Outro dia estávamos numa roda conversando e uma jovem, ao levantar-se para ir ao toalete, convidou a colega ao lado para acompanhá-la. Ao fazer isto, disse pilheriando: mulher é assim mesmo, não vai ao banheiro sozinha . E aí, enquanto ela e a amiga para lá iam, a conversa continuou se desdobrando em torno da relação das mulheres com este cômodo às vezes incômodo das habitações humanas. uma até disse: outro dia descobri na internet um site, banheirofeminino , não resisti e entrei pra ver .
O que ocorre no banheiro feminino? Eis uma curiosidade mais do que masculina. E o assunto na roda continuou, e iam dizendo: às vezes não é necessário que a convidada seja uma amiga, pode ser alguém que se conheceu ali na hora e vai-se para retocar o batom, a maquiagem, dar uma olhada no cabelo. Mas vai-se também por outras razões. para fofocar um pouco, para trocarem informações sobre os gatos tenros e gatões de meia-idade que estão na festa, no bar ou restaurante; vai-se para sondar se a outra percebeu as olhadelas, os torpedos, o coxear sob as mesas . Alguém argumentou que as mulheres levantam sempre para ir ao toalete porque querem se exibir para os homens. Ou para outras mulheres. O fato é que uma chama, e a outra vai. às vezes vão várias delas, juntas. é um tipo de convite quase semelhante ao vamos fazer crompras? , vamos tomar um sorvete? . é convite feito com uma naturalidade tal, como se esse fosse um ritual que já estivesse inscrito no genoma feminino.
Não sei se isto interessa à psicologia social, à antropologia urbana, se já fizeram tese sobre isto, tipo a atualidade e função dos toaletes na vida feminina , mas o fato é que homem não convida homem para ir ao banheiro. Sobretudo aquele que, sendo homem, é tido como um espada . se bem que em tempos de apagões de toda espécie, já não se pode botar a espada ou mão no fogo por ninguém.
Não vou dizer que homens não conversem sobre intimidades. Mas é mais raro. Conversam sobre automóvel e imóveis. e os mais primitivos contam suas façanhas eróticas como se estivessem narrando como abateram caças na floresta. Mas essas narrações são uma competição entre machos, é um negócio entre homens a respeito das mulheres.
Será que as mulheres, sobretudo hoje em dia, conforme esses sites na internet, não estão também indo abertamente à caça como os homens? Parece que sim. mas essa estória dos banheiros femininos talvez venha confirmar que as mulheres são seres muito mais sociais que os homens, que os homens são mais individualistas, mais fechados, que não vão abrindo assim os seus segredos. já a mulher, com um minuto de conhecimento é capaz de ir expondo seu coração à outra, de falar do namorado, de contar impasses do casamento, com a mesma naturalidade como se estivessem comentando jóias e vestidos ou como se fossem amigas de infância.
Há, no toalete, pela exigüidade do espaço, pela cumplicidade da semiluz, algo mais específico, mais secreto. Com efeito, a etimologia de segredo tem muito a nos ensinar neste aspecto. diz-se que secreto vem de secretus, particípio passado de secerno, que significa separar, e que o termo excreção se origina daí. Na frança do século XIII chamava-se de camara secreta o cômodo onde a pessoa podia se aliviar do que foi ingerido.
O fato é que, se o banheiro feminino apareceu exposto na internet, é que ele já não é mais privado, já não é mais secreto, caiu mais um tabu. claro que alguém dirá que isto é virtual, mas já dá para os homens freqüentarem.
Mulheres são seres fascinantes, cheias de amoráveis segredos. por exemplo, outra coisa intrigante são os conteúdos das bolsas das mulheres. Mas isto já é outra crônica.
Bibliography:
Title (titulo): Banheiro Feminino
Text (texto): Affonso Romano de Sant' Anna
Original site: http://www.estaminas.com.br
Photo: Luize Altenhofen, Playboy, Janeiro 2001, http://www.playboy.com.br