ðHgeocities.com/joseavellar/decima_primeira_pagina.htmlgeocities.com/joseavellar/decima_primeira_pagina.htmldelayedxoÔJÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÈ`“$~OKtext/htmlpaõ0k$~ÿÿÿÿb‰.HSat, 02 Aug 2003 21:18:32 GMTMozilla/4.5 (compatible; HTTrack 3.0x; Windows 98)en, *oÔJ$~ Avellar Toledo
O HOMEM,UM ANIMAL PROMISSOR
Avellar Toledo


PARTE5
CAP.25 - Na ojeriza à liberdade, o ponto de ENCONTRO;
CAP.26 - A violência como ARTE MAIOR;
CAP.27 - No equilíbrio de poder, a ESPERANÇA;
CAP.28 - Não se TRATA apenas de saber;
CAP.29 - Vivemos a IDADE DA FORÇA;
CAP.30 - DESPEDIDA.

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CAP.25
NA OJERIZA À
LIBERDADE ALHEIA
O PONTO DE ENCONTRO

 

No futuro a História dirá que vivemos a vida cercados de equívocos. Alcançamos a lua antes que púdessemos conceder a, pelo menos, dois terços dos nossos, casa modesta, um prato de comida e pano para afugentar o frio. Nas ruas, movidos pela ânsia de agradar (visando recompensas) outra coisa não fazemos que exigir, em clima de festa, justiça e paz para todos. Em casa, de cabeça fria, atemorizados diante dos maiores culpados pela desgraça geral, esquecemos tudo, somos incapazes de reviver, ao menos em pensamento, aquilo que muito bem sabemos: com 10% do que foi gasto para matar, durante esses milênios todos, o mundo estaria livre de seu triste fim; não teria de se preocupar com água limpa, ar puro, higidez ambiental. Apesar do progresso tecnológico, o homem continua a ser, em termos de convívio social, pouco mais que um selvagem. A estreita relação com a barbárie, se mostra principalmente na escolha das lideranças. Descrentes de uma ordem que prescinda de força bruta como principal instrumento de ordenação da vida, tendem a escolher seus guias, através de critérios estranhos aos preceitos da razão. Vendo na atividade política uma briga de foice, quem , mesmo que seja honesto e competente, mas não seja belicoso, fica de fora, deixando o campo livre para exaltados e inescrupulosos de todas as cores, desde que munidos de um carisma capaz de atrair milhões com base apenas no magnetismo pessoal. Nas socidades de incipiente racionalidade como são as nossas, o homem de bem, assim entendido, o racional, fica marginalizado. A bandeira de hoje, é a reforma social, presente no discurso de progressitas e conservadores! Por isto, entre as tragédias do nosso tempo, haverá de sobressair a do homem razoável, que, refreando seu inato egoísmo, lutando contra a corrente, quer justiça para todos, conscientemente, em busca da paz que lhe permita gozar, sem ódios, do progresso material de que hoje desfruta. Tarefa difícil, porque prensado entre várias intolerâncias, escasseiam-lhe as opções e ele, com frequência, se vê compelido a aceitar males já conhecidos por medo de outros ainda piores.

Fazendo o jogo dos conservadores extremados, beneficiários das injustiças atuais (que intentam preservá-las como direitos adquiridos), os extremistas do outro lado, sob a alegação de terem vindo para repará-las, aos primeiros, acabam, por baixo dos panos, estendendo as mãos, numa contradição apenas aparente, porque os assim chamados (esquematicamente) extremismos de direita e de esquerda, uns justificam os outros, e se de fato são inconciliáveis como concorrentes ao poder, porque o pretendem com exclusividade, acabam por fazer da recusa da liberdade alheia, o ponto de encontro, porque ela significa grande obstáculo para todos eles; porque ela constitui formidável barreira contra quem considera grave heresia, compartilhar com os demais, o exercício do poder pelo qual os homens matam e morrem desde o princípio do mundo.

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Ninguém de boa fé se opõe às reformas sociais, nem acredita que, mesmo a violência mais brutal, seja capaz de impedi-las, porque elas nascem da inconformação com injustiças tão gritantes que ameaçam a estabilidade social, pondo em risco a sorte até mesmo dos privilegiados.
Tal inconformação que explode em momentos de desespero, vem das profundezas do homem, constituindo uma de suas mais fortes características. Sem ela viveríamos na Idade da Pedra. O mundo, apesar da violência dos reacionários, tantas reformas sofreu, que, de Adão até nossos dias, tornou-se irreconhecível. A reforma social é inevitável e para aqueles que sob vários pretextos, pretendem eternizar os privilégios, resta, enquanto vitoriosos, o que para eles, individualmente, é tudo; resta-lhes o consolo de que, marchando contra os rumos da História, em meio ao sofrimento de milhões, suas vantagens conservaram, ao menos, pelo tempo de suas vidas. É isto que a eles importa, porque o homem cujo egoísmo se extrema, seja ele da direita ou da esquerda, tendo como todos os outros, uma só vida, para vivê-la a seu modo, fecha os olhos às lições do passado, indiferente ao juizo que dele farão as futuras gerações.

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O extremismo é a negação da liberdade alheia. Isto, apesar de muito claro, precisa ser repetido, porque passamos a vida toda sem abrir os olhos; porque o hábito, a excessiva proximidade, tanto quanto a excessiva claridade, nos baralham a vista.

Contra o conservadorismo extremado pouco existe para dizer, além do que se diz de todo extremismo, exceto, que ele, tanto quanto o revolucionarismo radical, exigindo de quase todos, os mesmos inaceitáveis sacrifícios de direitos fundamentais, nada oferece em troca, a não ser roupa nova para a velha ordem que a todo custo tenta conservar, e, que sabidamente injusta, para não desmoronar, necessita de paz, que não sendo a paz da justiça, só pode ser a paz dos cemitérios. Porque insistem em ignorar as exigências do progresso, por mais que façam, estarão em dívida com a História.

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Os homens se revelam tanto pelo que prometem, quanto pelo que, conscientemente, deixam de prometer. Aqueles que no começo do século faziam de sua pregação humanista, uma calorosa promessa de liberdade, decorridos mais de meio século, porque nem lhes passa pela cabeça concedê-la, sobre esta questão crucial, mantêm silêncio tumular.

Pelos mesmos motivos, uma ordem que pretenda, - pela inteligência, compensar a desvantagem inicial dos fracos (para tranquilidade de todos); uma ordem que resulte da compatibilidade da propriedade privada com as realidades de um tempo em que até a família tem que ser planejada; uma ordem assim (porque está fora de suas cogitações) o conservadorismo extremado nem ousa prometer.

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É característica do radicalismo, exercitar seus direitos, por inteiro, enquanto, por inteiro, os nega aos inimigos. O conservadorismo extremado, onde ele continua a mandar, fecha os olhos aos abusos de seus radicais, enquanto hostiliza os mais cordatos entre os seus, aqueles que, exatamente por não serem inimigos, se opõem a tais abusos, temendo que o uso predatório da propriedade, acabe ameaçando o direito a ela como instituição.

Se na luta contra os direitos do homem de mãos vazias, o conservadorismo radical não vai até o fim é porque o mundo, submetido à inexorabilidade do tempo, para além do que pretendem os egocentristas, submete-se a uma ordem subjacente, contra a qual, quase nada pode a cobiça dos egoístas, ordem que em nosso tempo impede - por exemplo - a escravidão oficial.

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Em nome da soberania popular, demagógica, porque o povo só viverá em estado de soberania, quando for esclarecido, o socialismo extremado trata os proprietários, apenas porque o sejam, como inimigos declarados, negando-lhes por igual, os mínimos direitos, sem levar em conta que a mesma inexorabilidade do tempo que, alheia aos anseios individuais de conservadores e progressistas, nega hoje como retrógrada, a escravidão, também hoje nega, como prematura, a brusca socialização da propriedade, onde ela é ainda vigorosa.

Embora se acredite que, por receio de uma explosão populacional, o sistema de cotas para fazer filhos, já existente em algumas regiões, seja estendido para toda a Terra, não é por isso que, agora mesmo, para não parecermos reacionários, devamos colocar por toda a parte, um guarda a vigiar os casais.

Porque no capitalismo, eles, por natureza, estão mais próximos do poder, os extremistas de direita, em comparação com o eterno proselitismo de seus rivais da esquerda, parecem desinteressados de convencer, provavelmente, porque jamais contaram com as idéias para tal fim.

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No meio do escasso repertório ideológico de qualquer intolerância, poucos argumentos merecem atenção. Um deles, configura dilema ao gosto de qualquer radical para o qual, o meio-termo não existe - quem não é por nós, é contra nós, quem não é da direita é comunista e vice-versa. Argumento de difícil comprovação, pois se ele atrai proprietários que no socialismo receiam mais perder os privilégios do que a liberdade, nem por isso, conquista outra parcela também de proprietários, principalmente, intelectuais, que usufruindo gostosamente de seus privilégios de classe, porque são mais ambiciosos que o comum dos burguêses, nos negócios da família não encontram satisfação. Querem dinheiro e simpatia popular. Sem se aprofundarem em coisa alguma; vivendo de equívocos ou de uma doce vida, não sabem como se redimirem de sua culpa perante as vítimas do sistema (e deles próprios), senão empunhando o gládio vingador ou fazendo média com a revolução.

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Camuflados de heróis do povo, endeusados por todos os lados, reles tiranetes de esquerda ousam o que, do outro lado, poucos ousaram. Exterminam milhões no Camboja; fazem de Cuba um cárcere e, quando lhes interessa, basta que pisquem os olhos para que burgueses todo poderosos lhes caiam nos braços, como se isto, diante dos arcanjos do proletariado, os redimisse da culpa de passarem a vida toda explorando os indefesos. Sem alternativas, tendo o totalitarismo por fatalidade, acabam preferindo, no da esquerda, a crença de sacrificarem a liberdade pelo progresso social, com isto vivendo sua mais generosa ilusão, em vez de no totalitarismo de direita, terem a certeza de a sacrificarem por nada, pela mumificação do presente.

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Muitos meios existem para evitar a conciliação, deixando as coisas como estão. O mais atraente deles, está na astúcia de exigir da outra parte, mais que o possível.

Seria desonesto negar que o zelo militante e a enorme capacidade de mobilização da esquerda radical fizeram com que a questão social deixasse de ser caso de polícia para se transformar numa preocupação dos governantes. Mas, seria igualmente desonesto negar que nos países onde os socialistas radicais se instalaram, a questão social deixou de ser tratada como tal, para ser caso de polícia, num retrocesso que os novos senhores sequer procuram justificar, porque agora, apoiados na força, supérfluo lhes parece qualquer preocupação de convencer.

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Agissem com sinceridade, nunca usariam argumentos como o de que num Estado comprometido com o bem estar do povo - como dizem ser o seu - quaisquer reivindicações independentes seriam inoportunas, argumento perigoso, porque, aceitá-lo seria como decretar a infalibilidade das pessoas físicas que manipulam o poder.

Se é justo dizer que o desafio da esquerda impôs ao capitalismo uma postura mais humana, também é justo afirmar que muitas reformas urgentes só não foram realizadas, porque a oposição radical, interessada mais no poder que nas reformas, embora agitando-as melhor do que ninguém, jamais se contentou com o razoável, exatamente para impedir que sua realização fortalecesse o poder atual, cuja derrubada sempre foi para ela preocupação maior que as reformas.

Aquilo que existe no político em geral - o desejo de que o adversário se afunde, mesmo que arraste com ele toda a nação, nos radicais constitui obsessão tão forte, que sabotariam seu próprio programa, fosse ele cumprido por outros, no poder.

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CAP.26
A VIOLÊNCIA
COMO
ARTE MAIOR

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Porque a violência deitou suas raízes nas profundezas do homem, somos todos complacentes com ela. Num mundo de ressentimentos igual ao nosso, existe, bem escondido em cada um de nós, o receio de recusá-la definitivamente, pelo temor de que, por interesse ou necessidade de se defender, tenhamos um dia, de recorrer a ela.

Embora sejamos seus dependentes, existem diferenças quanto ao grau e a forma de dependência. A maioria, dela depende para alcançar objetivos que, atingidos, enseja de novo a paz interior. Outros, em número menor, porém, muito mais ativos, dela dependem para sua realização pessoal. Para estes, a solução do problema que a teria motivado, quando alcançada, longe de trazer a paz, reaviva neles crônicos ressentimentos, ensejando a criação de novos problemas que sirvam de pretextos para mais violência, levando a um círculo vicioso. Tal violência é, em última instância, fruto da inconformação com a morte, inconformação que os mais orgulhosos, não podendo superar, exasperam. (Se o encontro com a inimiga de todos é fatal, que não seja ele, só por ela programado.)

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Os portadores deste mal que em outros mundos é considerado uma doença, não se põem à espera, de mãos atadas. Para eles, a vida só é boa de ser vivida, quando, no desafio à morte, ela pode, a qualquer instante, ser perdida. Morrer na cama parece-lhes a mais desprezível forma de deixar esse mundo.

À nossa volta, no dia a dia, percebemos quão diferentemente os homens lidam com a violência. Muitos por temor a recusam e dela são as vítimas prediletas. Outros, por meio de duvidosa malha, feita de sedução e ameaças, dela não deixam escapar nem o amor.

Para muitos, ser homem é brigar, ser bom de faca, viver de guerras. Negociações, recurso à lei, conversa fiada, pois, o que importa é a satisfação alcançada no desafio à morte, mesmo que isso custe a própria vida ou a do outro, tarefa excitante, porque os mantém numa batalha da qual a maioria reluta em participar. (Entregam-se à violência como o artista se entrega à sua arte.)

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Prestigiar a coragem é condição de sobrevivência. A humanidade precisa de homens que se arriscquem como exemplos, porque nos tempos em que a natureza era inimiga terrível, se nos tivéssemos acovardado, da espécie, nada teria restado. Por isso, a coragem adquiriu tal ascendência sobre outras qualidades, que a maioria consegue enaltecer, mesmo quem, ignorando a direção da vida, em vez de desafiar a natureza, desafia o semelhante. Porém, os tempos mudaram. O que a ignorância desculpava, hoje é condenável, porque embora lentamente, os homens se avizinham da maturidade espiritual que os fará renunciar à luta fratricida para, juntos, enfrentarem a natureza.

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Se aquele que só se realiza no desafio à morte, acrescenta à sua necessidade de enfrentá-la, o propósito de ampliar os horizontes da humanidade, louvado seja ele; se outro com igual necessidade zomba dela, da inimiga de todos nós, como faríamos todos, se tivéssemos coragem, seja também louvado, desde que não faça de outro homem, o seu alvo. Mas, conseguir a realização pessoal, através da violência contra o semelhante; desafiar a morte, caçando homens como se caça perdizes é vergonhoso, porque se a humanidade necessita de gente corajosa, também precisa de justiça e neste tipo de realização, mesmo quando se fala em justiça, ela é simples pretexto. (A violência é a mãe de todas as injustiças; sem ela tudo se acomodaria espontaneamente.)

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Em tempos de paz, condenada pelos códigos, que refletem a condenação geral, a violência existe em grau maior ou menor, segundo o estágio da civilização e a eficácia pouca ou muita desta condenação. Mas, em épocas de crise, quando, deixando de ser um fenômeno individual, ela se organiza em movimento de massa; quando, sobrepondo-se a tudo, ela opõe aos códigos, a condenação da sociedade que faz os códigos e, por isso mesmo, ainda que demagogicamente, se associa a uma preocupação de justiça, a violência adquire fascínio irresistível, a ponto de que, mesmo artistas, atraídos por ela - como arte maior - lápis e papéis abandonam para empunhar o fuzil.

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CAP.27
NO EQUILÍBRIO
DE PODER,
A ÚNICA ESPERANÇA

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Duas fixações, tão sedutoras quanto falsas, acabam desviando para o inferno, os intolerantes, mesmo que tenham começado a viagem pelo melhor dos caminhos. A ruptura com o passado e a perfeição, implicitamente prometidas, por serem sabidamente impossíveis, revelam insinceridade e estreiteza mental que nada de bom podem gerar.

Nenhuma sociedade se ergue do nada. A ruptura total com o passado, bom ou mau, é demagogia e metáfora. Nenhuma revolução por mais radical que seja, pode, de um golpe, eliminar o passado. Nisto, nada há de errado, porque assim é a vida e ninguém faz milagres. Errado é exigir da maioria que não tem meios de conferir, sacrifícios tão grandes, a vida, inclusive, em troca do que de antemão se sabe impossível.

Embora conscientes de suas mentiras, os radicais exigem e prometem, confiantes de que, chegada a hora de pagar, contra eles no poder, o povo, de mãos atadas, nada pode fazer. Num tempo em que a luta pelo poder, ostensiva ou não, envolve milhões de pessoas, sobre a questão crucial da violência, quase todos silenciam, enquanto os extremistas a defendem abertamente, com boas razões, porque condená-la seria para eles, absurdo tão grande quanto burguês condenar a propriedade.

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A violência, qualquer que seja ela, é indefensável. No entanto, os homens, por interesses ou por ignorância, dividem-na em boa ou má, segundo sejam seus autores ou vítimas, sem compreenderem que ela é uma só e má. Se a violência atual nos parece justa como resposta à injusta violência de ontem, é preciso lembrar que ambas constituem um erro, porque é esta circunstancial justificativa que, fundindo numa só cadeia, violências justas e injustas, vai alimentar o infindável processo de toda a violência que aflige o mundo inteiro.

Não é preciso ir longe: nos nossos dias, a violência, tenha o nome que tiver, está condenada pelos códigos e se ela corre solta em tempos de guerras é porque, entre as nações, falta uma instituição supranacional capaz de lhe fazer frente, seja onde for.

Nos conflitos internos, a complacência com ela acontece porque é a própria instituição encarregada de combatê-la (o Estado) que está sendo questionada pelos insurretos. A tolerância só acaba com a vitória de uma das facções, que, restabelecendo a seu favor, o desequilíbrio de poder que assegura o domínio institucional sobre todos os cidadãos, traz de volta a normalidade.

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Como negar que a força ostensiva ou embutida no seio das instituições e só ela é que enseja a exploração do homem pelo homem? Como negar que ela sustentou o cativeiro na antiguidade, a servidão na Idade Média e que, embora menos ostensivamente, continue a garantir, mesmo no Ocidente, a submissão da mulher, a exploração dos operários e pequenos produtores pelo grande capital e que nas auto-intituladas democracias populares, sustenta a opressão do homem do povo pela nova classe dos funcionários do partido único?

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O rompimento com o passado; não a ruptura total, porque esta é impossível; mas o distanciamento gradual, porque tal é possível, haverá de ser a esperança do terceiro milênio. O equilíbrio de poder entre os cidadãos, no Interior, e, entre as nações, no Exterior, garantido por instituições poderosas em relação aos indivíduos e às nações, mas, propositadamente vulneráveis em relação ao conjunto dos indivíduos e das nações; a rotatividade no poder aceita como princípio inegociável, com a substituição a prazo certo, através de eleições livres, dos dirigentes dessas instituições, constituem a melhor garantia contra a incoercível tendência das pessoas físicas, de se aproveitarem, da inevitável delegação de poder (da maioria de representados à minoria de representantes) para, individualmente, se fortalecerem com o que, dentro da instituição, representantes e representados se dividem em fortes e fracos, criando uma situação que descamba fatalmente para a violência nas relações entre os cidadãos, porque é uma fatalidade o forte violentar o fraco, tanto quanto é lei do ar expandir-se no vácuo.

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Eis o grande desafio à inteligência porque, contra ela, se unem, por interesse, homens em número relativamente pequeno, mas de grande influência e enorme combatividade. O desequilíbrio de poder, que incita à violência, aumenta sempre, graças à tendência concentracionista que no capitalismo submete a economia e, indiretamente a política, aos interesses de uns poucos dirigentes de corporações; enquanto no socialismo de partido único, põe economia e política sob o controle direto de alguns potentados que do alto de sua intocabilidade, com mãos de ferros, dirigem o Estado.

Na hierarquia do poder, o poder político está em primeiro lugar, eis que só ele, porque possui força bruta capaz de matar e maltratar, dispõe também da sorte dos outros poderes, dos quais o poder econômico é o mais generalizado.

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Muitos burgueses, para o outro lado passariam, se tivessem garantias de que na chamada ditadura do proletariado, como funcionários do Estado, alcançariam posições equivalentes à de burguês onde existe burguesia. Mesmo sem garantias, correndo riscos, os mais afoitos não exitam, eis que a tentação do poder político e, ainda por cima, como heróis do povo, é grande demais. Por isso, nos governos instalados pelas armas, o povo participa apenas como fornecedor pessoal de carne para canhão, participação que se torna dispensável depois da vitória. Alcançado o poder político, os mais ambiciosos se transformam em funcionários do partido único, prontos a fazer carreira nos quadros da invencível burocracia estatal.

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Estruturada como rígido movimento ideológico, a ambição de mando, utilizando-se de belas promessas, aprendeu como acumular poder em benefício próprio, à custa daqueles que dispõem apenas de força física, acenando-lhes com a oportunidade única de em torno dela se unirem para, queimando etapas, romper a barreira econômica que lhes fecha as portas, passando, de nenhum poder ao poder mais cobiçado - o poder político - a ser exercitado com exclusividade. Que uma façanha dessas não seja possível sem derramar sangue, todos sabem, embora, para muitos, isto não faça a menor diferença.

Que a expropriação sem violência seja impossível, afirmam, com frequência, aqueles que a pretendem e nós, aceitando como verdade o que dizem, temos para esta verdade, outra versão. Eles, na defesa da expropriação extemporânea, acabam justificando o único processo que a torna possível - o processo da violência, enquanto nós, acreditando que a violência é injusta em si mesma, identificamos nesta expropriação que só pode ser feita por ela, a condenação da filosofia que a pretende, num tempo em que as condições sociais ainda não amadureceram o suficiente. (Seria ingenuidade acreditar que alguém se deixe pacificamente expropriar, principalmente, quando o poder que isto pretende, já na sua origem peca por ilegitimidade.)

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A justiça é uma só, para burgueses e operários e se o proprietário é despojado de sua propriedade pela violência que se coloca acima da Justiça, então seria dar a última palavra, não à Justiça, mas, à violência. Seria como legitimar a conduta de burgueses irresponsáveis que no capitalismo se disponham a extrair do trabalhador, toda sua força de trabalho, quando já vai longe o tempo da escravidão oficializada.

Apesar do interesse pela questão social, demagógico ou real, não se tem dado a merecida atenção ao desequilíbrio de poder que leva à violência. Ele e sua consequência - o uso da força - não têm sido em profundidade questionados.

O silêncio quanto a esta questão fundamental é explicável. Até nas sociedades em que os de cima são escolhidos pelo voto, a violência, embora sem desnecessárias ostentações, cumpre função importante, daí porque, mesmo nestas sociedades, não existe preocupação de exibir sua natureza intrinsecamente má, porque ela, e só ela, é capaz de sustentar a superposição de classes que ainda existe.

Não convém que seja desmascarada definitivamente, na previsão de futuras crises, para a solução das quais, numa época de razão incipiente como ainda é a nossa, ela continua imprescindível. Por sua natureza, as sociedades totalitárias jamais poderão recusar a violência, porque se alimentam dela; porque sem ela, no jogo livre das contradições, impossível lhes seria manter a exclusividade do poder - princípio do qual elas confessadamente não abrem mão.

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Resulta de tudo isso, que a violência constitui ainda hoje, o vínculo poderoso que faz do homem, um dependente da natureza como qualquer animal. Muitos percebem a causa desta dependência, mas, por interesse, fecham os olhos, pois que vivendo às custas do suor alheio, como poderiam recusar a força se ela e só ela, pode garantir tal exploração?

Por sua vez, a maioria inculta, incapaz de compreender a natureza da violência, aceita-a como fatalidade, e porque está ao alcance de qualquer um, dela se serve como simples animal, para se defender ou atacar. Em tempos de comoção social, deixa-se arrastar pela violência de massa e, sem saber porque, mata e morre para benefício dos poucos que, de longe, dirigem as matanças.

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Haverá coisa mais velha que a violência? A História, por seus muitos exemplos, não está a nos dizer que o progresso decorre de sua recusa? No entanto, milhões de anos depois de sua aparição na Terra, o homem, por si mesmo, ou inserido no grupo social a que obrigatoriamente pertence, continua tão dependente dela que mesmo quando intimamente a rejeita, acaba rendendo-se a ela, como fatalidade.

Se, no contexto das relações individuais reguladas pelo Estado, a violência, é hoje em dia, expressamente condenada, num contexto mais amplo, a condenação se dilui a tal ponto que os exaltados se sentem encorajados a incensá-la como instrumento do progresso social.

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Seria radicalismo, embora em sentido contrário, mas, de qualquer modo, fora da realidade, defender, nos dias de hoje, a ruptura definitiva com o passado que só poderia ocorrer pela total recusa da violência. Isto porque, no estágio cultural em que se encontram os terráqueos, tal recusa pareceria hoje tão absurda quanto a recusa da escravidão, cinco mil anos atrás.

Isto não nos impede de ver nesta remota possibilidade, a porta entreaberta de um futuro melhor e quem deste caminho se desviar, diga o que quiser, só não poderá dizer que é o progresso que ele quer.

Lutando contra reacionários e progressistas radicais, a História segue em silêncio, o próprio rumo, ditado inconscientemente por milhões de criaturas, que se não podem exigir com a veemência dos exaltados, nem por isso estão acomodadas. Se, ignorando as agitações promovidas por minorias insaciáveis, atentarmos para o anônimo querer das multidões, logo poderemos antecipar aquilo que nos séculos vindouros se dirá da nossa época e de sua brutalidade.

Se o que é uma tendência, tem de acontecer, a ferro e fogo, mesmo antes do tempo, então, estamos todos errados por não sermos socialistas desde o principio do mundo.

A História tem rumo próprio a ser alcançado num ritmo próprio. Não é porque o mundo caminha para a socialização que agora mesmo, ali onde a propriedade particular rende ainda bons frutos, tenhamos de expropriá-la pela força, até porque, a violência ameaça mais o progresso social do que a propriedade.

Por isso, de quem lhe queira mudar o rumo, ou alterar o ritmo, a História exige tributo tão pesado que é capaz de desfazer (exceto para alguns em particular) todas as vantagens dessas extemporâneas modificações. (Nisto, o que mais se lamenta é que, pelo erro da minoria, como sempre, paga a maioria.)

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A ambição pessoal se põe acima de tudo, tanto faz que ela busque atender necessidades materiais ou espirituais. A diferença está em que as primeiras, quase todos percebem, enquanto as outras, se disfarçam tão bem que só conseguem identificá-las aqueles poucos familiarizados com elas.

A maioria é capaz de perceber a ambição pessoal que se manifesta - por exemplo - no interesse pelo dinheiro, mas é incapaz de identificar a outra que dizendo-se idealista, busca a fama, que resulta em prestígio, dinheiro e, até, poder político.

Plena de vitalidade, mas necessitada de desarmar o outro à custa de quem ela se realiza, a ambição pessoal, que se coloca acima de tudo, mas que acima de tudo se disfarça, neste seu jogo de ser e de esconder, baralha de tal modo o mundo que as coisas mais simples se complicam.

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Não é a força, ao alcance de qualquer vivente, mas, a inteligência, exclusividade nossa, que nos põe acima dos simples animais. A violência tem suas próprias leis, que se realizam em função de um objetivo definido - a transformação da matéria. A solução violenta exige que os homens se dividam para que uns possam combater os outros, embora tal divisão ignore sua principal característica - a tendência para o universal - sem a qual eles não se realizariam como racionais.

O homem não tem escolhas. Ou ele segue o processo racional que implica na aceitação do outro, ou se deixa levar pelo processo natural da lei do mais forte. Ao recorrer à violência, ele só por isso, abdica de seu peculiar modo de agir e a partir daí, tendo renunciado ao processo racional, do qual detém o comando, é constrangido a aceitar a vida animal que a natureza lhe impõe com mãos firmes.

Porque é inafastável, a inteligência participa de todos os atos do homem. Nos atos pacíficos, de aceitação do outro, ela sobrepõe-se à natureza, porque tais atos são característicos da criatura inteligente, para a realização dos quais, pode-se prescindir das leis físicas. Mas, nos atos violentos, de exclusão do outro, ao alcance de qualquer animal, a inteligência submete-se à natureza, porque sem a ajuda de suas leis físicas, tais atos são impossíveis.

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A violência, implicando na submissão do indivíduo ao mundo natural, jamais poderá ser a solução de todo homem, do homem universal. Dividindo a espécie humana em vencedores e vencidos, ela poderá ser, no máximo, a solução do animal que, ameaçado pela concorrência do outro, pela força, exclui o rival, podendo fazê-lo sem maiores consequências, porque, entre eles, diferentemente do que ocorre com os homens, o ato de um indivíduo não repercute sobre toda a espécie e não repercute porque a falta da inteligência (elo invisível que une os homens), impede que a totalidade dos seres de quaisquer outras espécies constituam um todo indivisível como a totalidade dos homens constitui a humanidade.

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O processo da violência, exigindo submissão à natureza, induz o homem a tomar atalhos enganosos, enquanto o processo racional, desenvolvendo-se por caminhos abertos a todos, constitui a única possibilidade de libertação. A extrema ambição pessoal, tende a confundir as coisas, fazendo que a violência passe por alavanca do progresso. Mas alguém, que enxergue bem, será capaz de afirmar que, obtida por uns, às custas de outros, a solução de força, favoreça ambas as partes? Não significaria ela o triunfo do vencedor, do mais forte, e a desgraça do vencido? Acreditar que seja conseguida pelos bons às custas dos maus, revela simplismo que nada de útil pode gerar.

A solução racional, obtida pela conciliação e que por isso mesmo, subtende negociações, das quais participam, no mínimo dois, só ela, consegue atender a todos, apressando a marcha da história, inclinada para o atendimento geral.

Deveria ser a solução própria do homem, pois que, entre os animais, o que o distingue dos demais, é a inteligência. E só não é porque alguns exigem mais que os outros e tratamento privilegiado só a violência pode dar.

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Se os partidários da violência não fossem inclinados a agir mais e refletir menos, à sua volta perceberiam que tudo o que superiormente distingue o homem, foi construído pela inteligência e o que poderia ter vindo e não veio, e o que veio, mas funciona mal; não veio e não funciona bem por culpa do apego à violência.

Só a solução de compromissos, obtida pela inteligência, que se eterniza nos costumes, nas leis, é capaz de vencer a natureza, possibilitando - por exemplo - que possamos satisfazer nosso instinto sexual, tão forte quanto o dos animais, sem ficarmos pelas ruas aos bandos, disputando aos pontapés, cada fêmea que se ponha no cio.

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CAP. 28
A QUESTÃO
NÃO ESTÁ
APENAS
EM SABER

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A linha ascendente do progresso social, tendendo para a limitação do poder dos governantes, invoiluiu bruscamente, quando a partir da segunda metade do século XIX, a alegada preocupação de alguns com a miséria então reinante, aliada à ambição de poder de outros (sempre em benefício dos últimos) se uniram para suprimir etapas do processo de melhoria de vida dos trabalhadores. Decidiu-se por um salto só possível pela violência que passou de fatalidade, a filosofia de governo, violência que logo se alastrou, porque, a natureza competitiva do homem, encarando-a como desafio, fez com que os mais ativos quisessem ficar atrás, entregando-se a ela, fazendo escola.

Mas, para vencer, só os músculos não bastam. É preciso da inteligência também, ainda que relegada a um segundo plano. Para modelar o pensamento de milhões de pessoas e mais facilmente arregimentar sua força bruta em prol de uma minoria ávida de poder, surgiram rígidas ideologias, tão intolerantes quanto as antigas religiões, movidas não tanto por suas verdades, mas, pela eficácia de seus quadros, motivados agora como nos tempos de Maomé, pela ambição de poder, mais do que pela fé. (Não chegam a 5% os crentes de quaisquer crenças que o sejam pelo conhecimento de suas verdades.)

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Direitistas e esquerdistas radicais, exigindo dos simples mortais, mais do que eles podem dar, por culpa de seu sectarismo, afastam das lutas sociais, numeroso contigente - talvez a maioria - de pessoas sensatas que muito poderiam ajudar. Ocorre que o homem se deixa levar pela ambição de poder e o que em contrário se disser, será ingenuidade ou preocupação de esconder tal ambição para melhor realizá-la.

A diferença entre o homem razoável e o radical é que o primeiro aceita dividir o poder, enquanto o outro, o quer com exclusividade. Esta verdade decorre da estrutura do radicalismo, que, exigindo dos seus, zelo excepcional, os incompatibiliza com a vida fora das organizações, não por virtude, porque o certo seria lutar como um homem normal, de quem se exige sacrifícios, mas, nunca um exclusivismo tal que exclua outras manifestações de vida. Os extremistas ao exigirem dos seus, um esforço sobre-humano que afugenta o lutador comum, não tem outro propósito que o de excluir tantos quantos possam, para que ao fim, quando vitoriosos, seja mínimo o número daqueles com os quais terão de dividir o poder. (Mas, isto eles nunca dirão!)

Quão enganador é o argumento de que o povo só poderá chegar ao poder pela violência. Segundo a lei natural - a lei do mais forte - o fraco jamais vencerá o forte; o poder maior ganha sempr.

Os homens podem pela inteligência alterar a lei natural, mas, isto pode tanto o fraco, quanto o forte. A vitória de Davi sobre Golias mostra que foi tão inusitada que só por isso é lembrada. Mas, antes de Davi, quantos morreram pelas mãos de Golias? Quantos, depois dele, perderam para os Golias que aprenderam a lição? (Valem muito astúcia e determinação, mas valem para os dois lados.)

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As minorias radicais em agressividade se equivalem. Os extremistas da direita, vizinhos, por natureza, do poder, jamais condenaram o derramamento de sangue como instrumento para sua conquista ou preservação, enquanto os da esquerda, de início, mais próximos do homem do povo, para não escandalizá-lo, costumam, em público, disfarçar as mesmas intenções através de um pacifismo piegas que só engana os ingênuos ou apaixonados.

Beneficiada pelos reflexos da vitória de 1917 na Rússia, a esquerda radical, enaltecida por intelectuais de prestígio, proclamando a violência como a redentora do mundo, fez da conquista do poder pela força, o mais persistente dogma do século vinte, que só muito depois, começou a ter sua infalibilidade questionada.

Os direitistas extremados, certos de que pelos dogmáticos da esquerda seriam jantados, decidiram almoçá-los. Resultado: o século XX que a ingenuidade de muitos acreditava livre das matanças de antigamente, provavelmente, seja lembrado no futuro como o século das atrocidades de massa, nascidas do ódio ideológico.

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Cada violência responsabiliza a outra pela sua presença no mundo, embora, se ignorarmos os pretextos, perceberemos claramente o interesse comum real de todas elas pelo único instrumento capaz de lhes conceder aquilo pelo que de fato lutam - o poder com exclusividade. Necessitada de adeptos que facilitem sua ascenção ao máximo poder, porque está ainda lutando por ele, a esquerda, pretensa detentora única da verdade como outras intolerâncias, aproveita qualquer oportunidade para incutir na cabeça dos inconformados o dogma de que só da luta armada pode nascer o verdadeiro socialismo. Nas assembléias, favorecidos pela inconsciência de quase todos, pelo comodismo da maioria e pelo imediatismo de seus adversários, acabam se impondo como progressistas, embora, por suas próprias propostas, feitas irrealisticamente para tudo solucionar ou seja para que não haja solução alguma, o que se percebe nitidamente é a política do quanto pior melhor (para eles).

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Seria ingenuidade acreditar que mesmo na mais liberal das sociedades burguesas, os radicais da direita, sempre às portas do poder, não se sentissem tentados a se valerem da permanente ameaça da esquerda como pretexto para, também pela violência, assomarem ao poder, enquanto seus rivais, neste caminho, estivessem atrás. Onde a burguesia foi derrubada pela violência de esquerda, ela o foi não tanto pela esquerda, mas por uma conjugação de fatores, dentre os quais avultam o enfraquecimento do Estado pelas guerras externas; o alijamento do conservadorismo moderado da luta comum contra a esquerda radical, motivado pelos excessos da direita; até mesmo pelas promessas de um mundo melhor - num tempo em que o Evangelho de São Marx, sem os vícios do poder, ainda poderia fazer; bem assim, a existência necessária entre os revolucionários, de uma liderança inquestionável, capaz de, pela simples presença, dissuadir eventuais concorrentes.

Sem essa conjunção de fatores, difíceis de se reunirem, a burguesia resistiu ao assalto da esquerda sem ter tido necessidade de se tornar, ela própria, extremista.

Com exceção da Rússia e da China, a ditadura do proletariado resultou da ação de forças estrangeiras ou de apoio logístico nas fronteiras. Onde quer que à inescrupulosidade e determinação da esquerda, o outro lado respondeu com as mesmas armas, a esquerda ou foi batida ou se encolheu. (Foi assim depois da Grande Guerra, na Grécia, Indonésia, em alguns países da América Latina, Uruguai, Chile e Argentina, entre outros.)

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Cuba foi caso especial que mostrou aos bem intencionados, quão imprevisível pode ser um movimento armado, mesmo dirigido pelos filhos da burguesia, que, nem por isto, estão imunes à tentação de trocarem o poder econômico pelo poder político, ainda mais como heróis do povo. Em Cuba, quem tomou o poder não foi a esquerda radical, pois que ela só se apresentou e agiu como tal, depois de ter a faca e o queijo nas mãos. (Ali, a infidelidade ao sangue vertido em prol da liberdade, ocorreu depois da tomada do poder, daí porque muitos que inadvertidamente deixaram crescer as barbas, logo as puseram de molho.)

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Não obstante o dogma protetor, a imagem da ditadura do proletariado está hoje tão desgastada que mesmo entre os irmãos de fé, tão ferozes eram as acusações recíprocas que, tomando-se por base o que ainda há pouco diziam - por exemplo - os homens de Pequim, não dava para saber quem era mais reacionário, o burocrata de Leningrado ou o banqueiro de Nova Iorque.

De início se acreditou que o sacrifício da liberdade - tido por passageiro - logo seria compensado pela melhoria da vida de milhões de párias, pois se o objetivo é distribuir riquezas materiais, à primeira vista, nem caberia comparar uma economia com este objetivo planejada, com outra basicamente dedicada ao lucro.

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Para compensar sacrifícios tão pesados quanto tirar a vida e a liberdade de milhões, algo de extraordinário teria que surgir, algo que não veio. Houve progresso, mas não a ponto de justificar a supressão da liberdade - que o homem razoavelmente lúcido tem por insubstituível.

O desenvolvimento material, contra a expectativa dos bem intencionados, deixou-se levar, tanto no capitalismo, quanto no comunismo, pelos interesses das grandes potências, deixando a periferia de ambos os lados, quase tão pobre quanto antes e sem liberdade.

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Mais de meio século depois de implantada, a ditadura do proletariado, embora com as mãos livres para agir, não alcançou o que deveria ser seu objetivo principal: dar ao homem do povo, padrão de vida superior, ou pelo menos, igual ao do sistema rival. Não é que os socialistas se recusem a melhorar a vida de sua gente. Não podendo prometer a liberdade, de bom grado aumentariam o pão, até mesmo como forma de compensação. Por razões, inclusive, propagandísticas, concederiam tal melhoria se lhes fosse possível.

As esperadas vantagens de uma sociedade oficialmente dedicada ao bem comum sobre outras que se baseiam no lucro, deixam de existir por culpa de seu exclusivismo. O sistema, excluindo quase todos da corrida pelo poder, faz inimigos como nenhum outro, sentindo-se, por isso mesmo, a todo instante, ameaçado, daí porque necessita gastar com a segurança o que deveria gastar com o bem estar geral, acabando por anular suas eventuais vantagens sobre as economias rivais.

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A violência que ameaça o socialismo, tanto quanto o capitalismo, constitui o principal obstáculo no caminho da melhoria de vida das populações, sendo este seu aspecto, o mais retrógrado e menos comentado. (Já não haveria pobres no mundo, se o que se gasta para destruir fosse gasto para construir.)

Mas se a violência é funesta, negativa e retrógrada, como explicar seu inegável sucesso? É que, ao contrário da razão, que só existe fora dos indivíduos, como guia das relações entre eles, a inclinação para a violência está pronta, vem com o nascimento. Ela não depende de integração com outros indivíduos; existe por conta própria, dentro de cada um de nós. (É um apelo que o homem só pode superar através de sufiente conhecimento da alma que lhe permita domesticar os instintos.)

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Todas as nossas construções partem de bases que nenhum homem seria capaz de levantar. Tudo explicamos, menos o mistério inicial. A injustiça funda-se, originariamente, no desnível físico e psíquico, pelo qual os homens não são os culpados e sem o qual ela não existiria. A maior ou menor propensão para a violência integra o temperamento, que vem do nascimento, e é difícil de mudar.

Ninguém conseguiu explicar porque os homens, sob muitos aspectos, nascem tão diferentes, uns dos outros, que no tocante à violência - por exemplo - uns se sentem tão dependentes dela, que ela se torna para eles, um fim em si mesma, instrumento de íntima realização, arte dão digna quanto as que mais o sejam, ao passo que outros (a maioria), menos dependentes, dela se livram sem frustrações e quando a usam, usam-na por ignorância, emoção descontrolada, ou calculadamente para levar vantagem. at/160603

A violência dos primeiros - a mais fascinante - nem por isso é a mais perigosa, pois a mesma fonte que gerou temperamentos tão necessitados de violência, também os fez em número relativamente tão pequeno que se não fosse a cobiça de outros que de suas tendências homicidas se aproveitam, eles, em termos de ameaça, pouco significariam.

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Os interesses, sobrepondo-se à verdade põem tudo a perder. O argumento mais verdadeiro nada pode contra a violência que resulte de cálculo, como é a violência a serviço da política, pois aí, o que se busca não é a verdade, mas a satisfação dos interesses. Por isso, a violência exercitada por interesse é a mais comum e persistente. Mas que interesses podem ser atendidos pela violência? A dificuldade da resposta não decorre da complexidade da pergunta, mas, de que, tratando-se de interesses, tudo se complica.

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A violência é a mãe de todo exclusivismo; só ela pode garantir vantagens que fatalmente desapareceriam em meio à concorrência honesta. Sua vitalidade, sua persistência, resultam de que ela é o instrumento ideal da ambição de mando que em graus diferentes existe em cada um de nós. Na luta pelo poder - objetivo maior de quase todos - a violência pode ser dispensada ou não, segundo haja disposição de dividí-lo ou exercitá-lo com exclusividade.

O temperamento razoável, capaz de controlar seu inato egoísmo, desde que aceite compartilhar o poder, pode por isso, dispensar a violência, ao contrário do radical que tudo pretendendo açambarcar, jamais poderá descartá-la, eis que só ela garante a exclusividade, pela qual se dispõe a sacrificar até a vida, desde que, dele, sempre pronto a dividir (o que é de outros) não exijam a divisão do mais importante - o poder político.

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O sucesso da violência decorre de nossa natural propensão para o melhor quinhão que só ela pode oferecer. Os radicais apenas exageram esta tendência, buscando o absoluto. Não é o zelo pela ordem da direita radical, nem a sede de justiça dos extremistas de esquerda, que os põe no caminho da violência, porque ela nunca poderia ser o instrumento de uma ordem erguida por criaturas inteligentes, tão pouco, o instrumento da justiça, sendo ao contrário, a padroeira da iniquidade, porque ninguém aceita injustiça a não ser pela força.

Sabem os chefes radicais que só o dinheiro gasto com as guerras e revoluções deste século, daria, no mínimo, para alfabetizar todos os homens deste planeta, sem que, para tanto, tivéssemos de matar um só deles.

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Porém, a questão não está apenas em saber. Para o extremista obcecado pelo poder, que o mundo seja um jardim, ou um cemitério, é questão secundária, porque, para ele, o importante é a exclusividade do poder, no meio de flores, se possível, entre cadáveres, se necessário.

Uma, entre muitas outras coisas, favorece os radicais, principalmente, nas crises. Eles nunca estão sós. À sua frente marcham aqueles para os quais a violência constitui valioso instrumento de realização pessoal. Para esses, a oportunidade de vivê-la é só o que pedem e se o número deles é pequeno, grande é a sua influência, principalmente, junto à maioria de ingênuos, incapaz de avaliar quão difícil é contentar o ego de um desses santos guerrilheiros do nosso tempo que, sob a singela túnica de desprendimento, estão espicaçados por interesses íntimos tão enraizados que nada na terra seria capaz de atender. Outros, mais numerosos, porém, não tão numerosos que ameacem o exclusivismo do poder, constituem a coluna mestra dos movimentos radicais. Temperamentos práticos, embora sabendo dos males da violência, usam-na calculadamente, por mera ambição de poder que eles, valendo-se de sacrossantas mentiras, sabem como disfarçar.

Por último vai a maioria que não podendo fazer contra a violência, uma consciente oposição, pela desorientação se deixa levar. Agem todos por interesses, ostensivos ou não, inclusive, a maioria, que na dúvida, se permite seduzir por promessas de melhoria, alheia a seu destino de eterna vítima de certas grandiloquentes mentiras.

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Por mais que decepcione quem acredita em bons sentimentos e desagrade quem de má fé, deles se vale para desorientar o próximo, o interesse, expontâneo em cada um de nós e que nem precisa ser cultivado, é que salvará os homens, nunca o amor que só habita seres de exceção, plantinha delicada difícil de vingar.

Do interesse que é muito mais forte, vem a perdição e, paradoxalmente, é também dele que virá a salvação, pois, quando todos tiverem nítida consciência de seus interesses, por conta própria, saberão como satisfazê-los.

A violência persiste não porque seja boa ou seja uma fatalidade, mas porque ela interessa aos homens como instrumento único de obtenção de vantagens que a razão, baseada na concorrência leal, jamais ensejará. Na política, a negativa de conciliação, torna a violência inevitável, porque só ela garante o monopólio do poder.

Os extremismos, embora se matando como concorrentes ao mesmo poder; porque o exigem com exclusividade, acabam fazendo da liberdade, o inimigo comum de todos eles, unindo-se para sabotar as sociedades abertas, esquecidos de que elas só não são mais justas por causa da violência que ainda existe dentro delas.

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O uso da força na política mantém-se porque só ela consegue atender aos interesses da minoria de radicais. Cessará quando a maioria de moderados, sem a qual os extremistas nada poderão fazer, finalmente compreender, que a violência tem um só mérito, porém, nas circunstâncias atuais, tão importante que a absolve de outros pecados: só ela garante o monopólio do poder, sonho de quase todos. Mérito vantajoso para os poucos que a manipulam, mas, desastroso para a maioria cuja presença, só é indispensável como carne de canhão, mas, que, no gozo do poder não terá participação, pois, monopólio que se abre a muitos, deixa de ser monopólio.

Quando a maioria de moderados compreender o que tem a ganhar com a conciliação (se não ganha, também não perde), terá chegado ao fim a era dos radicais e eles que, por natureza, são minorias, mas não são tolos, deixados a falar sozinhos, hão de ficar quietinhos, como fazem em tempos de calmaria.

Desmascarar a violência, exibi-la retrógrada como sempre foi, eis um esforço digno do intelectual, pois, a busca da verdade, sendo um interesse também, entre os interesses prima pela generosidade, propiciando a quem a leve adiante, autêntica realização pessoal, que, a bem de todos, produz frutos inestimáveis.

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Crescendo interiormente com a desmistificação da violência, o intelectual haverá de ser sempre o mensageiro do progresso. Neste caminho, estar à frente não é senão o que dele se espera, pois o homem é muito mais homem, pelo cérebro do que pelos músculos.

Uma vez que este mundo ainda não consegue viver em paz, e desde que a linha do progresso passa pela recusa da violência, ela só seria tolerável em casos de legítima defesa insofismável. Mas estaríamos diante de um impasse, caso não houvesse como romper esta corrente ainda muito forte.

Restaria como única possibilidade, a rejeição da violência em qualquer agressão, rejeição unilateral para desmoralizá-la, mesmo com o sacrifício da própria vida. Seria empreendimento digno desses que hoje, de um lado e de outro, se arriscam com admirável desprendimento. Parece, no entanto, cedo, pois que se não falta coragem a esses que são capazes de se destruírem para destruir o inimigo, falta-lhes, por ora, a compreensão de que a violência é, antes de tudo, retrógrada, compreensão, só ela capaz de lhes conceder força moral suficiente para que se imobilizem diante de um assassino, recusando matá-lo, mesmo sob o risco de lhe ceder a vida.

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Que muitos morrem corajosamente sem se deixarem intimidar pela violência inimiga, sabemos nós, tanto quanto sabemos também que, entre eles, por causa do instinto de conservação e da necessidade existencial que o homem tem (de vencer), poucos se resignariam a morrer corajosamente inertes, se as mãos estivessem livres. (O instinto de defesa, tão forte é, que diante do perigo, os músculos se antecipam ao cérebro.)

Porque a violência é ainda uma necessidade, a educação contra ela se faz com argumentos sentimentais ou pela condenação da violência inimiga, tendo sempre o cuidado de deixar a porta aberta para justificar a nossa. À luz desta educação seria pedir demais ao homem de nosso tempo que se deixasse como um coelho se abater, mesmo quando estivesse livre para se defender, embora numa tal situação, fosse imprópria a comparação, porque o coelho se pudesse fugiria e o mérito está em não fugir.

Enfrentar serenamente a ameaça do outro, sem ameaçá-lo também, como único meio de romper a cadeia da violência, configura ato heróico, revolucionário, que, embora adiantado no tempo, por ser ato pacífico, nada de ruim pode trazerr.

Não é como à primeira vista pode parecer, um sacrifício inútil, porque, diferentemente do que acontece com os animais, a morte de um homem por outro homem, transcende os dois e, ainda que, silenciosamente, repercute sobre toda a humanidade.

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CAP. 29
VIVEMOS
NA IDADE
DA FORÇA

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Apesar dos resquícios da sujeição do homem à lei natural, a razão, já nos nossos dias (ao menos em princípio), substitui a força como guia das relações humanas e se o princípio não é tudo, é, pelo menos, um bom começo, porque implica num compromisso que só pode ser rompido por traição. A racionalidade, transformada em dívida, tolhe os passos daqueles que antes, por hábito ou calculadamente, agiam, com frequência, bestialmente, sem que ninguém pudesse cobrá-los.

Se de um lado, os homens fizeram progresso, de outro resta a dolorosa convicção de que, mesmo à beira do abismo, ainda lhes falta uma preocupação universal de se livrarem do impasse a que a violência os conduziu. Sobra o modesto consolo de que, ainda na submissão à natureza, de cada cem pontos que marca para a força, a inteligência, um ponto marca para si, resultando desta penosa afirmação, um vasto acervo de realizações que, apesar de tudo, constitui-se numa admirável civilização.

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Mesmo submissa, a inteligência se mantém, só que, obrigada a seguir rumos alheios e, lutando pelos seus, não siga bem, nenhum dos dois, acabando na perversão. A destruição do outro, que entre os animais resulta de uma compulsão natural, entre os homens ocorre por corrupção da inteligência, querendo isto dizer, que à dívida de sangue imposta pela natureza ao homem como animal, nossa débil inteligência, atraída pela voragem absolutista, lançando os homens, uns contra outros, acrescenta uma sobretaxa de violência capaz de ameaçar a própria ordem natural. O homem não se entregou à natureza. Sendo animal antes de ser racional, mais animal que racional, ele, no seu relacionamento com os demais, apesar do imenso progresso material, é, ainda hoje, uma criatura rudimentar. (Vivemos ainda a Idade da Força!)

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Porque nenhum homem a outro se submete a não ser pela força, a lei do mais forte prevalecerá, enquanto a dominação de uns pelos outros, incentivada pelo desequilíbrio de poder, for o objetivo de todos. Resta a esperança de que um dia a inteligência consiga sobrepor-se ao animal, esperança justificada, pois que, no homem ela constitui o novo que tal como tudo o que é novo, luta para se afirmar. O animal que existe em nós, pouco mudou desde o tempo das cavernas. Dele não há o que esperar, enquanto que a inteligência, sendo, mesmo hoje, incomparavelmente mais desenvolvida que nos primeiros tempos, ainda assim, está longe de alcançar a plena maturidade. (Dia chegará em que tendo encontrado pronto o nó, conhecendo a trama, haveremos de desatá-lo.)

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Se, descendo de seu pedestal, pudesse o homem, a si mesmo inserir no amplo contexto do universo, de lá, de um minúsculo ponto na imensidão do cosmos, talvez pudesse compreender que sua ambição de mando, esta paixão que o faz do irmão, inimigo virtual, nada mais é que uma compulsiva exigência do mundo natural, necessitado de nele realizar a força, seu elemento dinâmico. Compreenderia que, da natureza, em vez de senhores, somos joguete e de olhos abertos, talvez fizesse dessa compreensão, o caminho da libertação.

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Quem sabe o homem - realidade única - atentasse para sua peculiar situação e fazendo da inteligência, seu guia, se libertasse da natureza (e do mais), juntando-se a seus iguais, para, na aceitação do outro, erguer conscientemente o que será de todos a salvação - o mundo dos homens - livre da compulsão exterior, pois que, a continuar joguete, garantias de sobrevivência não haverá nem para a espécie, uma vez que a natureza não se condói de nossos problemas que o são apenas para nós. A ela importa realizar a força, pouco se lhe dando que nessa operação se consuma todo o gênero humano. (Para ela, somos animais como outros quaisquer. Ela não choraria por nós mais do que chorou pelos dinossauros.)

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Enquanto a violência tiver a primazia como instrumento de ordenação da vida, o sonho de uma sociedade justa que a todos se imponha, não passará de sonho e é bom que fique nisso, porque as tentativas de sua realização pela força, resultaram sempre em pesadelos. O mundo seria melhor, se nós, que zombamos do sentimento de justiça como guia das relações humanas, compreendêssemos que ele, nascido da inversão de nossa tendência egoísta, constitui-se na alternativa da força e ao passar de geração a geração, impõe à breve aventura do homem cá em baixo, o toque de perenidade que ressoa através dos tempos e a faz imortal.

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Com um pé na Terra e outro muito longe, algo mudou em mim, como se eu me preparasse para uma vida nova. Antes, preso à brutalidade que tanto me impressionou neste áspero planeta, eu jamais conseguiria imaginar os homens vivendo em paz. Por mais que me esforçasse, o cérebro se negava a um esforço tido por quase todos por inútil. Angustiado, eu me perguntava: haverá problema, mesmo grave, que não possa com boa vontade ser resolvido? A resposta não vinha. Buscando indolentemente encontrá-la, as idéias se punham em marcha para logo desvanecerem, temerosas de irem longe demais num caminho que sabiam proibido. Então eu me refugiava na crença de que este torpor mental; esta recusa de levar o pensamento às últimas consequências, não era mais que um meio de defesa irrecusável, num mundo como este, em que a solução de força - a solução natural - nos embates coletivos, principalmente, é e será por muito tempo usual.

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Porém, às vésperas da partida, a antevisão de um mundo vivendo a Idade da Razão, mundo ancestral quase esquecido, abre-me novos horizontes. Longe do solo pátrio, prestes, no entanto, a voar para ele nesta velocíssima embarcação que os homens - por desconhecê-la - chamam-na "disco voador", vejo a Terra com a isenção que nunca pude ter. O cérebro readquiriu sua agilidade e isto é bom principalmente para quem não encontra maior felicidade do que extrair da seara intelectual, tudo o que ela pode dar.

Porque, apesar de tudo, admiro os homens, um pensamento cruel que muitas e muitas vezes alçou vôo para nunca chegar a seu destino, agora concluso me parece, se bem que a conclusão me entristece. Por que os homens têm problemas? Porque não podem viver sem eles; porque, para os homens, não há por enquanto, maior problema que a inexistência deles. (Por isso, quando não os têm, eles os inventam.)

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Individualmente, o homem está preso à natureza como um simples animal, que nas suas relações com o outro, por ela se deixa guiar, isto porque, o ser inteligente, como indivíduo, isoladamente, é pouco mais que um animal e esta pouca diferença está em que, nele existe a perspectiva de se fazer incomparavelmente superior, perspectiva que, no entanto, jamais se consumará sem que o seja pela integração com outro ser também inteligente, para, no silencioso embate das idéias, construírem a Razão.

A única possibilidade de que, em suas mútuas relações, os homens não sejam, como os outros animais, guiados pela natureza, está nesta integração das inteligências para o surgimento da razão. (Contra todos os obstáculos, é nesta direção que, entre idas e vindas, o homem avança.)

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Só quando não houver homens que se tenham por uma ilha; só quando, por todo o planeta, eles, na aceitação de uns pelos outros, suas inteligências integrarem, é que transformado de criatura em criador, o homem, a duras penas terá construído, com a Idade da Razão, seu próprio mundo - o mundo dos homens - livre da natureza, naaquilo em que ele pode ser, isto é, no relacionamento mútuo.

Quando esse tempo chegar, problemas, tal como os conhecemos hoje, não haverá, eis que eles existem ainda, porque não conseguimos superar a contradição original entre o animal e a inteligência, que no âmago de todos nós ocorre.

Nas suas mútuas relações, os homens, pela natureza, se deixam guiar. A diretriz é a lei do mais forte, a lei da violência, e a única alternativa a esta indicação fatal, está na razão, que entre eles é ainda muito frágil.

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Por enquanto, os homens são uma coisa e outra; animais e com boa vontade, incipientes racionais. Marcados por forte animalidade, por isso mesmo, dependentes da natureza, são, todavia, pertinazes aspirantes à independência. (A recusa da violência, para a qual não estão preparados, é que distingue o animal do racional.)

Presos às injunções do mundo exterior, os homens tudo fazem para se libertarem e, enquanto a liberdade não vem, buscam sua persistente dependência, a todo custo disfarçar. Nada há que os preocupe mais que a preocupação de se justificarem, isto porque, naquilo que lhes é característico, isto é, na sua vida intelectual, se não se entendem, isto é, se não se justificam, uns para os outros, ficam todos pelo meio do caminho. Por falta de uma diretriz própria que só o entendimento enseja, eles, pela anarquia se deixam levar, anarquia contra a qual se insurge a natureza porque ela, ignorando a inteligência, a seu modo, tem como restabelecer - pela lei do mais forte - sua própria ordem, na qual enquadra os homens, gostem eles ou não.

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A inteligência é indescartável; dela não podem os homens se livrarem. Como criaturas inteligentes, não conseguem agir e, de fato, não agem como simples animais, sem se justificarem, porque a justificativa, a mais tola que seja, é-lhes essencial.

A lei natural de favorecimento do mais forte (e sua decorrência, a violência) apesar de retrógrada, é, por enquanto, o instrumento usual de ordenação da vida deste imaturo racional que o homem, ainda é. Dependente da natureza, ele não pode se livrar da violência, sem que antes tenha se livrado dos problemas para a solução dos quais ela se apresenta como imprescindível. O homem está condenado a justificar seus atos, mesmos os mais violentos, os mais torpes, ainda que seja "pra inglês ver", pois do contrário, se desqualificaria como racional.

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Compelidos a tudo justificarem, inclusive, a violência que eles têm como fatalidade, há nos homens essencial necessidade de antes criarem os problemas, para cuja solução, possam depois justificar o uso da força, pois que, jamais poderiam - como criaturas inteligentes, mutuamente se devorarem, na obediência à natureza, com a mesma naturalidade com que num instante, a serpente engole o sapo.

Há que haver problemas para que o homem, forçado a agir como animal, possa parecer que não é. Terá que ser assim, enquanto não construir sua racionalidade, pois que, se nesta direção se empenhasse, poderia ele, sem violência, qualquer problema resolver, eis que não é o impossível que se lhe pede. Problemas como a morte - por exemplo - que pairam acima da humana capacidade, pela própria impossibilidade de serem, por quem quer que seja, solucionados, para eles, ninguém exige solução.

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O ponto crucial, apesar do que possa em contrário ser dito, é a violência, ou melhor, a impossibilidade de sua definitiva recusa, no estágio cultural em que vive o homem.

Os problemas dos quais nascem a discórdia entre os indivíduos, a luta de classes, a guerra entre as nações, perduram porque falta vontade de solucioná-los ou, de, pelo bom entendimento, impedir-lhes o nascimento.

Esta persistência dos problemas e o desinteresse em evitá-los ocorre porque, talvez, inconscientemente, os homens necessitam deles para justificarem a violência, da qual ainda não conseguem se livrar, de mais a mais, porque só ela pode sustentar a exploração de uns pelos outros, ainda generalizada.

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Já não me queixo dos homens. Apesar de tudo o que entre eles passei, agora, que estou prestes a deixá-los, vejo-os com certa gratidão, não só porque o sofrimento deles nunca foi menor, mas também porque de haver triunfado aqui, sobre dores e perigos tão grandes, gozo já indizível alegria interior, que me ajudará por toda a vida.

Às vezes me desespero e quando me invade este orgulho de criatura superior, sou tentado a ver os homens, como se fossem animais, engalfinhados por mínimas coisas, como galos de briga, só que para desgraça deles, os galos nós podemos apartar, eles nós não podemos.

Desesperançado de uma resposta promissora, insisto - quem sabe pela última vez - em me perguntar, como se perguntasse aos homens: e se não houvessem armas? E se em lugar delas, contra a violência existissem defesas eficazes? Leis aguçadas, cheias de vida, não dessas que ai estão, exibindo-se inócuas como, de fato, são, leis sem outras finalidades que não as de fantasiarem que existem, apesar de sua inoperância?!

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Poderia agora mesmo a humana inteligência estancar a fonte da violência? Vivendo entre os homens, vezes sem conta, fiz essa pergunta e, talvez porque duvidasse, a resposta não vinha. No cérebro, o pensamento, a buscar penosamente um fim, tateando, entre névoas, se perdia.

Porém, surpreendentemente clara, a resposta chega-me agora, como se o sol do meio dia houvesse dissipado as trevas de outrora: Ainda não! Primeiro haverá que se instalar neles (nos homens), a firme convicção de que a violência, a nossa, tanto quanto a dos outros; aquela, sabidamente injusta, bem assim, a outra, que para vingá-la se diz justa; enfim, todas elas, porque os mantém na dependência da natureza, constitui a fonte principal de seus problemas. Não se trata de ignorância apenas, trata-se de interesses também. Afinal, se os homens - quando querem - são capazes de tanger para a guerra, milhões de inocentes que só têm a perder com ela; porque - se o quisessem - não seriam igualmente capazes de manter na paz de seus lares estes milhões que agora só teriam a ganhar?

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O que os homens querem eles conseguem! Do contrário, como entender esse terrível espetáculo em que, para a glória e o enriquecimento de poucos, milhões de jovens, que na guerra nada têm a ganhar, envolvidos nela pela ganância de outros, ainda assim sejam capazes de matar e morrer todos os dias, tão disciplinados como não o seriam em seus próprios lares?

É que a humanidade está ainda por toda parte dividida em minorias ciosas de seus interesses e largas maiorias que mal abriram os olhos, pouco importa que entre as primeiras, por distorções da própria lei natural, hajam reluzentes topeiras, enquanto que nas outras, do chão escorregadio onde nascem e mourejam, brotam autênticos faróis para a humanidade. (Cristo - por exemplo.)

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Todos têm o seu interesse e por ele é que se movem, inclusive, o homem do povo. A diferença é que as minorias, embora conhecendo os males da violência, calculadamente, fecham os olhos, porque sabem muito bem que só ela pode sustentar a superposição de classes que lhes é essencial; enquanto as maiorias, ainda imersas em trevas, ignorando que a violência é que faz a sua desdita, entre impotentes e perplexas, por ela se deixam levar.

Mesmo nas mais abertas sociedades, depois de instalar seus representantes no poder, o homem do povo nada mais tem a fazer, senão obedecer. Ainda recentemente, a contragosto, milhões de americanos foram tangidos para o VietNam. Já estavam resignados, quando os que para lá os mandaram, dando a seus críticos, razão, agora envergonhados de seu "fiasco", pareciam os mais apressados em trazê-los de volta.

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Alguém será capaz de acreditar que armas são feitas para nada? O interesse da indústria é que sejam usadas, até mesmo, para que ela, vivendo disso, possa novas armas fabricar. Os homens, com frequência, criam interesses, alguns, momentaneamente justificáveis, porém, com frequência ainda maior, se deixam por eles dominar, isto porque, um interesse puxa outro e a partir de certo instante, o interesse criado e alimentado, adquirindo vida própria, arrasta os homens, eternizando o mal que há no mundo. (Fabricação de armas, tráfico de drogas, são atividades cuja nocividade ninguém ignora, mas que, ainda assim, continuam a crescer com uma vitalidade de fazer inveja.)

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Num tempo em que a luta a pau e pedra, só raríssimas vezes ocorre, ninguém ousaria negar que a falta de armas tornaria inviável a guerra moderna, atividade cada vez mais empresarial em que, para cada homem que luta, dez outros estão por trás, a serviço de uma gigantesca economia, impelida por interesses fortíssimos, todos eles girando em torno do objetivo fundamental de qualquer produção: consumir o que se faz, pouco importa que o produto seja o instrumento de morte para milhões.Para guerrear não falta dinheiro. Quem não tem pega emprestado. Na África - por exemplo - meninos mal saídos da puberdade escandalisam a consciência do mundo, exibindo armas de última geração, adquiridas através de compromissos a serem resgatados por seus netos e bisnetos.

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A não ser que todos se mobilizem contra a loucura armamentista, espicaçada por insaciáveis interesses econômicos e políticos, bem assim, pela competitividade entre rivais que não querem ficar atrás; a não ser que todos se conscientizem disto, e se disponham a encontrar uma alternativa econômica para a fabricação de armas, poucas esperanças resta para este mundo.

"Se queres a paz, prepara-te para a guerra", diz o velho ditado - velho e mentiroso - pois que melhor seria dizer: "Se queres a paz, livra-te das armas."

Sabemos nós, tanto quanto sabem os belicistas, que se destruíssemos do canivete à bomba atômica, a violência decairia e milhões de vidas seriam poupadas. Mas o que pode a maioria que pouco participa, contra interesses tão fortes, se ela, sem saber o que fazer, se deixa levar por interesseiros chavões repetidos pelos que, por uma razão ou outra, têm a guerra como inevitável?

O desmoranamento da ex-URSS, deixando os EUA sem um rival à altura, diminuiu os riscos de uma III Guerra Mundial. Mas a indústria bélica não se abateu com isto. As guerras generalizadas foram substituídas por confilitos localizados, pelas guerras civis.

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Argumentos definindo a guerra como fatalidade, atendendo mais aos interesses do que à verdade, fazem as delicias de conservadores e revolucionários (dos chefes burgueses aos chefes proletários), como a denunciar em todos eles, a mesma insensibilidade, graças à qual, por toda parte, uma duvidosa diplomacia, dominada por interesses subalternos, entre caneladas e salamaleques, brinca de paz, alimentando velhos conflitos ou instigando outros.

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Tão forte quanto o interesse dos fabricantes de armas existe em cada um dos que integram as minorias organizadas, outro interesse, que embora indireto, porque abarca número maior de pessoas, por isto mesmo, se faz dentre os interesses, o mais persistente. É por culpa dele que nós, na maioria das vezes, inconscientemente, nos fazemos cúmplices dos beneficiários diretos das matanças: é o interesse fundamental de preservar a violência, mais do que se beneficiar dela, pois que só ela é que, por toda parte, em favor das cúpulas burguesas, proletárias e outras, embora sob formas diferentes, sustenta ainda, a exploração do homem pelo homem, da qual, de um jeito ou de outro, quase todos nós participamos. (Só não explora quem não tem forças para explorar.)

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A pergunta volta à cabeça insistente. Poderá o homem agora mesmo se livrar da violência. Ainda não! Tratando-se de um problema como este, crucial, se de um lado, sobra a muitos aptidão para resolvê-lo, a estes - exatamente os que mandam - porque, mais do que tudo, intentam preservvar o mando, falta-lhes o principal, a firme disposição de fazê-lo, eis que a violência, é ainda hoje mina de ouro para muita gente.

Os homens jamais serão por igual esclarecidps, porque, se todos são capazes de aprender, alguns aprendem antes, e mais. Sendo isto verdade, a solução fica difícil, embora possível.

Bastaria que, não necessariamente todos, mas um número razoável deles, conseguissem identificar este escuso interesse de uns poucos em perpetuar a violência, para que os beneficiários da desgraça alheia fossem levados ao chão, só que desta vez, não pela violência, mas pela hostilidade militante da única força capaz de derrubar minorias privilegiadas - a classe média - que se no banquete da vida não é forte o bastante para se por à mesa, tem força suficiente para acabar com a festa.

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Minoria alguma fica de pé se não contar com o apoio ou a indiferença deste segmento numeroso da sociedade que, sem maiores proveitos, se espreme entre os altos píncaros dos eleitos e a vasta planície dos enjeitados.

Pela violência, tudo continuará na mesma. O poder tende para o afunilamento, daí porque jamais deixará de estar em mãos de minorias, renováveis, nas sociedades abertas, vitalícias nas sociedades fechadas (totalitárias).

Por toda parte o poder tende para o abuso, só que nas primeiras, a classe média, porque está, relativamente, a salvo do aniquilamento físico, se não pode manipular o poder decisivo, pode ao menos, a bem de todos, impor-lhe freios.

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Que existam entre nós o que chamamos problemas, é natural. O que embora natural, não é justo, é que para resolvê-los, tenhamos de recorrer à lei do mais forte, porque, diferentemente, do que ocorre com os animais, entre os homens, ninguém se considera merecedor de menos só porque o outro pode mais.

O erro, isto é, o recurso à lei natural, está em que, alguns por ignorância, outros por interesse, ainda hoje, não sejam capazes de extrair da razão, sua principal lição - a de que, se o homem, que é também animal, não pode evitar os problemas (ou seja os incentivos à transformação da matéria), que a natureza lhe impõe - pode ele, aceitando os problemas, resolvê-los a seu modo, como criatura inteligente que é, contrapondo à destruição física, própria da natureza, a sua solução - a solução racional - perfeittamente viável, porque lhe é possível modificar a natureza.

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A razão não concede privilégios ao mais forte e nisto reside o principal obstáculo à racionalização da vida, porque, para as minorias que mandam, o mais importante é preservar o mando. Por isso elas renegam a inteligência e de chicote na mão, tomando a lei natural como tábua de salvação, preferem assumir de quatro, a postura animal, a lutarem de igual para igual.

Estar acima de outro homem, importa mais que ser homem. Em busca das melhores posições, somos capazes de superar o orgulho de criaturas inteligentes para - abdicando da racionalidade - recorrer à força como um animal qualquer, pouco se dando que a violência, por mais fascinante que seja, por mais que seduza o que de primitivo existe em nós, sempre haverá de ser o cordão umbilical a nos prender à natureza como um submisso animal.

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A razão, ignorando fracos e fortes, não serve aos propósitos hegemônicos da minoria de privilegiados, eis que nasceu para corrigir a lei natural com a qual os fracos não concordam. Ela a todos concede tratamento igual, daí porque, entre os homens, quem queira se prevalecer da força para se impor aos demais, só pode fazê-lo, renegando sua condição de racional, porque - tratamento privilegiado - só a natureza, através da lei do mais forte, pode dar.

A quem deseje melhorar o mundo, se impõe, que antes de tomar o fuzil que vai perpetuar a violência (e os problemas), como um sábio, arme-se de paciência, capaz de vencer a sedução da força, para, na condenação dela, abrir os olhos da humanidade. E se isto é pouco, principalmente para os apressados, nada mais resta a fazer, senão esperar que um milagre salve este mundo, pela insânia dos homens, condenado.

Na Idade da Razão haverá problemas, mas, diferentemente, não haverá a necessidade deles, daí porque, tão logo surjam, pelo entendimento, hão de ser eliminados. É isto que distingue de todas as épocas passadas, este tempo, do qual, os homens, embora a caminho, estão ainda longe.

**29



 
 
 
 
 

CAP.30
DESPEDIDA

Até um dia amigo!
Sobre o papel, guardando-o contra os ventos,
lá ficou a caneta,
companheira de tantas horas.

Estendida sobre a frase pesarosa,
cobrindo-a, parcialmente,
a caneta, embora de plástico,
parecia dizer-me tristemente:

"Com um bilhete tu te despedes do amigo?!"
Jack, companheiro de tantas horas, está longe.
Veterano salva-vidas em Copacabana,
sua faina vai ainda pela metade.
Ponho-me à janela e contemplo a cidade.
Adoro o sol!

O que eu não daria para tê-lo
em minha despedida.

*
Noite alta, céu escuro, é hora da partida.
Como gostaria de ver este planeta,
belo como é,
todo iluminado! Se tivesse asas,
voaria para o sul!
Mas, eu que não as tenho,
de viver sem elas, não me queixo.
Deus foi bom comigo!
Em vez de me tirar de dentro de um ovo,
me fez nascer de uma criatura inteligente.

É inverno! Dentro de instantes, estarei longe!
O mundo é meu pela graça de Deus.
O sol é vida!
Eu quero o sol!
Da janela batida pelo vento hibernal

eu me transporto para os trópicos
e me despeço da Terra por onde queria,

numa despedida calorosa, inesquecível.
*
Na América Latina,
num país, do meu coração, dentre todos, o mais querido,
a ZPL, espaçonave que os homens chamam de

"Disco Voador", qual pássaro invisível,
flutua sobre o Pão de Açúcar
e me concede ver,
pela última vez, a praia magnífica,
plena de sol,
e os banhistas (Jack entre eles),
acenando-me lenços

numa profusão de cores,
a me dizerem todos: "Volta logo!"
*
Do que o espírito é capaz!
Rápido como o espoucar de um flash,
a multidão de banhistas desaparece.

O pensamento desfaz em mim a visão
de uma praia ensolarada
e eu me vejo, de novo,
no centro das tribulações dos homens,

envolvido por uma tristeza lancinante,
porque sei muito bem que em benefício deles
nada posso fazer

senão rogar-lhes que sonhem
e vivam para a realização deste sonho. (O triunfo da razão,
embora distante, nem por isto, é impossível.)

*
Diria aos homens,
criaturas excepcionalmente dotadas,
que a inteligência,
ainda que perto nos leva,

leva-nos aos céus da fantasia.
A Idade da Razão é um sonho! dizem os pessimistas.
Assim seja!

Afinal, o que é sonhar,
senão adiantando-se ao tempo,
ver hoje

com os olhos do amanhã,
ou com traços fugidios, inscrever na memória,

os eventos do porvir.
Sonhar é pedir com um sorriso.
Bem aventurados os que sonham,
eles,
que sonhando, rogam pelo futuro cheios de esperança.
A terra sob os pés, ver além do horizonte.
Haverá beleza igual?
Para tanto, a força não basta;
é preciso a benção de um Deus.
*
Homens! Para vosso alento eu vos digo
que em nenhuma estrela
vi criaturas mais inteligentes!
Faço minhas as palavras de alguém que,
dirigindo-se às águias,
lastimava a inquietude dos homens:
"Pássaros gigantes do firmamento!
Que esvoaçais por entre as nuvens!
Se ao menos soubésseis o que é sonhar!
A terra sob os pés,
ver além do horizonte!
Porém, de uma tal proeza, nem mesmo vós, do alto, serieis capazes!

E, no entanto, os homens querem mais!"

FIM

***


 
 
 
 
 
 
 
  Apesar dos reacionários extremados,
o mundo mudou tanto,
desde os tempos de Adão,
que se tornou irreconhecível. (UM ANIMAL PROMISSOR***CAP.28)
 
 
 
  at/220603