba.GIF (81496 bytes)

A Grande Mesquita de Córdoba

Foi com Abdul Rahman III que se deu a ruptura definitiva com o califado central. Ele se declarou califa, tornando-se independente da autoridade religiosa do Oriente. Esta foi a primeira instância regional de separação do califado abássida. Não obstante as inúmeras tentativas para retomar o controle da Espanha, os abássidas jamais conseguiram restabelecer a unidade com o califado central. A Espanha permaneceu sob o governo de dinastias locais até a completa rendição aos reis católicos, no final do século XV.

A proclamação do califado teve um duplo objetivo. Internamente, os omíadas fortaleceram o reino peninsular, e externamente consolidaram as rotas comerciais do Mediterrâneo, garantiram uma relação com Bizâncio oriental e asseguraram o suprimento de ouro. Em meados do século X, eles controlavam o triângulo formado pela Argélia, Sijilmasa e Atlântico. A hegemonia política de Al-Andalus também se estendeu até a Europa ocidental e o império germano-romano estabeleceu relações diplomáticas com o califado de Córdoba. Os pequenos fortes cristãos do norte da península acabaram reconhecendo e aceitando a superioridade do califado.

As bases do poder andaluz estavam assentadas na extraordinária capacidade econômica proveniente de um comércio importante, uma indústria desenvolvida e um conhecimento agrícola revolucionário para a época. A economia baseava-se na moeda e a emissão de dinheiro desempenhou um papel fundamental para o esplendor financeiro. A moeda de ouro de Córdoba tornou-se a moeda principal do período. O califado de Córdoba foi a primeira economia urbana e comercial que floresceu na Europa, depois do desaparecimento do império romano.

Espanha2.jpg (7823 bytes)

Califado de Córdoba

No século XI começaram a surgir os primeiros focos de resistência cristã e o exército cristão, liderado por Alfonso VI, retomou Toledo. Iniciava-se a Reconquista Espanhola, que evidenciou a causa maior que iria determinar o fim desse período refinado e de grande esplendor: a inabilidade dos inúmeros governantes da Espanha islâmica em manter uma unidade política. Quando os reis cristãos começaram a representar uma ameaça real para os domínios islâmicos, os governantes muçulmanos pediram auxílio aos almorávidas, uma dinastia bérbere do norte da África. Os almorávidas atenderam ao chamado e acabaram com a revolta cristã, mas, em contrapartida, tomaram o poder para eles.

OS ALMORÁVIDAS NA ANDALUZIA

A realidade de um poder enfraquecido, às voltas com constantes insurreições, facilitou o surgimento de uma série de pequenos reinos. Esses estados variavam  em extensão, recursos e poder. Por todo o século XI,  cada um deles tentava, à sua maneira, manter   independência em relação aos estados rivais.  Os mais poderosos eram os de Toledo, Sevilha, Badajós e  Granada.

Espanha3.jpg (8201 bytes)

Pequenos reinos de "taifas"

Em 1036, um líder de uma das tribos bérberes  que controlavam o Sahara ocidental, fez a peregrinação a Meca. Impressionado com o desconhecimento de seu povo sobre a doutrina islâmica, mandou vir um teólogo, de nome Abdallah ibn Yasin, para ensinar o Islam aos bérberes.

Abdallah ibn Yasin encontrou um povo na maior parte analfabeto e com total desconhecimento da tradição e ensinamentos islâmicos. Os  bérberes, de início, resistiram aos ensinos de Ibn Yasin, mas, com o tempo, aderiram ao Islam ortodoxo. Os seguidores bérberes de Ibn Yasin ficaram   conhecidos como al-Murabitun, "o povo dos monastérios" e na historiografia ocidental como os almorávidas. Eles acreditavam firmemente nos ensinamentos islâmicos de Ibn Yasin sobre o jihad contra  não muçulmanos.    A meta inicial dos almorávidas era a de estabelecer uma comunidade política,  na qual os princípios islâmicos pudessem ser aplicados.

Em  1055, eles capturaram os dois mais importantes   centros do comércio de ouro trans-sahariano, Sijilmasa e Awdaghust. Fundaram a cidade de Marrakesh, que passou a ser a capital do reino almorávida. A morte de Ibn Yasin não os fez parar. Um seguidor de nome Abu Bakr, tomou para si o manto da liderança e, até sua morte, dedicou-se à conquista contínua da região noroeste da África.

O IMPÉRIO ALMORÁVIDA NO MAGREBE

1055 - 1157

carte06.gif (8622 bytes)

   leg62.gif (125 bytes) - A marcha dos Almorávidas - Fonteira leste do território almorávida

Em 1083, os almorávidas controlavam a região que ia do Marrocos até a Argélia. Tendo Marrakesh como sua capital, eles exerciam  uma forte influência religiosa e  detinham o   controle do comércio de ouro da região. Em 1087, um primo de Abu Bakr, Yusuf ibn Tashfin, tornou-se o líder do ramo norte dos almorávidas e  conquistou Ceuta, ao longo do Estreito de Gilbratar.

Na península  ibérica,   Alfonso VI  retomava a cidade muçulmana de Toledo. O governante muçulmano de Sevilha, sentindo-se ameaçado, pediu aos almorávidas ajuda e o exército de Ibn Tashfin cruzou o Estreito,  derrotou Alfonso VI  e retornou ao Marrocos.  As   vitórias na Espanha estimularam Ibn Tashfim a cruzar   o Estreito de novo. Mas, dessa vez, ele e seu exército submeteram os aliados muçulmanos. Os almorávidas anexaram toda a Espanha muçulmana, estendendo seu vasto império desde o rio Senegal até o rio Ebro, e a Andaluzia se transformou numa simples província do Marrocos.   No entanto, essa unificação política não durou muito.   Dificuldades econômicas, inquietação social e os pogroms contra as comunidades   judaica e cristã,  acabaram por gerar uma série de revoltas.

Por fim, o enorme tamanho do império almorávida,  a devoção religiosa e a unidade que formavam as bases desse império, determinaram sua queda. Uma administração fraca acabou gerando abusos de toda espécie. Os bérberes do norte da África  se uniram  e declararam o jihad contra   os almorávidas,  a quem  acusavam de corrupção e opressão. Esses novos guerreiros, os almoadas, xiítas bérberes, sitiaram Marrakesh e rapidamente passaram a controlar toda  a Espanha muçulmana,   terminando com o domínio almorávida.

OS ALMOADAS NA ANDALUZIA

Os almoadas invadiram a península e reconstruíram pela segunda vez a unidade andaluza, tornando-a independente do Marrocos.  Também  foram bem sucedidos em  suas tentativas de conter o avanço cristão.  Foram os responsáveis pela maior vitória militar contra o rei de Castela, em Alarcos.

Sob a dinastia almoada o comércio andaluz floresceu e Sevilha tornou-se a capital do mundo islâmico ocidental.   No entanto,   o fanatismo religioso e a intolerância incondicional trouxeram insatisfação à população. Averróes, o famoso filósofo, teve seus livros queimados e não fosse a iniciativa de seus discípulos em preservar sua obra, muito teria sido perdido.

Enquanto isso, Castela,   Navarra e Aragão uniam-se  contra  os   almoadas,  que foram derrotados na batalha decisiva de Al Uqab. Esta vitória garantiu aos cristãos passagem pelo rio Guadalquivir.

Em 1224, pela terceira vez a Andaluzia sofreu mais uma fragmentação política. Foram instalados uma série de pequenos reinos "taifas", onde predominavam as tensões e lutas internas que viriam a enfraquecer definitivamente a Andaluzia, frustrando qualquer tentativa de impedir o avanço cristão.

As sucessivas conquistas alcançadas por Castela e Aragão reduziram a Espanha muçulmana aos domínios de Granada. Como um estado vassalo de Castela, a dinastia nasrida de Granada administrou o reino por cerca de dois séculos e meio. Embora sua importância política fosse pequena no comércio e nas artes, o califado de  Granada alcançou grande  prestígio. Finalmente,  em 1492 ,   os reis católicos sitiaram a cidade de Granada,  cumprindo o último estágio da Reconquista Espanhola e pondo um fim ao domínio muçulmano na península.

ESPANHA MUÇULMANA

Espanha4.jpg (18921 bytes)

Períodos almorávida e almoada

                                                  leg61.gif (112 bytes) Limite máximo da expansão almoada
                                                  leg82.gif (126 bytes) Limite máximo da expansão almorávida
                                                  leg83.gif (68 bytes) Território muçulmano ao final dos almoadas

 

CONTRIBUIÇÕES DA ESPANHA ISLÂMICA

Para a civilização ocidental, as contribuições da Espanha islâmica foram de valor inestimável. Quando os muçulmanos entraram no sul da Espanha, os bárbaros do norte tinham devastado grande parte da Europa, a civilização clássica greco-romana tinha desaparecido e a Europa vivia um longo período de trevas imposto pela Igreja. Os muçulmanos da Espanha construíram uma civilização e produziram uma cultura que foi a mais sofisticada durante a Idade Média. A Espanha islâmica foi a ponte pela qual todo o legado científico, tecnológico e filosófico da antiguidade, dos abássidas e da própria cultura islâmica, foi passado para a Europa. Um tesouro que ficou materializado em obras que tornaram-se fontes inesgotáveis de conhecimento e aprendizado dos europeus por muitos séculos.

No primeiro século de governo muçulmano, a cultura foi fortemente influenciada pela  próspera civilização que se desenvolveu em Bagdá, sob a égide dos abássidas. Mas foi no século X, durante o reinado de Abdul Rahman III (912-961), que a Espanha islâmica atingiu o seu apogeu e começou a apresentar suas próprias realizações. O comércio e a agricultura progrediram, as artes e as ciências tiveram grande estímulo por parte do estado e Córdoba tornou-se a mais sofisticada cidade européia. Abdul Rahman III, um apaixonado pela religião e pelas ciências seculares, estava determinado a mostrar ao mundo que sua corte em Córdoba igualava-se em grandeza à dos califas de Bagdá. Sem poupar esforços, tempo ou dinheiro, ele importou livros de Bagdá e recrutou sábios, poetas, filósofos, historiadores e músicos, e todos acorreram a Al-Andalus em busca de espaço para expressarem seus talentos. Ele construiu uma infra-estrutura composta de bibliotecas, hospitais, instituições de pesquisa e centros de estudos islâmicos, criando a tradição intelectual e o sistema educacional que tornariam a Espanha um centro de referência pelos quatro séculos seguintes.

No século X, Córdoba podia orgulhar-se de ter uma população de mais de 500.000 habitantes. A cidade possuía 700 mesquitas, perto de 60.000 palácios e 70 bibliotecas, sendo que uma delas abrigava 500.000 manuscritos e uma equipe de pesquisadores, tradutores e encadernadores. Córdoba também possuía 900 casas de banho e foi a primeira cidade européia a ter suas ruas iluminadas. Madinat al-Zahra, a residência do califa, era um complexo de mármore, estuque, marfim e ônix e foi considerada, até ser destruída no século XI, uma das maravilhas da época.

O interesse pelas ciências da natureza começou a ser desenvolvido em Al-Andalus a partir do século XI. Os sábios muçulmanos entendiam que o conhecimento da natureza era uma forma de elevação a Deus. Os estudos iam da física à música, então considerada um ramo da teoria matemática, passando pela botânica, zoologia, astronomia, geografia, história, e, sobretudo, filosofia e medicina. Enquanto a Europa mergulhava em completa escuridão, o mundo muçulmano entrava em sua fase mais brilhante, que ficou conhecida como a Idade de Ouro do Islam. Trabalhos de filósofos e médicos gregos foram traduzidos para o árabe, e depois para o latim, e livros sobre medicina e oftalmologia foram adotados pelas universidades européias até o século XVI. Mas, foi no campo da matemática que eles se sobressaíram. Inventaram a álgebra, a trigonometria, os logarítmos e os cálculos trigonométricos, o seno e o coseno, tangente e cotangente, que abriram caminho para a ciência moderna.

Além das realizações nos campos da matemática, economia, medicina, botânica, geografia, história e filosofia, Al-Andalus também desenvolveu e aplicou importantes inovações tecnológicas: o moinho de vento e as novas técnicas  para o trabalho em metal, tecelagem e construção, a cartografia e a confecção de instrumentos de navegação que possiblitariam as grandes navegações por espanhóis e portugueses, no final do século XV e início do século XVI.

 

back1.gif (279 bytes)


home.gif (396 bytes)