Compras em redes de lojas
(Artigo publicado em Dirigente Logista, Rio de Janeiro: CNDL, no. 207, 1991, p. 17.)
A decisão sobre a estruturação de área de compras, como as demais decisões sobre a estruturação da organização, parte de uma definição mais geral sobre a natureza especifica do negócio, a filosofia que os acionistas pretendem imprimir nela – caracterizando a personalidade da organização – e a estratégia competitiva adotada para enfrentar a concorrência. Uma vez estabelecidas estas diretrizes, parte-se para a (re)modelagem da organização, de acordo com determinados critérios administrativos. O objetivo deste artigo é discutir um pouco estes critérios, mostrando algumas alternativas hoje existentes para uma rede de lojas.
O ponto central da decisão sobre a estruturação de compras é o seu grau de centralização ou descentralização. Muitos administradores, ingenuamente, tomam esta decisão visando reduzir custos de pessoal como primeiro critério; sem olhar para as características do mercado em que a empresa atua, seus fornecedores e concorrentes, a faixa de clientes a ser atingida e o mix de produtos oferecidos. Estes são os principais fatores condicionantes da decisão, e sua conseqüência mais importante é a relação que será estabelecida entre a compra e a venda.
Em que pese a economia de mão-de-obra, a centralização das compras ganha normalmente a preferência dos administradores por causa dos ganhos de escala: é mais barato comprar muito do que pouco. Este critério geral, no entanto, pode sofrer reveses de diversas naturezas: o mercado fornecedor pode estar organizado regionalmente, de maneira que não é possível, por exemplo, comprar pela matriz, em São Paulo, o que será vendido em Recife. Neste caso, a filial terá que ter uma estrutura de compras própria, por imposição do fornecedor, como é o caso do ramo de produtos farmacêuticos.
Mas a centralização das compras pode principalmente ser inviabilizada pela outra ponta: a loja necessita de um mix próprio de produtos, uma relação individualizada de variedade e giro, em função da preferência de sua clientela. Neste caso, a distância entre o comprador sediado na matriz e o cliente na loja, costuma ocasionar encalhes de alguns produtos e falta de outros. Excetuando-se situações excepcionais de mercado, excesso e falta simultâneos são um sintoma nítido da inadequação da estrutura de compras.
É quase desnecessário ressaltar os custos destas coisas: no caso do encalhe, o capital empatado e o custo de estocagem; e, na falta, o custo da venda perdida e o da posterior recuperação do cliente.
Se a centralização total da compra traz esses problemas e, no entanto, há ganhos de escala significativos a serem aproveitados ou a loja não tem volume para uma boa compra descentralizada, então a função de comprar vai ter que ser compartilhada entre a matriz e as lojas.
Compartilhar a função de compras significa dividir tarefas, as decisões e as responsabilidades pela compra.
A tabela a seguir expõe estas atividades:
ATIVIDADES DA FUNÇÃO DE COMPRAS |
||
TAREFA |
DECISÃO |
RESPONSABILIDADE |
|
O QUE comprar |
Comprar o que o cliente deseja |
|
QUANTO comprar |
Garantir o giro do estoque e a disponibilidade do produto |
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PREÇO de compra e de venda |
Rentabilidade do negócio com um todo |
É importante salientar que quando a compra é totalmente centralizada, estas tarefas, decisões e responsabilidades estão na matriz. Cabe à loja especializar-se em dar um bom atendimento ao cliente e solicitar reposições do estoque para a matriz. É o caso das lojas de conveniência ou de algumas lojas de vestuário.
Para compartilhar estas tarefas, podemos optar pela semicentralização (ou centralização parcial) ou pela semidescentralização (ou descentralização parcial). No primeiro caso, uma equipe especializada no mercado ou no produto percorre as lojas, efetuando as atividades 1 e 2 da tabela, e ainda recomendando o preço de venda. O comprador na matriz operacionaliza a compra obtendo o ganho de escala. Esta estrutura é ainda pouco utilizada no Brasil, mas está presente no ramo de vestuário jovem (lojas de griffe em shopping-centers).
Na semidescentralização, a loja se organiza de maneira acompanhar o giro dos produtos fornecendo as suas necessidades de compra especificas. A loja, portanto, decide "o que" e "quando" vai querer, estabelece seu preço de venda e responsabiliza-se pela rentabilidade da unidade. Na matriz, o comprador e sua equipe organizam-se de forma harmônica complementar às das lojas, fazendo uma negociação global daquilo que elas pediram. Aqui a negociação tem duas mãos: tendo em vista o que conversou com o fornecedor, o comprador pode contrapor à loja. No Brasil, encontramos lojas de artigos esportivos, material de construção e supermercados com esta estrutura.
A descentralização total de compras – a loja faz tudo – sempre se justifica se a loja tiver volume suficiente para efetuar uma compra econômica, e o mix de produtos é suficientemente diferenciado de loja para loja. A proximidade do cliente é uma vantagem que deve ser aproveitada sempre que possível, pois traz um diferencial poderoso em relação à concorrência. Neste tipo de organização, o gerente da loja é um homem de negócio, totalmente responsável pela rentabilidade da sua unidade, com sua autonomia nas decisões da loja. As políticas gerais e a filosofia da empresa devem ser suficientemente claras para que a evolução da unidade – que compra e vende com autonomia – não descaracterize a loja enquanto parte de da rede, com "personalidade" bem definida. Esta estrutura é vista em grandes hipermercados.
Outras variedades podem influir na complexa decisão por uma das quatro formas de organização de compras citadas, como por exemplo, a presença – por vezes, não muito clara – de diferentes negócios na organização, como varejo e pronta-entrega, ou faixas de mercado diferentes no próprio varejo – roupas jovens, roupas para senhoras etc. Cada caso deve ser cuidadosa e criteriosamente estudado.
Se a decisão é complexa, a mudança de uma para outra forma de organização de compras não fica atrás: significa uma alteração profunda no comportamento da empresa, e em geral não vem só, tanto pelos seus impactos na área de informática, administração, finanças, marketing etc., como porque se a estrutura de compras se encontra inadequada ao negócio, outras áreas provavelmente deverão apresentar inadequações. De qualquer forma, a mudança não pode se dar da noite para o dia, e deve ser conduzida por profissionais com experiência em mudança organizacional.
Marcos Amatucci
(Na época: Consultor de Planejamento Estratégico e Organização Empresarial da Coopers & Lybrand Consultores)