Todas as palavras

As que procurei em vão,
principalmente as que estiveram muito perto,
como uma respiração,
e não reconheci,
ou de súbito desisitiram
e partiram para sempre
deixando no poema uma espécie de mágoa
como uma marca de água impresente;
as que (lembras-te ?) não fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de dizer-me;
as que calei por serem muito cedo,
e as que calei por serem muito tarde,
e, sem tempo, me ardem;
as que troquei por outras (como poderei
esquecer o seu olhar?);
as que perdi, verbos e
substantivos de que,
por um momento, foi feito o mundo
e que se foram levando o mundo.
E também aquelas que ficaram,
por cansaço, por inércia, por acaso,
e com quem agora, como velhas amantes sem
desejos, desfio memórias,
as minhas últimas palavras.

Manuel António Pina

 

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