Prisão e execução de Jacques de Molay, último Grão-Mestre da Ordem dos Templários, em fogueira do Santo Ofício, em frente à Catedral de Notre Dame, na Île-de-la-Cité, em Paris, em 18 de Março de 1314, acompanhado de Geoffroy de Charnay, preceptor da Normandia.




Conforme diz o historiador soviético Iossif Grigulévitch o "abominável caso dos templários" é o melhor exemplo de como "o aparelho da Inquisição oferecia aos príncipes leigos e clérigos a possibilidade, não só de perseguir os autênticos hereges - isto é, os que se opunham efectivamente à igreja ou não cumpriam as suas determinações -, mas também de reprimir, com o pretexto falacioso da luta contra a heresia, quem quer que por um ou outro motivo lhes parecesse inconveniente - ou aqueles de cuja fortuna se pretendiam apossar. As ameaças e torturas permitiam à Inquisição tirar a esses pseudo-hereges as confissões que os incriminavam, consideradas como prova jurídica da sua 'culpa' e que serviam de base para os castigar pertinentemente. Eram-lhes imputadas, frequentemente, as relações com o diabo e o culto do mesmo, a celebração das execráveis cerimónias satânicas, a feitiçaria e outros crimes similares inventados, com os quais já em certa medida se tinham acusado os cátaros."

A Ordem dos Templários, fundada em 1118 por cruzados franceses, em Jerusalém, com o nome original de Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, veio, ao contrário da sua designação, a tornar-se na mais rica e poderosa confraria da igreja católica. Foi uma congregação de cavaleiros, na qual ingressavam membros das famílias feudais mais ricas de França, onde os templários assumiram a função de banqueiros do rei, sendo eles quem guardava o seu tesouro na sua sede em Temple. No século XIII, a Ordem possuía 9000 castelos e a ilha de Chipre. De um modo geral, foram os primeiros banqueiros internacionais e distinguiam-se pela fidelidade cega à Santa Sé: segundo parece, podia-se acusá-los de tudo, menos de heresia.

Em finais do século XIII, os templários foram expulsos da Palestina. Muitos regressaram a França, então governada pelo rei Filipe IV, o Belo, cujo erário real encontrava-se esvaziado devido às rixas incessantes com os senhores feudais e a prolongada guerra contra os flamengos e ingleses. A solução que encontrou foi virar-se contra os templários, movendo contra eles uma infame e assassina campanha, com auxílio do papa Clemente V, o ex-arcebispo de Bordéus Bertrand de Got - que era uma criação sua. Rejeitado por Roma, Clemente V instalou-se em Avinhão, onde praticamente estava controlado pelo rei francês.

Os templários foram completamente aniquilados e saqueados, passando a maioria deles por terríveis e longas torturas nas masmorras da Inquisição. Os poucos que ficaram em liberdade arrastaram uma existência lamentável, sustentando-se de esmolas. As absurdas acusações variavam entre idolatria, satanismo, relações secretas com os muçulmanos e sodomia. Uma campanha semelhante já tinha sido movida contra os stendiger, camponeses que em finais do século XII se negaram a pagar a dízima e outros tributos ao arcebispo de Bremen e que por esta razão foram excomungados. O papa Gregório IX proclamou uma cruzada contra eles. O resultado final foi a investida de quarenta mil cruzados inflamados pelo ódio. Mais de seis mil camponeses pereceram sob as suas espadas.

A ordem de prisão dos templários foi dada por Filipe, o Belo, em 13 de Setembro de 1307. Escaparam apenas oito, por se terem suicidado. A partir daí criou-se uma campanha propagandística insólita na actividade do Santo Ofício, com o objectivo de persuadir a opinião pública de que os detidos eram verdadeiramente culpados de heresia. Como em todas as acções da Inquisição, o controlo da população era mais ou tão importante quanto a punição dos alegados culpados. Mesmo historiadores ligados à igreja católica não podem deixar de reconhecer que "tribunais da Inquisição talvez nunca tenham sido mais cruéis do que no caso dos Templários", o que é algo quase inimaginável, considerando-se o nível habitual de selvajaria empregue pela Santa Inquisição durante os seus sete séculos de existência oficial.

Num depoimento de Molay descoberto mais tarde, o Grão-Mestre queixava-se de terem-lhe arrancado a pele das costas, do ventre e dos músculos. Como todos os demais, não sucumbiu às torturas e veio a admitir por completo as acusações que foram atribuídas a si e à Ordem, após sete anos de martírio. O julgamento papal, dirigido por três cardeais representantes de Clemente V, veio a ocorrer durante um auto-de-fé em frente à Catedral de Notre Dame, em 18 de Março de 1314. Por terem reconhecido os seus "erros heréticos", Jacques de Molay, Grão-Mestre da Ordem; Geoffroy de Charnay, preceptor da Normandia; Hughes de Péraud, visitador da França e Geoffroy de Gonneville, preceptor da Aquitânia, foram condenados à prisão perpétua.

Mas numa dramática e brava reacção, Jacques de Molay e Geoffroy de Charnay levantaram-se, após a leitura do veredicto, e declararam que a Ordem era pura e santa e que as acusações tramadas contra ela, assim como as suas próprias confissões anteriores, eram mentira e calúnia. Montou-se à pressa uma fogueira e ao fim de pouco tempo, antes de o Sol se pôr, os dois hereges "impenitentes" foram incinerados.

Os autores do "caso" dos templários sobreviveram muito pouco às suas vítimas. Clemente V faleceu de tuberculose, em 20 de Abril de 1314, um mês depois da execução de Molay e Charnay, e a 29 de Novembro do mesmo ano sucumbiu numa caçada Filipe, o Belo. A morte destes 2 protagonistas deu origem à lenda de que Molay os tinha convocado, do outro mundo, para que se submetessem ao julgamento divino. A história reservou uma partida ainda pior à casa real francesa. No tempo da Revolução de 1789, Luís XVI foi preso em Temple, antiga sede dos templários em França. Daí, precisamente, foi levado para a guilhotina.

Embora sem a mesma barbárie - mas espoliada de igual modo - a Ordem veio a ser gradualmente extinta nos demais países da Europa, como aconteceu em Inglaterra, através de Eduardo II. Em Portugal, os templários contaram com o apoio dado à expulsão dos mouros, cuja ocupação impediu a entrada no país da Santa Inquisição, na sua fase medieval. Os sanguinários, ardilosos e gananciosos inquisidores católicos aqui vieram a se estabelecer apenas durante o reinado de D. João III, no século XVI, coincidindo com o início da colonização do Brasil e o processo de escravatura africana.

Em finais do século XVIII, um dos ramos da Maçonaria inglesa, uma ordem não religiosa condenada pela igreja católica, fundada em começo do mesmo século, atribuiu ao grau mais elevado dos seus membros o título de Cavaleiros Templários.




Fontes texto
História da Inquisição, do historiador soviético Iossif Grigulévitch
Uma obra fundamental publicada pela primeira vez em Portugal em 1980 pela Editorial Progresso e reeditada em 1990 pela Editorial Caminho  »
Exemplares disponíveis nas bibliotecas municipais
- Reprodução não oficial -

Encarta Encyclopedia 98
Microsoft, 1993-1997  »


Fonte ilustração
Site em inglês dedicado aos templários   »


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