Davas-me tantos deuses, dantes,
Que eu podia escolher,
Enchendo os meus instantes
Com deuses a odular, com deuses a ofender.

Fundiste os deuses todos em só Um
Que tudo encheu de tal presença
Que a hora mais comum
Me ressoava imensa.

Mataste-O, como se não fora
Mais que um mortal igual a ti!
Achavas que, liberto, eu cresceria agora,
Como, afinal, cresci.

Cresci, mas para os lados;
Mas para os lados não havia nada
Mais do que muros derrubados,
Cascalho e pó na erma estrada.

Gerei-me acorrentado ao mais do que eu!
Por que teimas livrar-me da prisão
Se a liberdade me não deu
Nada melhor do que essa escravidão?

Bem vejo, sim, que novamente
Me ofertas deuses! deuses de hoje
Que nem sequer imitam gente:
Fetiches,-sombras do que foge.

Socorro, deuses vários ou só um!
Socorro, que me afundo
No deserto de todos em comum
No mundo!

José Régio

 

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