Ronald Kyrmse                                 kyrmse@yahoo.com.br

Rodolpho Hatschbach
MEMÓRIAS

Prefácio

Faz um século que faleceu Johann Gottlieb Hatschbach, meu trisavô, pai do autor destas Memórias; cinqüenta anos faz que elas começaram a ser redigidas. Pareceu-me uma boa ocasião, em especial agora que os descendentes de Johann Gottlieb festejam em Curitiba o seu centenário de falecimento, para reeditar o presente texto e dá-lo a conhecer a ainda maior número de parentes e amigos.

Durante muito tempo as Memórias de Rodolpho Hatschbach existiram apenas em forma de um manuscrito sobre estreitas e compridas folhas de papel. O texto, exceto pela folha suplementar do final (a lápis), é escrito a tinta com uma letra bem característica. É curioso que os fatos que ele relata estão fartamente documentados — as memórias encontravam-se no mesmo baú que uma considerável coleção de notas fiscais, passagens de navio, correspondências, ...

Em 1981, resolvi transcrever as Memórias para facilitar sua leitura, procurando manter ao máximo o espírito do original e seu discurso peculiar. O presente texto representa uma revisão melhorada daquele. É bem verdade que a ortografia e a pontuação do original foram regularizadas, mas são bem poucas as palavras adicionadas ou suprimidas por motivos de coerência. Em alguns casos, a leitura incerta tornou necessário inserir um ponto de interrogação entre colchetes — [?] — após grafias duvidosas. Dividi o texto em seções e parágrafos, para melhor compreensão. As palavras alemãs do original foram mantidas nesse mesmo idioma, em itálico, com notas de rodapé; estas, aliás, restringem-se ao necessário.

Certamente o trabalho poderá ser melhorado, e talvez completado até; serão bem-vindas quaisquer informações que permitam fazê-lo.

Desejo ao leitor, parente ou não, momentos agradáveis durante a leitura destas Memórias. Que possam contribuir para uma apreciação mais correta, não só do autor e da sua família, mas também dos tempos em que ele viveu tão intensamente. É à cultura dos tempos e lugares onde se passa a estória (e História) que devemos várias colocações que a nós, hoje, soam como politicamente incorretas.

Finalmente, é aos seus "Filhos, e mais descendentes da nossa Família" que dedico o presente trabalho.

S. Paulo, 1997

Ronald Kyrmse



As Minhas Memórias,

e recordações da minha

Vida, desde a Infância,

começando a recordação

desde 1872; nascido

em 25 de Fevereiro 1868

Rodolpho Hatschbach,

comecei a escrever em

15 de Dezembro 1947,

dedicado a meus Filhos,

e mais descendentes da

nossa Família.





15/12/47, nessa data comecei a escrever as minhas memórias, durante a minha vida, o mais de que posso me recordar.

Eu nasci em 25 de fevereiro de 1868, na cidade de Gablonz a/N. [1] Naquele tempo pertencia à Áustria, e era a província da Boêmia alemã. Em 1872, depois da Guerra, meu falecido pai resolveu emigrar para N.-América, S. Francisco, e por engano veio à Sul-América, para a província de Sta. Catarina, ao porto Dona Francisca, hoje porto S. Francisco. Depois de resolvida a viagem definitiva, meu pai seguiu só num barco a vela, levando 90 dias para chegar no porto final, passando por muitos temporais; e até fome e sede passaram os passageiros.

Depois, as primeiras notícias e a chamada para Mamãe com os filhos. Éramos 4 meninos e duas meninas. Seguimos 6 meses depois da partida de Papai, e embarcamos no porto de Hamburgo, em outro barco a vela, para o nosso destino. A viagem correu como de costume naquele tempo, normal, até que nos pegou um grande temporal, que custou a vida de 3 marinheiros que, ao arriarem as velas num vendaval infernal, caíram no mar onde foram tragados pelas ondas. Depois dessa tragédia rebentou uma epidemia: a varíola, a bexiga preta. Eu fui vítima, e um irmãozinho morreu; teve seu enterro no mar. As comidas de bordo eram: carne salgada, batatas, como pão umas bolachas duras como pedra que só molhando podiam se comer, um café água choca. Afinal, com 65 dias de viagem chegamos ao nosso destino em Dona Francisca, onde Papai estava há muitos dias à nossa espera. Dali fomos transportados num bote até Joinville, onde fomos instalados numa casa que Papai tinha alugado. Papai era alfaiate, mas aventurou-se a vir a Curitiba no mesmo ano. Tivemos uma viagem de sacrifícios: toda a família, sem estradas, transportada em cargueiros. Levamos uma semana para chegarmos ao destino. Nossa primeira casa de morada em Curitiba foi na Praça da Ordem, pegado à igreja. Dali, em dezembro do mesmo ano, mudamos para a Rua Riachuelo, para uma casa do Sr. Manoel Bittencourt, hoje Casa Mugiatti. O Sr. Bittencourt chegou a ser compadre, batizando o Albino, que aí nasceu.

Como alfaiate, Papai tinha a freguesia da alta, como o Presidente da Província e os deputados etc. Importava casimiras da Áustria, as afamadas da cidade de Brünn (Boêmia alemã).



Nesta cidade, na Rua Riachuelo, passei minha infância, e acompanhava rapazes mais velhos à caça com espingarda pica-pau, aonde é o Passeio Público. Os pequenos matadouros, de pequenos açougueiros, eram na Praça Santos Andrade, em frente à Universidade.

Quando cheguei a completar 6 anos de idade, Papai me mandou para a escola. O Pastor Becker [2] dava aulas em alemão de manhã. O Professor Nivaldo Braga dava aulas em português à tarde. Assim fui crescendo até alcançar a idade de 13 anos, quando meu pai insistiu que eu aprendesse o ofício de alfaiate. Como não tinha eu vontade, entendeu de mandar-me embora, a outra cidade. Fui à Lapa, trabalhei com um alfaiate polaco, mas em 4 semanas voltei para casa. Então meu pai me deu uma surra daquelas, e me mandou para Morretes, com um alfaiate chamado Dechaud, russo alemão. Agüentei um mês, fugi de lá, e vim a pé até S. João. Pousei com um carroceiro chamado Guilherme Nack, que fazia transporte das mercadorias pela estrada da Graciosa. Como esse carroceiro estava doente, com a febre maleita, no dia seguinte eu tomei conta da carroça e animais, e guiei até Curitiba em 3 dias. O mais agradável era o pouso; fazíamos um grande fogo, cozinhávamos o feijão, arroz e charque, depois o café à tropeiro. Era uma vida divertida. O Sr. Guilherme Nack, mais tarde negociante em Palmeira, quando eu viajava já por conta própria, fazia-me recordar a minha audácia como guri de 13 anos, de tê-lo auxiliado naquela época.

De volta à casa dos pais, outra surra dobrada. Aí fui ter com o meu cunhado Roberto Hauer, negociante na Rua Mato Grosso, hoje Avenida 15 de Novembro. Empreguei-me como caixeiro, em artigos de secos e molhados, fabricação de vinagre e licores à Fritz Mack [?]. A firma começou a fornecer às casernas militares, e oficiais de todas as tropas, e com isso fez fortuna. Eu era mais tarde, quando já tinha bastante prática, o encarregado de fazer as entregas nos quartéis, dos fornecimentos alimentícios e das forragens para animais. Com isso travei conhecimento com os oficiais. Muitos alferes daquele tempo mais tarde pude visitar no Rio, quando eram generais.



Aos 17 anos de idade deixei o emprego, e comecei a aventurar viajar para S. Paulo, para trabalhar. Era tempo de crise. Não consegui emprego no comércio, e o cobre era curto. Sujeitei-me a qualquer serviço. Empreguei-me na Rua S. Bento, no Grande Hotel, propriedade do Sr. Carlos Schordt, como lavador de pratos, para cuidar dos banheiros e outros serviços domésticos. Briguei com o mandão, e fui como copeiro a uma pensão. Trabalhei até ajuntar dinheiro para voltar a Curitiba. De novo empreguei-me com Roberto, trabalhando mais um ano. Em 1887 fui para o Rio de Janeiro; cheguei lá 14 dias antes do carnaval. Como não encontrei emprego no momento, no comércio, foi-me ofertado um emprego numa petisqueira, restaurante na Rua 1º de Março, para dirigir o balcão, tomar nota das despesas e cobrar, em virtude de o proprietário, que era português, ser analfabeto. Grande parte de seus empregados tinha abandonado o emprego, devido a estarmos na véspera do carnaval, para os mesmos se prepararem aos folguedos, que eram um êxtase de loucura.

Trabalhei por dois durante o carnaval. Quando chegou a quarta-feira de cinzas, não sei até hoje como, ao acordar-me fora parar na ilha Jurujuba, no hospital isolado dos doentes da febre amarela. 95% dos que eram transportados para lá não voltavam; eram enterrados numa cova muito grande, e era jogada cal por cima. Eu fui um dos 5% que se salvaram dessa peste infernal daqueles tempos. Depois de 8 dias tive baixa. Voltei para me apresentar aos meus empregadores muito fraco; quase não podia andar. A senhora do patrão era austríaca, patrícia. Levou-me ao aposento onde residiam, e levou-me a um santo, não me recordo mais se era Nossa Senhora ou outro, e havia velas acesas. Essa boa criatura tinha feito uma promessa para a minha salvação. Desde que deixei a casa, ela queimava velas dia e noite até a minha volta; e chorou de satisfação ao ser ouvida pela santa. O médico tinha-me recomendado voltar a Curitiba, mudança de clima. Estava sem recursos, sem roupa, tinham queimado tudo. Fraco como estava, lembrei-me de ir ao quartel em S. Cristóvão. Lá havia oficiais que tinham estado em Curitiba, quando meus conhecidos dos fornecimentos. De fato encontrei um tenente que era transferido de novo a Curitiba. Foi quem me facilitou a passagem de volta. Chegando em Curitiba, tive que descansar um mês, para recuperar as forças, e mais uma vez fui trabalhar com o cunhado Roberto.

Depois de um ano, o tio João, meu irmão, que tinha aprendido a profissão de seleiro-lombilheiro, com a idade de 19 anos, convidou-me para abrirmos uma oficina em pequena escala, justamente na esquina da minha residência, onde é hoje o negócio Nehls. Trabalhamos ali uma temporada, depois mudamos para o arrabalde do Seminário, onde o Sr. Augusto Rossdeutscher tinha um pequeno curtume. Aprendi, como tinha muita folga, a profissão, e trabalhamos mais uma temporada juntos. O tio João gostava muito de dormir pela manhã. Eu começava a trabalhar às 6 horas da manhã, e ele só levantava entre 8 e 9 horas. Éramos fregueses de couros do curtume, e também pensionistas na bóia. Todo dia a comida era picadinho de carne, feijão, arroz, às vezes batatas. Um dia descobri que a carne para o picadinho de todos os dias era tirada dos couros que vinham do matadouro, de que sempre ficava um pouco. Desde esse dia, afastei-me da mesa especial, e fui ter ali perto, na Cervejaria Batel, propriedade de Frederico Guilherme Schultze, como pensionista, onde fui bem acolhido. Fiquei amarrado de mãos e pernas, do que nunca pude me arrepender. Com a idade de 20 anos e 6 meses, tratei casamento com a filha, Mathilde, e depois de nove meses as duas criançolas foram ao matrimônio. Naquele tempo, o padre Alberto Gonçalves foi quem nos casou. Uma boa esposa e mãe foi durante a sua vida, e foi lamentável ter de deixar seus entes queridos antes do tempo (e faço esta observação de entremeio porque agora continua a nossa vida nova).



Depois de casados, o sogro convidou-me para trabalhar junto na cervejaria, o que aceitei. Depois de 3 meses eu era um entendido na manipulação da fabricação de cerveja.

Como o meu sogro vivia atrasado em seus negócios, por sua própria culpa, perguntou-me se não queria arrendar a fábrica. Com boa proposta, aceitei, e comecei a trabalhar por conta própria. Naquele tempo, havia umas 10 fábricas neste ramo. Para fazer a venda nos negócios e nos bares, era necessário o patrão sair com uma carroça para a venda do produto. Ora, o preço naquele tempo era: cerveja simples, 1 dúzia 1$800, e a dupla, 3$600. Quando descarregava 2 dúzias de cerveja num freguês, era usual pagar uma a duas garrafas do tal líquido especial, e com isso ia o lucro, e também a saúde. Durante 6 meses estive dirigindo a fábrica; com tudo isso, tinha feito uma economia de 800$000, e resolvi com Mamãe seguir a S. Paulo para trabalhar. Chegados lá, resolvemos seguir até Campinas. Lá chegando, procuramos um hotel. Encontramos uma senhora de luto, e nos disse: — Voltem já a S. Paulo, aqui temos a epidemia de febre amarela, a bexiga preta. Aqui no hotel quase morreram todos. — Nós, de grande espanto, voltamos no trem do mesmo dia. Alugamos um quarto em S. Paulo, e tratei de conseguir emprego. Não encontrei logo, e como o dinheiro estava escasso resolvemos que a Mamãe voltaria a Curitiba. Levei-a a Santos e a fiz embarcar num vapor do Lloyd, ela em estado de gravidez. Era o mês de novembro. Eu voltei a S. Paulo e me empreguei num escritório como praticante. Trabalhei, fazendo economia para poder voltar a Curitiba. Em janeiro, voltei. Moramos com o sogro no arrabalde do Seminário, até que em 23 de março nasceu o primeiro filho, Albino. Sua parteira era uma cabocla. O parto foi muito feliz. Ao nascer, a parteira deu como primeira alimentação uma colherinha de café preto, para despertar.

Quando Albino tinha 3 meses, mudamo-nos para o Batel. Aluguei uma casa por 8$000 por mês. A mudança foi feita numa carroça de duas rodas. Mobília existente: cama de casal, 1 mesa, 2 cadeiras e um pouco de louças e panelas para cozinha. Comecei a trabalhar como lombilheiro. Lavrava caronas [?] para o Sr. Miguel Brescher, que tinha uma oficina onde é o Cruzeiro, residência hoje de Fritz Leitner. Miguel Brescher tornou-se nosso compadre, sendo padrinho de batismo do Albino.

Trabalhei assim uns 6 meses, até que a comadre brigou conosco. Ela tinha dado uns sapatinhos para o afilhado e pediu os sapatos de volta. Como tinha-se perdido um pé, devolvemos o outro para a digna comadre.

Nessa ocasião, o tio João voltou de Ponta Grossa, aonde fora trabalhar uma temporada, e apareceu-me uma oferta na vizinhança: uma casa, do Sr. Gomes Vidal, que hoje pertence à família Bürgel. Aluguel: 20$000. Lá começamos, tio João e eu, por uma oficina de lombilheiro, e trabalhamos juntos até o começo do mês de março, quando o Papai (Vovô) nos ofereceu a sua casa na Rua Riachuelo, onde ele tinha tido a alfaiataria. Deixou de trabalhar; tinha comprado uma casa na Rua Serrito. Para lá se mudou. Onde está hoje o Palácio da Prefeitura, naquele tempo era o Mercado, e havia muito movimento de tropas, com os caboclos, que traziam tudo quanto era mantimento. Resolvemos mudar-nos, pagando a importância de 40$000 de aluguel por mês. Pusemos uma oficina melhor e começamos a trabalhar de novo. Como já tinha dito, tio João não gostava de levantar cedo para o trabalho; tivemos várias rusgas, e ele resolveu mudar-se para a frente do Mercado, onde é hoje a Papelaria Guimarães, e lá estava à sua vontade, trabalhando no seu ofício. As refeições tomava conosco. Aconteceu que eu lhe comprei toda a sua produção, para colocar com a minha freguesia.



(Quero aqui relatar que eu me tornei um amigo e protetor do Sr. Gomes Vidal, de quem tinha alugado a casa do Batel. Quando ele soube que ia me mudar para a cidade, ficou bastante sentido e me ofereceu a casa à venda, por 1:800$000, para pagar conforme pudesse. Não aceitei porque já tinha tratado a casa da R. Riachuelo. Aqui travei conhecimento com o Sr. Guilherme Tietsche, cunhado do Sr. Fritz Schmidlin. Ele me contou que sua irmã devia se casar com o Sr. Franz Bürgel, e procurava uma casa. Então fui o intérprete, e lhe dei o plano de como a casa no Batel podia ser comprada; fiquei encarregado como intermediário, e consegui a compra para ele por 1:900$000. Lá ele pôs a sua padaria, para felicidade de sua família, que até hoje lá está, tendo-lhes falecido o pai ainda no vigor da vida.)


Como já fiz ver antes, na Rua Riachuelo comecei em 1890. Prosperei bastante; mas naquele tempo eu já havia tido bastante movimento. Eu trabalhava das 6 da manhã até as 10 da noite, tendo vários auxiliares, como tio Guilherme, Benjamin Zilli, que era aprendiz, e assim vários outros.

Eu já importava do R. Grande artigos de montaria, prataria e metais. Quem me vendeu a primeira fatura foi o Sr. Carlos Julio Becker de Porto Alegre; tornamo-nos bons amigos, e tivemos relações comerciais durante longos anos. Eu já estava em condições de vender por atacado, e mesmo aqui em Curitiba havia várias casas que eram minhas freguesas. O tio Albino tinha aprendido o ofício de mecânico na fábrica que naquele tempo era do Sr. Gottlieb Müller. Seu tempo de aprendizagem era de 3 anos, mas tinha acabado seu tempo; foi infeliz. Um dia, ao derreter ferro, teve uma queimadura numa perna, e não pôde trabalhar durante uns 3 meses. Foi quando o convidei para vir trabalhar comigo, aprendendo o ofício de seleiro, e também como caixeiro para a venda no balcão. Como havia naquele tempo muitos tropeiros que vinham ao mercado diariamente, tínhamos essa freguesia. Chegavam a comprar arreios e seus acessórios, em prataria etc. etc., a ponto de gastarem naquele tempo entre 300$000 - 500$000 e um conto de réis.

Em frente à minha casa havia o seleiro Carlos Gaertner, um hábil profissional. Fabricava entre outros selas para senhoras. Mas, como gostava da água de fogo, vivia grande parte do tempo nas vendas de bebidas, naquele tempo de Carlos Luhm e Irmãos. Era ali que se ajuntava a rapaziada da farra. Viviam a jogar os dados pela despesa das bebidas que tragavam. Quando vinha a freguesia dos caboclos o chefe não estava, e os seus ajudantes do ofício não podiam vender. Aproveitei a ocasião e lhe comprei toda a fabricação dos selins de senhora. Eu embolsava o lucro, e ele gastava na extravagância o que não podia. Resultado: com o tempo teve que fechar a casa e foi se empregar no Governo, na Escola de Artes e Ofícios.

Eu continuei a trabalhar e a malhar enquanto o ferro estava quente. O tio Albino já tinha prática da manipulação, e mandei dar-lhe lições de Escrita Comercial com um tal João Boi Podlek [?], que nessa época também era guarda-livros da casa. De ano em ano eu viajava para o Rio Grande para fazer compras de arreios e acessórios para a montaria, principalmente artigos de prataria. Na Praça Tiradentes, no prédio de esquina em frente ao prédio dos Hauer, era a Cadeia. Havia presos que trabalhavam em trançar rebenques, e os aparelhos de couro de anta para cabeçadas, rédeas, rabichos, peitorais etc. Tinha eu 4 pessoas que trabalhavam para mim, entre eles um de origem alemã, Alberto Milke, que tinha 7 anos de cadeia. Mais tarde, quando terminou seu tempo e teve liberdade, continuou a trabalhar. Morava além do matadouro.



[3] Em 1903/4 rebentou a Revolução, e tínhamos bastante fornecimento para as tropas legais do Governo.

O cunhado Roberto já não tinha mais negócio nesse tempo, e morava na esquina da Av. Vicente Machado, onde hoje é o posto de gasolina do Sr. Kwasinski, que herdou aquela propriedade. Como não havia fornecedores para as tropas legais em campanha, e naquele tempo o Dr. Vicente Machado era Presidente do Estado, veio pedir ao cunhado Roberto para que fizesse o fornecimento às tropas. Ele respondeu que estava afastado dos negócios e não tinha auxílio. Então o Dr. V. Machado lembrou-se de que eu tinha trabalhado, quando solteiro, com ele. Então respondeu Roberto: — O Dr. fala com ele; se me auxiliar, eu me incumbo do fornecimento. — O Dr. veio, falou comigo, e eu aceitei. E começamos a fazer os fornecimentos. Eu era o encarregado de fazer o transporte nessas grandes carroças que eram requisitadas, entregar o que era necessário em mantimentos, e fazer um depósito de artigos à venda para as tropas. O lugar foi Tijucas, na divisa com S. Catarina. Eu requisitava gado para matança, e tudo o mais que era útil e necessário para os guerreiros. Nessa ocasião, convidei o meu sogro para me acompanhar e ajudar a tomar conta dos armazéns. Tudo corria muito bem, e eu tinha a possibilidade de ganhar bom dinheiro.

O primeiro pagamento que recebi no acampamento foram 55 contos. Vim a Curitiba montado, acompanhado de 12 praças, para entregar e fazer novas remessas de mercadorias. Levamos do meio-dia até a meia-noite viajando debaixo de chuva. Quando chegamos ao Batel, patrulhado por militares, legitimei-me com meus documentos, e fui acompanhado até o centro da cidade, ao quartel da Polícia, naquele prédio que hoje é dos Bombeiros. Deixei a minha mula na estrebaria, e vim engatinhando, à 1 hora da madrugada, até em casa. Bati bastante tempo à porta até ser atendido. Recolhi-me muito cansado e dormi logo, num sono pesado. Às 8 horas, levantei-me, tomei um banho, depois o café, e fui levar o dinheiro à casa do cunhado Roberto. Na minha oficina trabalhava-se com energia, para a entrega de mil barracas e outros apetrechos.

Depois de uns dias de descanso, prestes a preparar e carregar carroças com mantimentos etc. etc., veio a notícia de que Tijucas com suas tropas estava cercada pelos revolucionários, e houve grandes tiroteios. A coisa estava ficando crítica. Ficou resolvido seguirem tropas da Lapa, comandadas pelo Coronel Pimentel, e como as carroças carregadas já estavam em viagem tivemos que seguir. Neste caso, o cunhado Roberto resolveu, como quem dá um passeio, juntar-se às tropas em S. José dos Pinhais. Seguimos alugando um trole da Cocheira Boscardin. Mamãe não queria que eu fosse, mas não podia abandonar os companheiros que lá tinha deixado; e assim, ao encontro do reforço das tropas, seguimos para o destino.

No dia seguinte chegamos a Tijucas. Com o alarme do reforço, os revolucionários deram retirada. O comando deles era composto do Juca Tigre, de Gumercindo Saraiva e outros caudilhos, além de oficiais de várias tropas militares. Tivemos entrada franca, mas quando foi o dia seguinte estávamos de novo cercados; houve fortes tiroteios durante 6 dias, e eu com o cunhado Roberto entrincheirado. Tijucas tem uma praça grande, em cima a igreja. Eu servia os soldados com cachaça em copos grandes; quando estava servindo um soldado, um tiro de fuzil pegou o mesmo, e caiu morto. Daí por diante, não me arrisquei mais nessas aventuras. No nosso depósito fizemos trincheiras de sacos de arroz, açúcar, farinha e outros, para nossa garantia.

O comandante tinha ficado ferido, e assim outros, como houve também várias mortes. O Roberto estava ansioso por voltar. Como estava ficando a situação bastante crítica, e o comandante necessitava de novos reforços, mas não tinha comunicação, ficou então feito um plano para que nós, Roberto, meu sogro, mais 3 pessoas e eu, à noite batêssemos em retirada. Levaríamos pedidos por telegramas e outros documentos, contando da crítica situação, e pedindo urgência de reforços. Um velho caboclo serviu-nos de guia para a fuga pelos matos. E assim fizemos. Tudo ia muito bem, e já eram 9 horas da manhã, e já nos achávamos salvos, quando de repente ouvimos uns apitos, e não demorou para estarmos nas garras dos revolucionários. Quem fez a minha prisão foi um Capitão Walauer [?], da Guarda Nacional do Rio Grande do Sul. Tudo o que nos podia comprometer, como telegramas e outros documentos, por segurança tínhamos decorado, rasgado os mesmos e posto fogo.

Eu, por minha parte, tinha uma bolsa de viagem contendo faturas e 6 contos de réis em dinheiro. Pelo dito capitão fui revistado e aliviado de todos os valores, além de um relógio de ouro com corrente, com um medalhão que era uma onça, de grande valor. Por fim, queria me tirar as botas para eu ficar descalço. Implorei, e consegui por intromissão de outros, que me deixassem calçado. Com Roberto fizeram a mesma cousa. Depois de realizado esse drama, nós 2, como chefes da turma, fomos amarrados juntos num laço, este amarrado na cincha do cavalo. Dali nos levaram ao acampamento deles. Essa viagem levou mais ou menos umas 10 horas, passando por valas e rios, e tínhamos que acompanhar correndo muitas vezes, se não levar-nos-iam de arrasto (grande brutalidade). Roberto desmaiou várias vezes, implorava se eu não tinha um canivete; queria cortar as veias porque achava que não podia mais suportar as torturas. Mas eu ia sempre firme e com coragem. Os outros nossos companheiros presos iam escoltados soltos.

Noite alta, chegamos afinal ao acampamento, e fomos apresentados na barraca de Gumercindo Saraiva, que estava rodeado de vários oficiais do exército. Felizmente, alguns nossos conhecidos, dos tempos em que estavam destacados em Curitiba, nos reconheceram e se empenharam para sermos soltos. Assim foi-nos salva a vida; com certeza seríamos degolados. Fizeram cumprimentos ao Roberto, como fornecedor contínuo. Até na campanha já tinham apreendido várias carroças com víveres, e estavam em festa porque encontraram nas mercadorias vários petiscos: queijo, marmelada, conservas em lata, charutos, cigarros; em bebidas: vinho, cervejas, cachaça; e muitos outros artigos. Fomos divididos, para o pouso, em duas barracas. Uma velha cabocla teve dó de mim, e ali pela meia-noite veio até a barraca, e chamou-me: — Moço, eu lhe trago um chá de mate com biscoitos, para mecê matar a fome. — De fato, não tínhamos comido nada durante todo esse tempo, e ficou na memória a bondade da velha mulher. Nunca devemos desprezar ninguém, e dizer: não preciso do semelhante.

No dia seguinte fomos postos em liberdade, e continuavam os tiroteios. No terceiro dia os governistas, as tropas legais, tiveram que capitular, e nós entramos ao meio-dia no entrincheiramento [?] do lugar Tijucas. Na entrada, não me esqueço, havia um capitão da Guarda Nacional, Sr. Leprevost, que era morador do lugar. Foi ter de encontro com outro capitão da Guarda Nacional, morador também do lugar, numa pequena discussão (este fazia parte dos revolucionários). Sem mais nem menos, puxou seu revólver e matou na minha presença o Capitão Leprevost. Como médicos estavam ali os Drs. Georg Mayer Sênior e Brasilino Luz, que socorreram o mesmo, mas ao entrar no hospital de sangue expirou e estava morto.

Depois de mais um dia, o comandante tinha assinado a rendição por falta de munição e outros motivos. Tivemos licença de nos retirarmos e voltarmos a Curitiba. Grande parte voltou a pé; eu fui mais feliz. Deram-me uma mula arreada, e assim viajei com mais algumas pessoas. Chegando a Curitiba, pu-la na invernada do cunhado Roberto, no Portão, onde esse animal ficou uns 15 anos, e morreu de velho.

Cheguei em casa; tudo em Curitiba estava alarmado: boatos e mais boatos. E eu voltei são, além dos acontecimentos com a prisão, e os sofrimentos passados. Comecei a trabalhar. Fazendo as contas mais tarde com o cunhado, tocaram-me 3:800$000, uma bagatela considerando os grandes prejuízos com a apreensão das carroças que caíram nas mãos dos revolucionários. Mas ele foi indenizado pelos prejuízos e eu não. A honestidade já começou a ser escassa, e tive que ficar calado. E assim a sua fortuna foi crescendo. Eu, em todo caso, havia ganho com os fornecimentos dos meus artigos uns tantos contos de réis. Daí por diante fui trabalhando, e aumentando o estoque de mercadorias fabricadas em casa, e das importadas do Rio Grande do Sul.



Todos os anos fazia viagens ao Sul, para fazer compras, e a casa prosperava. No ano de 1905, fiz nova viagem ao Sul. Em P. Alegre, onde fazia as maiores compras com a Casa Julio Becker, me veio a idéia de comprar batatas. Em Curitiba havia falta desse artigo. Informei-me por telegrama: o preço era 14$000 a saca. Eu era portador de uma quantia de 6 contos de réis, da casa Schmidt & Osternack, que pedia o artigo com urgência. Na casa onde entreguei o dinheiro disseram-me que a firma supra pedia 500 sacas de batatas com urgência. Fui ter com J. Becker; fomos para Novo Hamburgo, e um cunhado do Julio recebeu meu pedido de fornecer 500 sacas de batatas com urgência. De fato, num prazo de cinco dias estavam para o embarque em P. Alegre. Logo foram embarcadas para Paranaguá. Foi vendida a saca, em Curitiba, pelos 14$000; num dia só foram entregues da estação para os fregueses, e me deram um lucro de 3:600$000. Ficou paga minha despesa de viagem e sobrou dinheiro. Era uma das minhas espertezas. Quando, uns 15 dias depois, veio a remessa para Schmidt & Osternack, eu já tinha enchido o mercado com o produto. Eles tiveram prejuízo porque parte veio estragada. Daí por diante fiz compra de muitos outros artigos que não eram do ramo, sempre dando resultado.

Nessa mesma ocasião, eu estava hospedado em casa do Sr. Julio Becker, quando convidou-me para passar a noite na Sociedade Lírica Germania. Numa 5ª-feira reuniam-se para recreio; até lá fomos. Já havia uma mesa bem comprida, com uns tantos cavalheiros. Fui apresentado a um por um, e não é que fui dar com o tal Capitão Walauer, que me tinha saqueado na Revolução, na minha retirada de Tijucas? Não pude me conter, e disse que não me podia sentar a uma mesa, por encontrar um bandido junto a eles. Apontei o tal capitão, e relatei tudo o que acontecera com o tal sujeito. Pedi desculpas aos presentes e lhes disse que amanhã havia de me encontrar com as autoridades para mandar prendê-lo. Num momento ele se levantou da mesa e deu o fora. Um irmão dele, Dr. Walauer, que goza de prestígio e é um bom médico, também da casa do meu amigo J. Becker, foi me procurar depois de uns dias, sabendo do caso, e me propôs indenizar-me pelos prejuízos que me fizera seu próprio irmão. Não aceitei e lhe disse que estava satisfeito de ter desmascarado o digno irmão. Foi fatal para o meu Julio, mas ele me disse: — Deste uma lição de mestre.



Voltando a Curitiba, encontrei em casa um grande grupo de família, meus pais, cunhados, irmãos, irmãs etc. Mamãe fez um grande jantar, oferecendo aos parentes a minha feliz volta do Rio Grande. Enquanto estávamos no melhor da festa, Mamãe pediu desculpas e levantou-se da mesa, junto com Mamãe (Vovó). Subiram escadaria acima; daí a pouco fui chamado. Pedi desculpas e me retirei, alegando que já estaria presente. Chamei um carro caleça, e fui buscar a parteira, Dona Anna Glaser. Subimos ao aposento sem as visitas perceberem, e estávamos tragando as boas cervejas daquele tempo quando fui chamado. Tinha nascido uma menina, que era Linchen. Em 8 de fevereiro, um parto feliz e rápido. Vim ter com as visitas e participei o acontecimento. Recebi felicitações de todos, e foram se despedindo, para no outro dia virem as mulheres ver a recém-nascida. Mamãe, bastante disposta, tinha trabalhado muito para minha chegada; até cortinados ela mesma colocou. Com certeza, com esse movimento todo facilitou o parto dessa forma. Na última época, muitas senhoras não fazem movimento de corpo, e ficam prejudicadas e sofrem no parto.


(Mais uma preciso contar.) Quando cheguei ao porto do Rio Grande a bordo, estava no cais como de costume muita gente, entre eles o Sr. Abraham Glasser, que era do Partido Revolucionário. Tinha fugido de Curitiba por estar comprometido. Esse cavalheiro tinha denunciado o cunhado Roberto (eram vizinhos): que ele recebia visitas em sua casa, de oficiais e outros, para conspiração. De novo Roberto foi preso, e levado para a Serrinha. Lá sofreu vários horrores. Afinal, o irmão dele, José Hauer Sênior, tratou da soltura dele, depositando uma quantia em dinheiro e se responsabilizando.

Quando saltei em terra, o tal Abraham chegou-se a mim indagando de sua família, porque fazia tempo que se tinha afastado. Eu olhei fixo para ele e lhe disse: — Não lhe posso dar notícias de sua família, e lhe dou um conselho: se me encontrar durante o dia mando prendê-lo, porque o Sr. é um grande patife e um revolucionário e andam à sua procura. — Quando cheguei a Pelotas, fui ter com um cunhado dele com quem eu negociava. Ele me contou que o cunhado dele, Abraham, passara por ali, pedira dinheiro e seguira apressadamente para Bagé. Fiquei quieto e não disse que fora eu quem dera o susto nele. Outra paga pela malvadeza dele.



Os negócios corriam muito bem; o irmão Albino ficou meu interessado. Quando eu já tinha acumulado um bom capital, que passava dos 50 contos, sempre alerta e trabalhador, tio João comprou um terreno do sogro no arrabalde do Seminário. Fez casa e pôs um pequeno curtume, e tinha ainda sua oficina de lombilheiro. Toda a sua produção, eu ficava com ela. Foi quando ele veio a se casar com minha cunhada Helena, de forma que éramos irmãos e concunhados.

Chegou o ano de 1906. Já tinha aceito tio Albino como sócio, e fui fazer uma viagem à Alemanha, tratar de negócios de importação com a Casa A. Steffens, com que já tinha relações. Quando parti, tinha deixado a filha Adelaide adoentada, mas não gravemente. No dia em que embarquei no Rio, no transatlântico da HSA [4], recebi um telegrama a bordo, participando a morte da filha Adelaide. Fiquei bastante irritado. Não podia fazer nada: voltar com a passagem paga? Resolvi continuar a viagem, bastante constrangido.

Assim se passou o tempo até chegarmos a Bremen. Foi receber-me o Sr. Gustavo Jester, procurador da firma A. Steffens. Nossa chegada era às 2 horas da noite; a bagagem ficou a bordo para ser entregue em Hamburgo. Fomos ao Bremer Rathauskeller, depois de termos tomado quartos no hotel. Foi um jantar daqueles, regado pelos bons vinhos do Reno. Enquanto estávamos na adega tudo ia muito bem, mas quando chegamos ao ar livre não sei como foi: na manhã, quando me acordei, vi o que se tinha passado comigo. Tinha vomitado tudo. Com a cabeça ainda em revolução, toquei a campainha. Chamei a camareira, pus 5 marcos na sua mão, e pedi que fizesse uma faxina completa. Às 10 horas encontrei-me com o Sr. Jester: tinha-lhe acontecido a mesma cousa. Um policial Constabler nos tinha conduzido para o hotel num carro trole. Assim foi minha primeira viagem à Alemanha, um grande porre que me incomodou vários dias e me serviu de lição.



(Tenho que observar algumas partes da minha vida, que só agora me vieram à memória.) [5] Em 1881, meus pais resolveram voltar para a pátria de nascimento, aqui ficando as duas irmãs casadas: Julia com Ferdinando Jucksch e Guilhermina com Roberto Hauer. Nessa ocasião tinham feito uma casa, na atual Avenida 15 de Novembro, onde está o Cinema Odeon. O terreno ia até os fundos, à outra rua. Era uma casa de material. Papai achou que no Affenland [6] não se podia continuar. Mas a verdade era que ele estava com saudades da sua terra, lembrando-se da vida que passava: todas as noites em bares com amigos. Toda noite era um outro bar, com todos os conhecidos do grupo. Afinal, Papai vendeu a casa por 8 contos de réis. Com mais um pouco de economia que tinha, dava lá para comprar outra casa, mas tinha que trabalhar no seu ofício.

Antes da partida, começaram a vender todos os trastes da casa. Entre outros, Papai tinha um bilhete da Loteria Ipiranga, de S. Paulo; como tinham já por várias vezes prorrogado o prazo do sorteio, um amigo dele, vienense, Philipowski, tentou comprar o bilhete sabendo o número. De fato, tinha saído o sorteio naqueles dias em que Papai estava ocupado com outros afazeres. Vendeu o bilhete para o tal tratante, que sabia da lista que tinha vindo para a Casa do Sol, de um Sr. Barros, e esse bilhete era premiado com 10 contos, o que era bastante dinheiro naquela época.

Mamãe ainda fez ver a Papai que não vendesse o bilhete e o deixasse em mãos de uma filha. Ele respondeu que nunca fariam o sorteio, mas não venderia; o caso era que estava vendido para aquele ladrão. O interessante aí vem. Mamãe sonha á noite que dois gnomos lhe trouxeram muito dinheiro sobre a mesa. Ela conta e são 10 contos de réis. Contudo vem um outro, que tem um grande avental, passa a mão por cima da mesa e tira todo o dinheiro. Mamãe deu um grande grito e se acordou. Papai perguntou o que ela tinha. Ela contou o sonho e perguntou: — Será que vamos ser premiados? —, e Papai respondeu: — Sonhos são como Seifenblasen [7]. — E assim ficou calado e não contou que tinha se desfeito do bilhete.

Chegou a hora da partida, e seguimos numa diligência para o porto de Paranaguá (digo, Antonina), pela estrada da Graciosa. Como quis o acaso, não é que no meio da viagem encontramo-nos com o tal sujeito do bilhete de loteria, num trole puxado por 4 cavalos? Estava de volta a S. Paulo, buscar o dinheiro roubado ao Papai. Mamãe começou a chorar e a lamentar o acontecimento. Papai respondeu a Mamãe: — Se você continuar o lamento, na chegada ao porto me jogarei ao mar. — , e daí por diante houve sossego. Papai disse: — O destino marcou este dinheiro para não ser meu, e já me conformei com o caso. Mas o tal sujeito também não há de ser feliz com o roubo. — E assim de fato foi. O dinheiro acabou ligeiro, e o tal do homem morreu na valeta.

Em nossa chegada a Antonina, hospedamo-nos no hotel da Madame Roskamp, e no dia seguinte fomos, num grande bote a vela e remo, rumo a Paranaguá. Lá hospedamo-nos no hotel de Dona Anna Soares; ela era de origem alemã, muito carinhosa e atenciosa com seus hóspedes.

Embarcamos num vapor do Lloyd Brasileiro até Santos. Lá tomamos um vapor alemão e seguimos ao porto de Hamburgo. Para encurtar, quando chegamos à Áustria, à cidade de Gablonz a/N, onde nós tínhamos nascido, Papai logo comprou uma casa e começou a trabalhar no seu ofício. Mas não demorou muito tempo para começar a ficar descontente. Não encontrou mais o lugar assim como o tinha deixado. Seus companheiros estavam todos espalhados. A vida já estava diferente; começou o inverno rigoroso, e vieram os aborrecimentos. Estávamos em janeiro; Papai vendeu a casa, desta vez com lucro. Voltamos outra vez para o Affenland, e chegamos em Curitiba no mês de março. Nós, guris, tínhamos todos botas dessas bem pesadas, de inverno. Chegamos como imigrantes, como se fôssemos polacos; ficamos envergonhados e nunca mais usamos as botas, porque os guris daqui sempre debochavam de nós, chamando-nos de polacos, o que naquele tempo era um grande insulto.

Mudamo-nos de novo para a Rua Riachuelo, e Papai comprou a casa que mais tarde lhe compramos, um sobradinho. Nesta casa fiz o meu pecúlio, progredindo sempre.



O tio Albino, como sócio, veio a se casar, mas lhe fiz ver que na nossa casa comercial as mulheres não tinham que pôr o bico, porque na família Eschholz havia essa mania.

Minhas viagens à Europa foram a negócios, a recreio, e mesmo para tratar da saúde. Várias vezes Mamãe me acompanhou nessas viagens. [8] Em 1899, tinha resolvido passar uma temporada na Europa com a família. E assim fizemos. Chegamos ao porto de Hamburgo e seguimos para a Áustria, para Gablonz a/N, cidade de minha nascença. Foi onde a Elfrida nasceu. Ficamos uma temporada aí. Albino levei a Hamburgo para os estudos, e lá ficou cerca de 6 anos. Nós já estávamos de volta a Curitiba, e o Albino voltou depois dos seus anos de estudo para logo mais voltar a Hamburgo, para praticar no comércio na casa de nossas relações, firma A. Steffens. Ficou como voluntário 2 anos. Terminado esse tempo, voltou a Curitiba, começando a trabalhar conosco. Foi quem mais pôde aproveitar a educação.



[9] Mais tarde, em 1914, as nossas bodas de prata festejamos em alto mar. Nessa ocasião, levei a família toda para a Alemanha, fazendo residência em Hamburgo, para dar-lhes uma educação nas escolas etc. etc. A família era composta dos filhos e filhas: Alzira, Elfrida, Alice, Rudi, Alfonso e Tito, porque deviam ter o mesmo direito que o filho mais velho. Infelizmente, rebentou a Guerra, e puderam só aproveitar 2 anos e meio, quando nos vimos obrigados a voltar para a nossa Curitiba.


Quero ainda mencionar que depois da minha volta, no ano seguinte, compramos o curtume no Portão, que trouxe boas vantagens para a nossa empresa. Em 1925 compramos o prédio onde existem hoje a fábrica e a loja de calçados, duas compras feitas com muita vantagem para o futuro.

O curtume, com aquele colosso em terrenos, prédios etc., custou com escritura 24:500$000, vinte e quatro contos e 500.000 réis, e a Casa Favorita com o prédio velho veio a custar 26 contos de réis, e o tio Albino sempre com medo para esses negócios. A casa sobradinho da mesma rua foi vendida por 60 contos, e nós a tínhamos comprado de Papai por 22 contos.



Quero ainda mencionar quantas vezes atravessei o oceano, o grande mar. Em 1872/81 e 82 [sic]: quando da primeira viagem, e em 1881/82 quando voltamos para a Áustria, e de novo de volta a Curitiba. As seguintes viagens foram parte só e parte com Mamãe ou com a família: 1896, 1899, 1901, 1903, 1905, 1908, 1911, 1914, 1921, 1927 e 1930.


No tempo da estada em Hamburgo, quando rebentou a Guerra, devíamos à firma A. Steffens cerca de 138 mil marcos, e liquidamos essa importância no correr do ano de 1915. Como havia uma lei dos aliados ingleses e americanos, para a Alemanha bloqueada, que podiam sair as mercadorias compradas e pagas da Alemanha, comprovando-o com documentos, veio-me uma boa idéia. Propus ao Sr, Steffens que o dinheiro que tinha vindo para pagar nossa dívida poderia servir para compra de mercadorias. Afinal, era um negócio de confiança por parte do Sr. Steffens. Assim resolvemos manobrar com pedidos que fiz com datas atrasadas, e esses documentos foram enviados à Holanda, à Embaixada Inglesa. De lá recebi a resposta que podia remeter para embarque em Amsterdam num certo prazo, acompanhado das faturas. Eu tinha comprado só de uma fábrica 500 dúzias de pelica imitação e outros artigos, que à nossa firma deram grandes lucros. Mais tarde, quando tinha terminado a Guerra e a Alemanha começou a exportação, aí pudemos nós auxiliar a firma A. Steffens, que tinha ficado mal de finanças. Liquidamos os fornecimentos feitos na época da Guerra, e mandávamos sempre acompanhando os nossos pedidos cheques em libras para cobrir os pedidos. Assim continuamos com nossas relações comerciais até o senhor chefe da firma, Sr. Gustavo Steffens, ter falecido. Daí por diante, com os sucessores, os filhos, vimo-nos obrigados a deixar as relações comerciais por vários motivos.


(Outra observação interessante.) Quando Mamãe era mocinha ia à Escola Alemã Protestante. Tinha uma amigazinha e todos os dias vinham do arrabalde do Seminário até aqui onde está a nossa residência, naquele tempo Chácara Dr. Muricy. As duas garotas descansavam, e nessa ocasião Mamãe, como mocinha, manifestou que um dia se casasse queria ter a sua casa ali naquela chácara. Mais tarde, já casados, na minha volta da Europa em começo de 1897, eu comprei o lote de terreno para fazer nossa casa e vim surpreender Mamãe com a compra do lote. Foi quando ela me disse: — Que surpresa que tu me fazes! Pois justamente era meu sonho quando menina que, se eu casasse, queria ter o meu lar aqui. — Em fins de 1897 comecei a construção, e hoje, quando escrevo estas memórias, fazem justamente 50 anos de existência e 7 anos de reforma da casa. Vivemos aqui muito felizes, com exceção dos meses, periodicamente cada ano, em que me atacava no começo do verão um mal-estar dos nervos; no mês de março desaparecia o estado nervoso. Eu começava outra vez a trabalhar com energia e a recuperar o tempo perdido.

Aqui nesta casa nasceram Alice, Rudi, Alfonso e Tito. Eu tinha feito esta casa porque na R. Riachuelo a casa não tinha quintal, e não se podiam deixar as crianças na rua. Aqui foi para o bem de todos. Quando mudamos para cá tínhamos como crianças: Alzira, Elfrida, Albino e Linchen, que puderam em conjunto gozar a natureza. Nossa casa era para aquele tempo um palacete, e um dos primeiros chalés nesta rua. Tínhamos uns anões, Heinzelmännchen [10], que eu tinha trazido da Alemanha, e pusemos no jardim da frente; eram a atração da criançada que com os pais, aos domingos, passava pela frente da nossa casa para admirá-los. Eram os primeiros que apareceram em Curitiba.



(Mais uma lembrança que me veio à memória no momento em que estou escrevendo.) Mamãe tinha sonhado que o pai dela, o Vovô, estava na igreja assistindo a uma missa, acompanhado de vários parentes, quando num momento lhe deu uma vertigem, caindo morto dentro da própria igreja. Pois depois de pouco tempo veio a notícia tal e qual a Mamãe tinha sonhado. Tinha acontecido no momento em que Mamãe sonhou; aqui eram quatro horas da manhã e lá 8 horas.


Em 1897 a casa estava em construção; Papai (Vovô) ficou doente e morreu sem poder ver a casa pronta, o que era de seu desejo. Alcançou a idade de 62 anos. Mamãe (Vovó) sobreviveu quase 35 anos até quando faleceu. Assim continuou a nossa vida (quero dizer a minha).


Várias vezes embarquei para a Europa a interesses comerciais. Um dia recebi uma carta particular do Sr. A. Steffens, incluindo uma carta com a falsificação do meu nome, datada de 21 de agosto de 1906, e me fazendo ver o perigo que essa carta representava. O Albino, nessa época, trabalhava na firma como voluntário. O Sr. Steffens mostrou-lhe a carta, e puderam ambos constatar a falsificação da carta e seu conteúdo. Os meliantes dessa carta eram de opinião de que eu e a Casa Steffens trabalhávamos de comum acordo, com dinheiro falso. Eu fazia o pedido para repetir a remessa, conforme reza a carta, que junto ao arquivo de minhas memórias para poderem ver a carta original [11] e que má-fé havia a esse respeito. Para mim não foi outra pessoa senão o Sr. Henrique Thielen de P. Grossa quem escreveu essa carta. Pois nessa época, mais ou menos, ele estava em Hamburgo, e era também freguês de Steffens, quando um dia abandonou até a sua bagagem e saiu fugido da Alemanha, porque a Polícia estava à sua procura. Mais tarde, quando ele voltou, o falecido tio João assistiu, na casa comercial do Sr. Carlos Luhm em P. Grossa, ao Sr. Thielen fazendo pagamento a um fazendeiro que lhe tinha vendido gado. Entre o dinheiro, havia notas de 100$000 - 200$000, que o tal homem rejeitou por não serem boas. Sem cerimônia, retirou de dentro do bolso notas boas, e disse: — Vou levar estas outras para a pessoa que mas deu em pagamento; eu não reparei que não eram boas (falsificadas). — Outra tragédia que deixo registrada nas minhas memórias. Em toda a minha existência comercial, houve várias crises e revoluções, muitas falências e concordatas, e até epidemia de incêndios. O recorde, naquele tempo, era a cidade de Paranaguá, onde chegou um período em que nenhuma companhia de seguros aceitava mais seguros de fogo. Nós continuamos a trabalhar sempre na maior honestidade, mesmo havendo tempo de grandes lutas. A nós nunca foi negado crédito nos bancos. É claro que tínhamos que ficar num certo limite. E assim ficou até esta data, em que escrevo minhas memórias.


Na época de hoje, quem viaja, por exemplo, para S. Paulo com família, ficando só ausente 15 dias, gasta uma fortuna contra a viagem que fizemos para a Alemanha em 1914. A bordo do vapor Cap Verde, os 3 camarotes melhores estavam à nossa disposição. Vejam o relatório de quanto custou a mesma:
 
  Viagem a S. Paulo etc.
487$000
  Despesas em Santos
82$500
  Idem, Rio de Janeiro
80$000
  Passagens Santos - Hamburgo
(3 passagens inteiras
2 ½ passagens
1 ¼ idem
6 pessoas)
2:000$000
  Despesas a bordo
360$500
   
Total          3:010$000

Quanto custaria hoje?



Em Hamburgo, depois de uns dias no hotel, aluguei um apartamento mobiliado no Mundsburgerdamm, de uma Sra. Wolf. Tudo era antiquado, em mobília etc. etc. Passados uns meses, tratei de alugar um apartamento no Immenhof, com todo o conforto, e fui tratando de mobiliar o mesmo. Houve ocasião de eu adquirir em bons leilões boas mobílias, que em parte existem como mobília do meu escritório, dormitório e sala. Bem instalada que estava a nossa vivenda, ali ficamos residindo até o mês de setembro de 1916, durante a Guerra. As filhas visitavam uma escola primária em Barmbek e os 3 guris iam à escola Dr. Wanschaff. Chegou o tempo em que tínhamos de tratar de voltar a Curitiba. O Sr. A. Steffens todo esse tempo me financiava. Na volta, fomos via Holanda, porto de Amsterdam, para embarcar no vapor de nome Hollandia depois de 6 dias da chegada ali. Era eu quem dirigia a caravana; éramos 22 pessoas. Eu financiei as despesas de viagem da família Garmatter (4 pessoas: vovó, mãe e um casal de filhos), de Evaldo Hauer, da Senhorita Sinha Mayer. Faziam parte ainda a Sra. Schmidlin e família, Sra. Asseburg Koehler e filha, e uma senhorita de um gerente do Banco Germania, alemão do Rio, de cujo nome não me lembro, veio a meu cuidado.

Como eu já tinha estado em Amsterdam, no hotel cujo proprietário se chamava Emilio Nagel, correspondi-me com o mesmo de Hamburgo, avisando que seguiríamos em caravana, e esperava que nos fizesse um preço especial durante nossa estada ali. E de fato foi camarada conosco; passamos dias bem agradáveis até nosso embarque. Na véspera da partida, na última noite, o proprietário do hotel, Sr. Nagel, com sua senhora e um casal de filhos de maior idade ofereceu-nos uma surpresa em seus aposentos. Um concerto: a filha ao piano e o filho ao violino: artistas, alegria e canto. Foram servidos doces, vinho e champanhe. Assim, despedimo-nos na manhã seguinte, agradecendo as gentilezas, e por muitos dias, a bordo, falávamos dessa bela gente. Preciso ainda observar que, quando chegamos de Hamburgo a Amsterdam, no hotel, à tarde sentamo-nos à mesa das refeições. O cardápio era todo de primeira: o pão alvo, manteiga, queijo, presunto etc. Ficamos encantados porque fazia tempo que nos faltava esse alimento. Em Hamburgo, tocavam a cada pessoa 200 g de pão por dia, 90 g de gordura por semana, e assim por diante.

Durante a Guerra e nossa estada em Hamburgo, havia também ali uma família de Petrópolis chamada Alberto Schaefer e Senhora, e o filho Alberto. Tínhamos tido relações de amizade. Em 1915, o Brasil e Portugal tinham entrado na Guerra, e eles estavam com as relações cortadas, e não lhes vinha mais dinheiro. Estavam numa situação crítica, sem meios de vida. Perguntaram-me se não era possível lhes emprestar a quantia para 3 passagens até Portugal. Fui ter com o Sr. A. Steffens, contando da situação deles, e prontificou-se a pôr à disposição 1.200 M; e assim pude lhes servir para saírem desse aperto.

Em 1919 o filho, Sr. Alberto, foi a Hamburgo buscar a noiva para casar, e escreveu-me antes de sua partida, perguntando se queria mandar alguma coisa para Linchen. No Rio faziam fornecimento. Levou um caixão com 50 quilos de mantimentos, e roupas para Linchen e Sr. Jester. Entregou tudo, despachou para Dierdorf, e não me cobrou nada pelas despesas que teve, em gratidão por eu lhes ter servido num momento de aperto.

Nossa viagem a bordo, em 2ª classe, custou já 5 vezes mais do que no Cap Verde para Hamburgo. Em alto mar, uma Sra. Ignacia Paula França, com um filho doente tuberculoso, que viajava de 1ª classe, soube que eu também estava a bordo, por intermédio de um enfermeiro suíço que os acompanhava. Mandou me chamar para poder falar comigo. Em poucos dias faleceu o filho, e me implorou fazer o possível para o cadáver ser embalsamado. Ela não queria que fosse enterrado no mar, mas também não tinha recursos em dinheiro. Fui ter com o comandante e o médico; concordaram em embalsamar, sendo o custo 1.200 ƒl. Afinal, consegui pela metade do preço. E agora, arranjar o dinheiro. Fui ter com minha caravana. Todos tinham dinheiro para as despesas extras. Reuni tudo, e paguei o doutor de bordo. Na chegada ao Rio, Mamãe e eu fomos comprar roupas e chapéu de luto para a senhora, e pedir dinheiro para meu amigo João Soares, e restituir as importâncias aos meus companheiros de viagem. Em Santos foi o desembarque. Chegamos a Curitiba, e a mulher não se mexia para pagar. Levou meses para liquidar, e ficou ainda aborrecida de eu ter pedido o que me devia. O enfermeiro, que tinha uma economia de 10 mil francos, pô-la à disposição para poderem voltar. Levou quase 2 anos aqui para receber. Também se encontra gratidão desta espécie.



[12] Agora tenho que voltar para 1901. Eu tinha feito uma viagem de negócios para o interior. De Porto Amazonas fui com outros companheiros num vapor, pelo Rio Iguaçu, a S. Mateus e União da Vitória, dormindo em cima de sacos etc. etc. Em Porto União tratei dos meus negócios. Meu freguês, desde o começo no Batel, Sr. Francisco Neumann, foi muito atencioso e antes da partida de volta ofereceu uma festa na Sociedade Germania. Foi até clarear o dia. Quando embarcamos no vaporzinho de volta, logo na partida tive um ataque e dores horríveis. Era inflamação do apêndice (Blinddarm). Como navegávamos contra a maré [sic], levamos 3 dias até chegarmos em Porto Amazonas. Sempre com as dores, fui ter com o compadre Dr. Georg Mayer, na minha chegada a Curitiba. Aconselhou-me, depois de ter receitado, seguir para a Alemanha e fazer uma operação. Em maio do mesmo ano embarquei no porto de Paranaguá, num vapor da HS [13]: Guahyba. O vapor, de 2.000 toneladas de carga, 20 passageiros de 1ª classe e 50 de 3ª classe (vapor misto), levava até Hamburgo 30 dias. Tocava nos portos seguintes: Santos, Rio, Vitória, Bahia, Pernambuco, Madeira, Lisboa, Leixões, Vigo, Bremen e Hamburgo. A viagem foi bem descansada; tanto o capitão como 1 engenheiro tornaram-se meus amigos, e tomava nos camarotes deles o melhor vinho da Madeira, que eles recebiam como presente nas ilhas em que pegavam o carvão. Durante a viagem atacou-me a inflamação, e com os remédios do médico de bordo passou.

Chegando a Hamburgo, falei ao Sr. Steffens o fim da minha vinda, e ele me recomendou o seu médico da casa, Dr. Ochs [?]. Depois de ter-me examinado, me disse: nada de operação, e mandou-me para as águas termais de Karlsbad. Tinha levado o Albino em minha companhia. Lá fiquei me tratando um mês, enquanto Albino voltava a Hamburgo. Depois viajei: fui a Gablonz a/N visitar os parentes, principalmente o primo Adolph Richter e outros, fui à Suíça e outros lugares. Na volta a Viena, na minha partida de trem para Hamburgo, começou de novo a inflamação. Sofri horrivelmente até minha chegada em Hamburgo. Mandaram-me para o Marienkrankenhaus. Lá fiquei me tratando 15 dias, e me lembrei do médico Dr. Ochs, que era um verdadeiro animal, Heuochs [?].

Voltei sem fazer operação, e a bordo, na metade da viagem, outro acesso de inflamação. Não sei como pude suportar. Chegando a Curitiba, em casa, passou uma temporada sem inflamação, mas de tempos em tempos tornava o sofrimento. [14] Chegou o ano 1903, e resolvi fazer nova viagem a Hamburgo, dessa vez com a resolução de fazer a operação. Já havia nessa época um Professor Dr. Kümmel, especialista. O Rei da Inglaterra tinha mandado fazer semelhante operação, seguindo o Dr. Kümmel a chamado, como especialista, para assistir. Isso serviu de reclame. Daí veio minha resolução. Fi-lo ver a Mamãe; nessa época Alice tinha 6 meses de idade. Ela resolveu energicamente e me disse: — Eu te acompanho, não te deixo ir só como há 2 anos atrás. — Repliquei: — E a Alice? — Levo também. — Naquele tempo uma operação de apêndice era cousa do outro mundo. E assim foi; nessa época foi inaugurada uma linha italiana de navegação, para partir do porto de Paranaguá. No vapor Rei Humberto tomei passagens até Gênova.

Nessa ocasião foi em nossa companhia o filho do compadre Dr. Georg Mayer, também do mesmo nome, Georg, para estudar na Alemanha a Medicina. Na partida daqui a Paranaguá, tínhamos um carro especial da estrada de ferro, acompanhados pelo compadre, Dr. Westermann e Engenheiro Lange. Em Porto da Água hospedamo-nos no Hotel Modesto Johnscher, até a partida.

Tivemos uma viagem muito boa até Gênova, Alice é que dava bastante serviço. Em Gênova hospedamo-nos num hotel de conforto. Ficamos uns dias, e seguimos viagem até Roma, depois Milão, Zürich na Suíça, dali diretamente até Hamburgo. Em Lahr um médico, amigo do Dr. Mayer, esperou nossa passagem para receber o Georg, que nos deixou com lágrimas nos olhos. Alice foi muito impertinente durante a viagem de estrada de ferro. Afinal chegamos ao nosso destino. Hospedamo-nos no Hotel Rau, já meu conhecido, em frente à Estação Central (Glockengießerwall). No dia seguinte fui consultar o Prof. Kümmel, e me disse: — Convém fazer a operação breve. — Eu estava de acordo; ele telefonou ao Eppendorfer Krankenhaus para saber se tinham leito vago, e ficou resolvido eu entrar à tarde, para ser operado no dia seguinte. Voltei para casa, e disse a Mamãe: — Eu tenho que me apresentar à tarde. Levarei uma valise com o necessário para pernoitar, para lá fazerem um exame completo. — Não lhe disse que na manhã seguinte seria operado, porque ela tinha tanto receio. Lá no hospital, deixei o endereço de Mamãe. E de fato na manhã seguinte fui operado, rodeado de uma dúzia de médicos assistentes. Dali me levaram ao bangalô, ao leito, e telefonaram a Mamãe, dizendo que eu estava operado, e que passava bem, e que no dia seguinte podia me visitar. Assim eu evitei haver cenas, e ela podia estar tranqüila. No dia seguinte, na hora marcada, ela veio com Alice nos braços, e assim todos os dias seguintes. Levei 15 dias para me darem baixa. No quinto dia de operado, veio de manhã a Superiora, me propor se eu não queria aceitar um senhor também doente de apêndice, porque não havia leitos vagos. Ele traria o tal senhor, e se eu simpatizasse e estivesse de acordo, que lhe dissesse. Claro que dividi o meu quarto com o senhor, de nome Hertel, e ficamos bons amigos, e eu tinha bom companheiro e distração. Esse senhor ficou 51 dias no hospital. Hoje se faz essa operação e no terceiro dia já se tem baixa. Para convalescer fui para Melmo [?], perto de Karlsruhe: um parque com mato, muitas lagoas, ideal para passeios, pois é um bom Erholungsheim [15].

Voltei a Hamburgo, tratei de negócios, fizemos mais algumas viagens e voltamos num vapor do Bremer Lloyd até o Rio; de lá, num vapor da Costeira até Paranaguá. A Vovó Schultze tinha ficado em casa com os outros filhos. Chegamos a Curitiba com grande recepção e alegria. Assim terminou a nossa viagem, e eu fiquei curado do mal.



Nas viagens de 1905, fui novamente tratar de negócios na Europa. Em 1908, levei a Linchen para seus estudos até Wiesbaden. Embarcamos num vapor italiano, Corrientes. Nessa ocasião o Sr. Guilherme Tamm e senhora viajavam conosco. A viagem foi muito boa. A bordo existia grande asseio, tanto à mesa como nos camarotes. Vinho branco e tinto era servido à mesa todos os dias. Às 5as-feiras e domingos havia champanhe. A Sra. Tamm era uma dama impertinente. A bordo era reclamadeira sem motivo, de forma que o Sr. Tamm tinha aborrecimentos. Chegamos, com boa viagem, a Gênova. Ali hospedamo-nos num bom hotel; depois de mais 2 dias seguimos viagem via Roma e Milão. Aqui ficamos mais 2 dias. A Sra. Tamm, em viagem de trem, tinha novas rusgas com outros passageiros, mandando abrir e fechar as janelas. Em Milão resolvi me afastar com Linchen, e viajamos sós até Zürich na Suíça. Dali seguimos para Wiesbaden, e internei Linchen em pensão em casa do Pastor Becker, que na minha infância era pastor e professor de escola em alemão. Freqüentei as aulas dele de manhã, e à tarde freqüentava a Escola Pública, do Professor Nivaldo Braga. O Pastor Becker tinha-se aposentado, e se mudara para Wiesbaden.

Nessa mesma época, o Sr. José Hauer Sênior, com sua segunda esposa, foi de mudança para lá, por desgostos familiares, e tinha uma Villa Curityba no Nerotal. Em todas as minhas viagens sempre lhe fiz visitas, e ele um dia me contou toda a tragédia em Curitiba, com parte de seus filhos. Quando casou em segundas núpcias, os filhos acharam-se no direito de repelir o casamento. Um dia ele e a senhora foram assistir a uma missa na Catedral, e a filha dele, Anna Leitner, sentou-se atrás deles para arrancar um colar do pescoço da senhora. Nessa época a Empresa Força e Luz era dele, e havia lá um engenheiro chamado Hacker. Tinham construído uma chaminé nova, e convidaram-no para examiná-la até o fundamento por uma escadaria abaixo, mas ele devia seguir na frente. Ele compreendeu que havia uma ligação elétrica e seria fulminado ao descer. Ele usou comigo uma expressão que só eu podia compreender (Sie wollten mich Hamvultandieren [?] [16]). Hamvultando [?] assassinou um compadre dele chamado Blegi, funileiro na Rua Riachuelo, que lhe tinha emprestado 7 contos de réis. Chegou o tempo do vencimento, e pediu seu dinheiro. O H. chamou seu compadre à sua residência na Rua Desembargador Mota, em frente de onde mora o Sr. Alfonso Hauer. Recebeu-o com muita gentileza e mandou-o sentar-se à escrivaninha para passar o recibo. Enquanto isso, ele e um capanga dele mataram a cacete por detrás o Sr. Blegi. Preso o assassino, eu fui sorteado como jurado, e foi condenado a trinta anos. Continuou o Sr. Hauer: — A meus 3 filhos, Paulo, José, Bertholdo, eu entreguei-lhes a empresa elétrica, que naquela época dava de lucro tantos contos de réis como há dias por ano. Dei-lhes boa educação, deixei-os todos em boas condições, e acharam, parte deles, que ainda tinham direito de se meterem na minha vida particular. — Houve demandas entre eles, panfletos espalhados pelos advogados, escândalos e mais escândalos. Bastaram os aborrecimentos; ele vendeu todas as suas propriedades em Curitiba e veio embora para a Alemanha para nunca mais voltar.

O Sr. J. Hauer e senhora, além de serem muito católicos, davam-se muito com o Sr. Pastor Becker e família, de forma que Linchen foi muito obsequiada pelo Sr. José Hauer e senhora durante sua estada em Wiesbaden.



Foi ali que Linchen travou conhecimento com seu marido Friedrich Stadler. Havia uma prima dele também morando com eles, e assim termina esta parte para começar outra.


Em 1911, Mamãe tinha ficado muito doente, a cuidados médicos do compadre Dr. Mayer e do Dr. Ferencz. Sofria de Ischias [17], estômago e outras complicações. Nessa época nasceu Rudi. Mamãe pesava 76 kg, e com a doença chegou a pesar somente 48 kg. Tendo os médicos, depois de esgotada sua ciência sem resultado, me aconselhado a levá-la para Zürich na Suíça, pensativo achei que não podia resistir à viagem. Em todo caso, disse comigo: Deus há de lhe dar as forças. E assim foi que resolvemos iniciar a viagem.

Seguimos num vapor austro-americano cujo destino era Trieste; desembarcamos em Nápoles. Levei meu sobrinho Evaldo Hauer junto em nossa companhia, para aprender o ofício de relojoeiro na Alemanha.

A bordo, travamos conhecimento com vários passageiros, e todos tinham pena de Mamãe, mas felizmente resistiu bem a toda a travessia do oceano. Só o Evaldo nos deu vários desgostos a bordo. Aí havia até queixas para o comandante. Ele, com um espelho no sol ardente, aplicava o reflexo no rosto de senhoras e torcia as orelhas de pequenos guris, de forma que foi preciso repreendê-lo energicamente. O tratamento a bordo dessa companhia foi o pior de todas as minhas viagens.

À meia-noite chegamos em Nápoles, debaixo de chuva, e tivemos que desembarcar numa lancha. O porto de desembarque era afastado quase uns 4 quilômetros da cidade, sem autos para o trânsito, de forma que um italiano, napolitano, passageiro conhecido a bordo, foi a pé até a cidade buscar um auto. Chegamos no hotel às 2½ horas da madrugada, e a Mamãe suportando tudo. Na dia seguinte Mamãe insistiu para nós visitarmos Pompéia. Mesmo fazendo-a ver que ela cansaria, foi preciso fazer-lhe a vontade. Ajustei um cicerone, e seguimos de trem depois do almoço: uma hora de viagem. Apreciamos Pompéia; foi-nos declarado tudo pelo cicerone. Ali havia umas charretes puxadas por 2 animais, que faziam corridas até o Vesúvio. Pois Mamãe insistiu de novo nesse passeio, que levou umas 3 horas de ida e volta. Chegamos a Nápoles à noite, descansamos, e no dia seguinte, à tarde, visitamos os museus importantes. Vimos múmias em várias posições da tragédia de Pompéia, e muitas outras coisas importantes que não podem ficar todas na memória. O porto e a praia de Nápoles são em menor escala do que os do Rio de Janeiro.

Seguimos para Roma. Ficamos uns dias para descanso; visitamos e apreciamos tudo o que era recomendável: a Catedral de S. Pedro do Vaticano, com um terraço muito grande na frente com escadaria de pedra e mármore. Ali estão postados aleijados, mendigos de toda espécie, pedindo esmolas (plena miséria), e o contraste se encontra na igreja, riquíssima em pedras preciosas e trabalho em ouro. Que tristeza: miséria na frente e riqueza lá por dentro.

Seguimos para Milão: outro descanso. Visitamos o Campo Santo. Que arte e riquezas em monumentos de sepulturas, que não dá para descrever, só mesmo vendo.

Seguimos para Zürich na Suíça, viagem final, passando o Túnel de S. Gotardo, de muitos quilômetros, e na saída logo estávamos na divisa com a Suíça. Chegamos a Zürich e nos hospedamos num bom hotel (Weißer Hirsch). Como tinha recomendação de um médico, professor especialista, chamei-o pelo telefone. Logo atendeu, examinou bem, e mandou buscar uma ambulância para o transporte à casa de saúde chamada Paracelsus, em frente a um grande lago navegável. Quando tinha acabado de examiná-la, Mamãe desmaiou. Ele indagou como tinha suportado a viagem. Eu lhe contei os desejos de ela querer ver Pompéia, Roma etc., depois da chegada a Nápoles. Ele ficou admirado de como ela pôde resistir a tudo. Mas o interesse pela natureza, e de ver tanta cousa, desviou-lhe a atenção da doença. Eu lhe fazia todas as vontades; podiam bem ser as últimas.

Na casa de saúde, foi tratada com todo o carinho por 3 médicos e boas enfermeiras. Os médicos estavam com cisma de que fosse cancro do estômago. Felizmente foi negativo. E assim, com aquele trato bom, voltou a sua saúde. Todos, na casa de saúde, simpatizaram com o gênio que ela tinha; os médicos foram conscienciosos, e cobraram a tabela dos nacionais suíços. Eles têm para estrangeiros outra tabela.

Enquanto Mamãe estava na casa de saúde, eu morava em uma pensão muito boa. Estávamos em correspondência com o Frederico, que era noivo da Linchen. Veio a Zürich fazer uma visita e se apresentar. Tínhamos combinado que quando ele entrasse na estação de Zürich trouxesse o envelope da minha carta na mão, para eu reconhecê-lo. Eu estava na estação para recebê-lo; os passageiros vinham saindo e ele também, com o envelope na mão na altura do peito. Eu fingi que não o vi. Ele olhou à direita e à esquerda; era de se dar risadas. Aí me cheguei a ele e me apresentei como seu futuro sogro. Levei-o à minha pensão, e depois fomos à casa de saúde, apresentar a Mamãe. Ele levou uma corbelha de flores.



[18] Eu ainda preciso mencionar: Quando, em 1908, deixei Linchen em Wiesbaden e me fui para Hamburgo, tratei de negócios. Terminados estes, voltei para a Suíça, à estação termal de Baden, que fica entre Basel e Zürich, e permaneci lá um mês tratando de minha saúde. Lá havia um Kurhaus-Casino [19], com concertos e jogos de roleta limitados até 5 francos no máximo. Em 1911, lá da pensão, fiz conhecimento com um senhor de nome Pariser, e com ele fui várias vezes à tarde para Baden, o que levava 30 minutos de viagem. Jogávamos na roleta, por um sistema infalível dele, das 4 às 5 horas da tarde; ganhávamos 50 a 60 francos, para festejarmos na pensão, no jantar, com bons vinhos e champanhe.


O Frederico ficou uns tantos dias ali conosco, e ficou combinado fazermos uma visita a ele e seus pais, o que se realizou mais tarde. Quando Mamãe teve baixa na casa de saúde, por conselho do Professor Dr. Witaker fomos a Wiesbaden em repouso. Morávamos numa pensão familiar muito boa, no Nerotal. Pegado havia um médico que continuou a tratar de Mamãe, até que ficou bem boa, numa temporada de 15 dias. Dali seguimos para Frankfurt/M, comprar máquinas da firma Moenus. Depois de uns dias, não sei como foi, voltando eu para casa, ao hotel, encontrei a Mamãe com muita febre; teve uma vertigem e tinha perdido muito sangue. Chamei imediatamente um médico, que constatou um aborto. Veio uma ambulância que a levou à casa de saúde da Cruz Vermelha. Chegou a febre a 42° Celsius; foi um milagre sua salvação. Aos poucos refez-se, e resolvemos visitar os Stadler em Dierdorf, para fazermos o seu conhecimento. Aí o Frederico resolveu, em nossa partida de volta a Curitiba, seguir conosco e ficar um ano, para melhor conhecimento. Dali seguimos para Hamburgo, tratar dos negócios de interesse da nossa casa. Quando chegou a hora de nossa partida de volta, chegou o Frederico a Hamburgo, junto com a filha Lilli do Pastor Becker, que também seguia conosco para o Brasil. Embarcamos num vapor da HS e tivemos ótima viagem. Tomamos outra rota; nas ilhas portuguesas, em S. António, tomamos imigrantes, e chegamos às costas brasileiras no Norte. Atracamos no porto de Cabedelo, Paraíba, descarregando trilhos para estrada de ferro. Dali seguimos direto ao Rio de Janeiro. Tivemos uma estada de uns dias, e tomamos passagens no vapor nacional até Paranaguá, e na tarde da nossa chegada seguimos pelo trem da tabela ao nosso ponto final, sendo recebidos com júbilo e alegria. Assim finalizou essa viagem.


Frederico tomou pensão na Thalia. Foi trabalhar como voluntário na Farmácia Carlos Onken, que ficava na esquina onde está hoje a Loja Isberner, na Riachuelo, vizinho à nossa casa comercial. Aqui ficou um ano. Em fevereiro de 1913 casaram, e logo fizeram sua viagem de volta à Alemanha. Eu os acompanhei até Santos. Ficamos hospedados no Guarujá, na Pensão Svea, propriedade de Iverson, muito boa pensão, onde já me tinha hospedado várias vezes.


Em 21/8/1912, estando eu com muito reumatismo nas duas pernas, resolvi ir a Santos acompanhado por Alzira, tomar banhos de mar. Hospedamo-nos na Pensão Svea, já minha conhecida. [20] Lá estivemos 15 dias. Eu andava com duas bengalas. Um belo dia, inventamos de fazer um passeio com um grupo de banhistas, pela praia, até a Praia das Tartarugas. Num sol já de manhã bastante quente, eu, com as calças arregaçadas até os joelhos, com muito custo pude acompanhar a turma. Na volta, senti dores horríveis. As duas pernas ficaram azuis, e duras como uma pedra. Mandei chamar um médico em Santos, e ele constatou uma insolação. Com o trato, em 8 dias eu estava bom, e foi a melhor cura para me livrar do reumatismo por muitos anos.

Voltamos a Santos, e no Balneário José Menino tinha sido inaugurado o Park Hotel. Lá ficamos até nossa volta a Curitiba. Eu tinha gasto nessa temporada 712$000. Quanto custaria hoje?



Quando Linchen e Friedrich voltaram casados para a Alemanha, e os acompanhei conforme já relatei, em 10/2/13, pagando toda a despesa da Linchen, além da passagem para a Europa tinha gasto 1:800$000, fazendo além disso algumas compras. Não me lembro do nome do vapor em que embarcaram, mas sei da companhia: HS de Hamburgo. Voltei num vapor da Costeira até Paranaguá e pelo trem a Curitiba.


Durante vários anos em que eu sofria do sistema nervoso, em certos meses, procurei todos os recursos possíveis. Tratei-me com vários médicos, pelo Espiritismo, com curandeiros e a Ciência Cristã; procurava a natureza. Assim, se não me engano em 1908, Alice [21] me acompanhou, e ficamos na fazenda do Sr. Roberto Müller em Afonso Pena. Estive na Serraria dos Macacos, além de S. José dos Pinhais. Ali o marido de tia Augusta trabalhava; era pleno sertão. Estive igualmente mais tarde, com tia Augusta, além de Quatro Barras em casa de um cunhado dela, Cordeiro Alves. Em Araucária, estive em casa do Sr. Rieckes, outra vez em Afonso Pena, em Porto de Cima na Serra, e assim por diante, até que em 1927, em Hamburgo, consultei o especialista Professor Dr. Nonne, que me mandou para os Alpes da Baviera. A Mamãe me acompanhou, e fizemos temporada em Garmisch-Partenkirchen. No inverno, nos meses de janeiro e fevereiro, apreciamos os esportes de esqui e outros. A temperatura chegou a 20 graus Celsius [22]. Ali recuperei a minha saúde. Nós fazíamos muito turismo a pé, e também em trenó puxado por animal, levando o dia todo. Fomos a Oberammergau, Schloß Linderhof e outros lugares, de forma que aproveitamos bem a nossa estada. Nessa época chegou o carnaval, que se festeja bastante na Baviera. Nos restaurantes que nós freqüentamos fomos convidados para assistir às festas e bailes, de forma que tomamos nossas refeições ali no almoço e jantar. Havia uma mesa grande, redonda, tomada por esses homens barbudos e idosos. Deixamo-los à hora do almoço, e quando à noite fomos lá jantar estavam continuando na cerveja. Aí eu perguntei à Frau Wirtin [23] que nos servia qual seria o consumo da cerveja que bebiam. Ela apontou para um senhor bem idoso e barbudo, e disse: — Este está até agora nos 25 litros. — E outros tomavam mais. Logo começaram as danças, e um desses homens rústicos veio para tirar a Mamãe para dançar. Ela não queria. — Não podes fazer desfeita. Wer unter den Wölfen ist, muß mitheulen [24]. — Apreciamos mais um tempinho, e voltamos para a nossa pensão à meia-noite. No dia seguinte, pela manhã, tinha caído tanta neve que a porta da casa estava entupida de neve.


No mês de fevereiro de 1928 fomos fazer mais uma parada em Dierdorf, de 15 dias. Dali seguimos a Hamburgo; tratamos de compras particulares, e como de costume continuamos hospedados na pensão da Sra. Goetsche até nossa partida para além-mar. Chegamos ao Rio de Janeiro em 21 de abril, e em 27 de abril estávamos em Curitiba. Em julho do mesmo ano tivemos forte geada, e tinha caído neve, como nos Alpes da Baviera. Em certos lugares, conservou-se a neve até 3 dias.


[25] Volto para o ano de 1921. Em 28 de maio embarquei no vapor Limburgia, do Holländischer Lloyd, no Rio de Janeiro, para o porto de Amsterdam na Holanda. Meu companheiro de viagem foi o Sr. Guilherme Tamm, e o filho, que sofria mentalmente. Foi para internar o mesmo num asilo na Alemanha. A viagem foi ótima, e o tratamento e passadio excelentes. Em Las Palmas fomos passear, e o Sr. Tamm levou o filho em sua companhia; mas nos deu incômodo: nos passeios a pé, ele não deixava o sexo feminino em paz, queria abraçá-las. Vimo-nos obrigados a pegar um auto e voltar a bordo para tranqüilizar o rapaz.

Em 14 de junho chegamos a Amsterdam. Hospedei-me no hotel de propriedade do Sr. Nagel. Desde 1916 eu conhecia o hotel, quando a caravana voltou para o Brasil. Dali segui a Hamburgo. Nessa época o marco estava a 150 - 200 réis. Lá fiquei até o dia 29, quando segui para Dierdorf. Em 4/7 Linchen e Frederico me acompanharam num passeio de turismo pelo Reno, que durou uns tantos dias.

Em Köln fiz umas tantas compras, com a ajuda de Linchen: tudo presentes em roupas e outros objetos. Lembro-me do Manchester-Jagdanzug [26] que custou 720,00 M: a 200 réis, 360$000 [sic]. Durou até hoje, e está com o Rudi, que o ocupa para as suas caçadas, de forma que tem 26 anos de existência.

Em 20/7 estive no Jungborn am Harz, fazendo um tratamento de prisão de ventre e nervosismo. O proprietário era o Sr. Dr. Jungbluth. A vida era a natureza, e o nudismo vegetariano. Havia umas tantas casinhas para uma e duas pessoas, cada uma com um nome, desde o Rathaus [27] etc. Eu compartilhei uma com um senhor de Hamburgo. De manhã, às 6 horas, tocava-se alvorada; todos se levantavam, como num quartel, faziam suas necessidades e tomavam o banho ao ar livre, sem se enxugarem. Às 6½ horas era dado um sinal pelo corneteiro. Íamos ao campo do exercício, comandado pelo Sr. Dr. Jungbluth, que levava ½ hora. Depois seguíamos em Gänsemarsch [28] de volta. Fazíamos parada no Rathaus, e o Bürgermeister, prefeito nomeado pelos presentes, um senhor idoso, de barba branca e careca, nu e de cartola, fazia um discurso humorístico. Depois cantávamos Volkslieder [29]. Acabado isso, todos se recolhiam às suas residências. Vestiam-se de roupa Reformkleidung [30] e sandálias, para tomar as refeições em grandes mesas com mais ou menos 600 pessoas, num amplo salão. O menu era o seguinte: Schrotbrot [31], Käse [32] de várias qualidades, leite, frutas da época, nozes, castanhas etc. etc. Quando essa massa de gente trabalha com o Nußknacker [33], podem ter uma idéia do som que dava. Havia, durante a refeição, muita alegria e gargalhadas, e não se sabia muitas vezes por que tanta gargalhada. As senhoras tinham seu parque à parte, mas junto ao nosso, e havia também separação para as famílias. Durante o dia tomava-se banho de sol, ou na sombra, ou Lehmeingrabung [34], conforme a doença. Também havia uma terra preparada (Heilerde [35]). Misturando uma colher de sopa num copo d’água e tomando-a à noite, fazia um efeito purgativo de deixar os intestinos completamente limpos, e um bem-estar. Lá estive uma temporada, e saí de lá bem disposto. Tinha-me sido recomendado pelo Sr. Rodolpho Müller, já falecido.

[36] Em 9/8 segui mais uma vez para Dierdorf. De lá fizemos mais alguns bons passeios, como a Rengsdorf etc. etc.

Em 15/8 segui para Amsterdam para embarcar no vapor Brabantia de volta até o Rio de Janeiro. Dali segui num vapor nacional até Paranaguá, e finalmente fui de trem até Curitiba. Assim se acabou minha viagem de 1921.



Continuo agora no ano de 1930, minha última viagem à Europa, acompanhado pelo Alfonso. [37] Embarcamos em Santos no luxuoso vapor Cap Arcona, em 12 de março. Em Santos, estivemos hospedados alguns dias no Hotel Bandeirantes, na Praia José Menino. A vida a bordo era muito agradável: bom trato, todo o conforto possível. Nossa passagem era de 2ª classe, e custou para os dois 3:740$000. Com essa viagem completei 25 vezes a travessia do oceano. Um certo dia, a bordo, na hora da refeição do almoço, encontramos a nossa mesa enfeitada com mais 2 talheres. Nossa mesa redonda contava 8 pessoas. Perguntei ao mestre do salão o que significava isso. Ele me disse que o comodoro, Sr. Rolin [?], e o subcomandante vinham almoçar conosco, e foi em minha honra. Estava muito animado durante a refeição; houve brindes, bom vinho e champanhe ofertado. Depois da refeição, fomos ao salão dos cavalheiros, e tomamos café moca, e continuou a palestra até as 4 horas da tarde. Nessa viagem o vapor fazia uma média de 26 nós por hora [sic]. Tocamos uma ilha Canária, em Lisboa, e chegamos em Hamburgo a 27 de março. Hospedamo-nos de novo na pensão Goetsche.

Alfonso ficou numa clínica-sanatório, de 12 de abril até 5 de maio. Nesse tempo, desaparecia um ou outro dia, de forma que prejudicava a sua cura. Eu segui viagem até Dierdorf em 13 de abril, e em 27/4, com Erhard [38], fomos pelo trem até Wetzlar, visitar os parentes de Ricardo [39]. Estivemos hospedados num hotel; as refeições tomávamos com os pais do Ricardo, e fizemos vários passeios pelos arredores etc. etc. Depois de 3 dias voltamos para Dierdorf, depois fui a Koblenz a/Rh e acompanhei, numa lua cheia, uma excursão num vapor de passageiros de luxo, que durou das 8 horas até 1 hora da madrugada. Houve banquete e dança a bordo, muita alegria, bom vinho, canto, abraços de gente que nunca se tinha visto na vida. De volta a Koblenz, à 1 hora da madrugada, fomos ainda a um restaurante que estava para fechar porque era Sperrstunde [40]. Convidamos o polícia (Constabler) para nos acompanhar, e com as portas fechadas prolongaram-se a festa e a alegria até às 3 horas. Eu estava hospedado no Hotel Kronprinz em Ehrenbreitstein, em frente a Koblenz, passando o Rio Reno. Todo o grupo me acompanhou até o hotel para a despedida, e enquanto me recolhia começaram a cantar. Tive que aparecer na janela. Enquanto isso, veio um Constabler e pediu silêncio: Ruhestörung [41].

Em 19/5/30 acompanhei uma viagem de excursão, via Suíça, à Itália. Parti de Hamburgo até Baden-Baden, muito bonita estação de águas termais. De lá segui para Basel, Suíça, onde se encontrou o grupo, que era composto de 38 pessoas. No dia seguinte, seguimos viagem até o Vierwaldstätter See e S. Gallen. A bordo de um vapor de passageiros, seguimos viagem via o grande lago até Flüelen. Eu tinha feito amizade com o guia, cicerone, que era o proprietário da empresa. Em todos os hotéis, eram-lhe ofertados bons petiscos e champanhe. Eu fui sempre convidado para participar das festas, que eram separadas dos outros viajantes. Em seguida chegamos a Milão, Roma, Veneza, Bolzano e Merano. Estas duas últimas cidades pertenciam antes da Guerra ao Tirol, Áustria. A senhorita Bianca, que estava naquela época em Roma, a meu convite acompanhou a excursão pelo resto da viagem a parte da Itália. Era naquele tempo noiva de Alfonso. De Merano seguimos para Innsbruck e München, e ali terminou a viagem da turma. De München segui pelo Brenner até Viena, Praga e Gablonz. Demorei-me alguns dias com os parentes, em casa do primo Adolph Richter. Fiz um churrasco à riograndense, que foi muito apreciado. Em seguida fui a Dresden. Lá havia uma Exposição Higiênica, muito interessante. Parti para Leipzig e Berlim, finalizando a viagem em Hamburgo.

Em 14 de março, em viagem no Cap Arcona, na altura da ilha Fernando de Noronha, foi inaugurado o Correio Aéreo. Recebemos ali a correspondência do avião, o que era uma grande sensação para os passageiros; os cartões ilustrados existem na minha coleção de cartões ilustrados.



Volto ao ano de 1925. [42] Em 27/4 Mamãe e eu fizemos uma viagem para o Rio de Janeiro, para descansar um pouco dos trabalhos, que eram exaustivos. Em Paranaguá, tomamos o vapor C. Capella em 28/4; com boa viagem, chegamos ao Rio no dia 30/4, e tomamos aposentos no Rio Palace Hotel. No dia seguinte mudamos para o Copacabana Hotel Londres, naquele tempo um dos melhores hotéis. Nos fundos, em paralelo, era a residência do bom amigo Sr. João Soares, chefe da firma F. George de Oliveira & Companhia. Estivemos muito com a família, e tomávamos banhos juntos: vida alegre e boa.

Depois de poucos dias, o Sr. Soares me convidou para acompanhá-lo no seu auto para a cidade, e apresentou-me vários colegas comerciais do mesmo ramo. Dali por diante comecei a trabalhar. Vendi para várias firmas uns 3.000 pares de perneiras e outros tantos pelegos. Assim, voltamos em 16/5, por terra, via S. Paulo, onde ficamos mais uma semana, e seguimos pelo trem a Curitiba.

Eu tinha que embarcar para Buenos Aires, Argentina, fazer compras de pelegos e outros materiais, para os compromissos de venda que assumi no Rio. Segui depois de poucos dias para Paranaguá, tomar um vapor para Santos. A bordo, jogamos pôquer à noite. Perdi 75$000. No dia seguinte devíamos chegar cedo a Santos; houve um desarranjo nas máquinas, que nos atrasou umas 6 horas. Fui convidado novamente ao jogo. A sorte esteve do meu lado e ganhei 680$000 em duas horas; limpei os companheiros, e desistiram, o que achei muito bom. Chegamos a Santos à uma hora da tarde.

Em 7 de junho embarquei no vapor Pan-America (norte-americano) para Montevidéu. No camarote de luxo a passagem custou 610$000, e ainda sobrou dinheiro do jogo para extraordinários e gorjetas a bordo. Em 9/6, de manhã, chegamos a Montevidéu. Hospedei-me no hotel, pagando 8 pesos-ouro (a 9$000: 72$000 a diária), naquele tempo. A cidade é bonita, com uma praia balneária de luxo. Os argentinos vêm fazer suas temporadas, porque Buenos Aires não tem praia, só o Río de La Plata, sujo e amarelo. Tratei de alguns negócios e segui viagem, depois de 3 dias, num vapor noturno, que parte de Montevidéu às 8 horas da noite e chega às 7 horas da manhã a Buenos Aires. Havia telegrafado ao Sr. Augusto Steffens, mas não estava no porto. Ele morava no arrabalde Tigre, e só encontrou o telegrama no dia seguinte. Pelo agenciador fui ao hotel, que era de um judeu. Fui ao escritório de A. Steffens e me informaram de um bom hotel alemão; logo me mudei para lá. Era inverno, muito frio, e no hotel não havia estufas. Depois de mais 2 dias, mudei-me de novo para o Royal Hotel, na Calle Corrientes, que tinha aquecimento central. Senti-me bem; entrei em negociações para compra de pelegos e quebracho com a firma Irmãos Hermanos [sic]. Também estive em contato com os diretores Nued Soe [?] americanos.

O mercado de couros é uma coisa fantástica. Encontra-se tudo o que diz respeito a este ramo. Em poucos dias tinha realizado os meus negócios. Tive vários convites; a firma Hermanos ofereceu-me um banquete no terraço do maior prédio da cidade, na Calle Florida, com 30 andares. O restaurante tem um luxo extraordinário; a vista à noite é linda. Éramos 4 cavalheiros, e para cada um havia um garçom em libré: os melhores pratos do dia, vinhos, champanhe, licores, charutos etc. Custou essa festa alguns pesos. Houve outro convite, dos americanos, num restaurante de luxo, de forma que gozei à vontade. Outro jantar: na residência do Sr. A. Steffens, onde passei o domingo todo.

Há casas de café especiais, que nem em S. Paulo ou no Rio se encontram iguais. Tudo tem o tom europeu. Em 22/6 segui via trem para Libres, divisa com o Brasil. A noite toda viajamos; em balsas, com o trem, pelo Rio Paraná, que é um colosso. Chegamos às 4 horas de tarde em Libres. Dali seguimos para Uruguaiana, atravessando em balsa o rio do mesmo nome [sic]. Pernoitei, e no dia seguinte, de madrugada, segui de trem até S. Maria da Boca do Monte. Chegamos às 8 horas da noite; pernoitei e no outro dia, às 8 horas, embarquei de novo para Porto Alegre. Chegamos ao fim da viagem às 5 horas da tarde. Hospedei-me no Hotel Guahyba. Fiquei uns poucos dias para visitar o meu amigo Carlos Julio Becker, que tem uma vivenda esplêndida no arrabalde Tristeza, na praia da Lagoa dos Patos. Passei uns dias em sua companhia, até a partida num vapor da Costeira. O amigo C. J. Becker me ofereceu a passagem num camarote de luxo para mim sozinho. Ele tinha muita estima por mim, um verdadeiro bom amigo.



Em 1928 segui viagem a Jacarezinho, em 3/1, acompanhado do Sr. Frey, que foi nosso gerente na filial. Em 5/3 segui com o Sr. Dr. Pamphilo de Assumpção para Blumenau [43], visitar o célebre Evaldo Bernhard, que tinha sido nosso contramestre na seção de fabricação de malas etc., e sistematicamente nos tinha roubado mercadorias. Encontrei miudezas, ilhoses [?], tachas e outros artigos com a nossa marca. Afinal confessou que tinha desviado uns poucos artigos, e pagou 1 conto de réis. Pregamo-lhe um susto, de mandar prendê-lo, e ficou nisso.


Em 3/5 Mamãe e eu fizemos uma viagem para Cabeçudas, via marítima. Embarcamos em Paranaguá num vapor da Costeira para Itajaí. Em Paranaguá encontramos o Sr. Alfonso Weiss com sua senhora, com destino a Santos, e no último momento resolveram seguir conosco para Cabeçudas. Chegamos ao porto S. Francisco. O vapor não podia seguir viagem por desarranjo nas máquinas. A companhia nos pagou a viagem via terrestre até Itajaí. Ficamos todo o mês em Cabeçudas e voltamos em 3/6 a Curitiba. Nessa época Mamãe sempre se queixava de dores de barriga, mas não ligava. Quando, em 1927/28, estivemos na Alemanha, só cuidava de se tratar dos ouvidos, de surdez, e eu consultei em Hamburgo o Professor Dr. Nonne, especialista em moléstias dos nervos.

Neste ponto, o manuscrito se interrompe. Numa folha à parte, escrita a lápis de ambos os lados, existe ainda o texto suplementar que se segue, e que não sei ao certo onde encaixar na narrativa.


Em 1901, quando fui de novo à Europa, sempre passava uma temporada em Gablonz, cidade em que nasci. Na minha volta ao Brasil, vieram junto 2 primos meus, Romão e Eduardo Richter, de profissão carniceiros, fabricantes de salames, lingüiças, presunto etc. Também veio junto Max Hauser, que era de profissão mecânico, mas veio se dedicar à profissão de meus primos. Chegando a Curitiba os 2 primos foram trabalhar com Julio Garmatter uma temporada, e mais tarde foram a Castro trabalhar por conta própria. Max Hauser seguiu para lá também, trabalhando com eles. Lá se casaram meus primos com duas irmãs da família Geissler. Foram muito bem, mas são falecidos todos os 3 companheiros. Max Hauser foi quem fez mais fortuna. Chegou a ter fazenda, charqueada etc. Por um desgosto comercial e familiar suicidou-se em 1941, se não me engano.

Em 1903, segui de novo à Europa, fazendo outra temporada na cidade em que nasci. Na minha volta, tio José Richter resolveu conhecer


Interrompe-se aqui todo o texto existente. Não possuo quaisquer outras anotações. Sou grato por informações que me permitam expandir as Memórias de meu bisavô Rodolpho Hatschbach.

 NOTAS
[1] Na margem: (1868)
[2] As palavras sublinhadas estão assim também no original.
[3] Na margem: (1903)
[4] Hamburg-Südamerika, a companhia marítima Hamburgo - América do Sul
[5] Na margem: (1881)
[6] “Terra dos Macacos”
[7] “bolhas de sabão”
[8] Na margem: (1899)
[9] Na margem: (1914)
[10] “duendes”
[11] De fato, esta carta conservou-se até hoje.
[12] Na margem: (1901)
[13] Hamburg-Süd, o mesmo que Hamburg-Südamerika (vide acima)
[14] Na margem: (1903)
[15] “casa de convalescença”
[16] “Queriam me Hamvultandar [?]”
[17] “(nervo) ciático”
[18] Na margem: (1908)
[19] “Cassino do Sanatório”
[20] Na margem: (1912)
[21] No original está escrito “Alzira”, nome que alguém riscou e substituiu (a esferográfica!) por “Alice”.
[22] negativos?
[23] “Sra. Proprietária”
[24] “Quem está entre os lobos tem de uivar com eles”
[25] Na margem: (1921)
[26] “traje de caça de veludo”
[27] “Prefeitura”
[28] “fila indiana”
[29] “canções folclóricas”
[30] traje largo, arejado, “natural”
[31] “pão de centeio”
[32] “queijo”
[33] “quebra-nozes”
[34] “enterramento na lama”
[35] “terra medicinal”
[36] Na margem: Anno 1921
[37] Na margem: 1930
[38] filho de Linchen
[39] Richard Kyrmse, meu avô paterno, marido de Alice — esta visita foi registrada em fotografia
[40] “hora de recolher”
[41] “perturbação do silêncio”
[42] Na margem: Anno 1925
[43] Na margem: Anno 1928

HOME