Pesquisas sobre História da Arte brasileira  
 
As razões da Arte 
política ilustrada e Neoclassicismo 
(1808-1831)
 
Notas:
1- Cf. TAUNAY, Afonso de Escragnolle. “Documentos sobre a vida e a obra de Nicolas Antoine Taunay”. In. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo LXXVIII, p. 5-147, 1916; TAUNAY, Afonso de Escragnolle. A Missão Artística de 1816. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1983; RIOS Fº, Adolfo Morales de los. “O ensino artístico - subsídio para sua história” (1816-1889), In. Boletim do IHGB. (Anais do III Congresso de História Nacional - outubro de 1938) Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1942. É forçoso também assinalar-se a primazia da contribuição feita pelo historiador da arte Donato Mello Júnior, que levantou subsídios documentais relevantes sobre a vinda do grupo de artistas franceses para o Brasil, os quais enriqueceram a historiografia sobre o tema, concorrendo para a reavaliação do conceito de «missão» pelo qual o assunto vem sendo tratado pela historiografia. É de se lamentar que o falecimento súbito desse historiador da arte tenha interrompido seu projeto que um dia me foi verbalmente manifestado segundo o qual ele pretendia preparar ensaio com a transcrição de correspondência inédita de Nicola Antoine Taunay a Dom João VI, onde Taunay teria pedido, ao Rei, asilo no Brasil. (voltar ao texto) 
 
2 - Cf. FALCON, Francisco J. C. “Da Ilustração à Revolução: percurso ao longo do espaço-tempo setecentista”. In:Acervo. RJ, v.4, no.1, jan/jun 1989, p.53-87 
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 3 - RIBEIRO, José Silvestre. História dos estabelecimentos científicos, literários e artísticos de Portugal nos sucessivos reinados da monarquia. Lisboa, Academia Real de Ciências, 1873. Interesse especial nos volumes II (“Reinado de Dona Maria I”, “Regência e reinado de Dom João VI”), III (“Regência e reinado de Dom João VI (1792-1826)”), IV (“Regência e reinado de Dom João VI (1792-1826)”) e V (“Reinado de Dom João VI”) e LYRA, Maria de Lourdes Viana. A utopia do poderoso império - Portugal e Brasil: bastidores da política (1798-1822), Rio de Janeiro, Sette Letras, 1994 (voltar ao texto) 
 
4 - Cf. MELLO J.r. Donato. Antônio José Landi – Arquiteto de Bebém “Percussor da arquitetura neoclássica no Brasil”. Belém, s/ed. (Estado do Pará), 1974. Anote-se também o artigo “Alguns aspectos da originalidade da obra de Landi em Belém do Pará”, que Míriam Ribeiro de Oliveira fez publicar no periódico IPHAN (Dez. 1996, nº 6, pág. 3), onde são mencionadas as referências ao gosto borromínico que a obra de Landi passou a revelar quando de sua chegada a Lisboa (1750-3) e, depois, ao Brasil (1753-1791)  (voltar ao texto)  
 
5 - Cf. RIBEIRO, Marcus Tadeu Daniel. “Igreja de São Francisco de Paula”. In. RIBEIRO, Mírian. (Org.) Igrejas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, IPHAN, 1997. (voltar ao texto) 
 
6 - Cf. DEBRET, Jean Baptiste. Projeto do Plano para a Imperial Academia das Belas-Artes no Rio de Janeiro, que por ordem de S.E. o Ministro dos Negócios do Império foi feito pelos professores da mesma Academia, no ano de 1824. Rio de Janeiro, Imperial Tipografia de P. Plancher, 1827 (voltar ao texto) 

 7 - Resumo da tese de doutoramento "As razões da arte: política ilustrada e neoclassicismo (1808-1831)", defendida no IFCS/UFRJ em agosto de  1998. (voltar ao texto
 

Contribuições para a reflexão sobre o Neoclassicismo no Brasil  

Este texto é um pequeno resumo de um trabalho que realizei, objetivando entender o advento do neoclassicismo no Brasil através de uma reflexão histórica, que buscasse compreender o significado desse estilo para além do advento da vinda da chamada "Missão Artística Francesa". O trabalho procurou demonstrar que houve um processo de classicização da literatura e da arte no Brasil e em Portugal desde fins do século XVIII até princípios do XIX, tendo sido a Missão Artística Francesa um momento desse processo e não o seu início, como costuma informar a historiografia artística oficial. 
 
 
Ex-líbris de Antônio de Araújo de Azevedo, o Conde da Barca.  
Gravura em metal, Francisco Bartolozzi, c. 1815
 
A criação da Academia Imperial de Belas-Artes, em 1826, representou um acontecimento histórico que tocou muito de perto o processo de desenvolvimento da arte no Brasil, marcando-a desde o início do século XIX, não apenas com o contributo estético de que o processo se vê imbuído, mas também com a institucionalização do ensino artístico responsável pela formação de sucessivas gerações de pintores, gravadores, escultores e arquitetos ao longo daquela centúria. 

A constituição desse estabelecimento de ensino foi fortemente influenciada pela presença do grupo de artistas vindos de Paris em 1816 e que a historiografia convencionou denominar de Missão Artística Francesa [1]. A vinda do grupo chefiado por Joaquim Lebreton ocorria na mesma época em que o Brasil e Portugal redefiniam seus vínculos ao tempo da paz de Viena, quando então a ex-colônia passava a dividir, com a antiga metrópole, o título de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. 

As transformações pelas quais o aparelho de Estado português passava faziam eco ao programa de reformas que a monarquia vinha tentando implementar sob o espírito das “luzes”, vicejado ao longo da segunda metade do século XVIII [2]. Eram reformas significativas, iniciadas com Pombal, atravessando os reinados de Dom José, resistindo à “viradeira” da fase de Dona Maria e desembocando na regência e depois reinado de Dom João VI, sendo sensíveis as reformulações ocorridas nos planos da filosofia e do saber especializado, concomitante às inflexões políticas e ideológicas que o programa de reformas concebia [3].  

A obra de Antônio Landi, que eclode no Norte brasileiro na segunda metade do século passado, cuja descendência da tradição tardo-barroca bolonhesa não se demonstra indiferente aos influxos do neoclassicismo já antes da chegada dos artistas de 1816, ajuda a compreender o caráter processual da classicização da arte brasileira. Sua obra marca a transição de um estilo a outro: ela guarda simultaneamente traços de uma corrente artística – o Barroco – em seu ocaso, enquanto apregoa, para o porvir, as novas tendências que o racionalismo classicista celebra. Landi, formado na Academia Clementina de Bolonha, fazia parte da missão científica de Alexandre Rodrigues Ferreira, português que esteve no norte do País, realizando trabalhos de levantamento geográfico daquele canto da Amazônia para a demarcação das fronteiras entre as possessões portuguesas e espanholas[4].  

Além de Belém do Pará, o Rio de Janeiro assimilaria também a influência dessa arte de transição que ficaria conhecida como “pombalina”, termo derivado do Ministro todo-poderoso de Dom José I, Sebastião José de Carvalho de Melo, o Conde de Oeiras e, depois, Marquês de Pombal. Essa arquitetura de transição aparece na igreja da Candelária, São Francisco de Paula [5], Carmo, Sta. Cruz dos Militares e Sé Nova – essa última não chegou a ser concluída. A afinidade entre essas edificações com os partidos e formas arquitetônicos de templos portugueses bem reflete a idéia de que era pelo Rio de Janeiro, a sede administrativa da América Portuguesa, que se dava mais estreitamente a vinculação da Colônia com a Metrópole, numa correlação estilística que refletia, nas artes, os laços colonialistas de Portugal em relação ao Brasil.  

Essa relação mudaria, após a instalação do aparelho de Estado português no Rio de Janeiro em inícios de 1808, passando a cidade, da condição de braço avançado do poder metropolitano português no Brasil, razão que explica a inegável influência da cultura reinol sobre a nossa, para a de sede do reino unido, palco, portanto, de encenação do próprio poder monárquico luso-brasileiro. É dentro desse contexto de renovação que chegaria, em 1816, a Missão Artística Francesa, chefiada por Joaquim Lebreton. O responsável pela vinda desse grupo de artistas foi o Conde da Barca, que assumia novamente a pasta dos Negócios da corte joanina. 

A introdução do neoclassicismo, em Portugal como no Brasil, apresentaria uma trajetória diferente da que ocorreria, por exemplo, na França, com o ingresso de uma burguesia revolucionária no bojo do poder político, o qual passa a ser representado através de uma estética avessa à frivolidade cortesã do Barroco e do Rococó e marcada pela austeridade e pela simplicidade. Tal surgimento, em Portugal e mesmo no Brasil, decorre da participação dos membros da alta burocracia portuguesa, a um tempo leais ao sistema monárquico e absolutista legado da fase histórica anterior, mas também sensíveis aos influxos do pensamento ilustrado de época e avançando para além dos grilhões com que a retórica contra-reformista havia marcado a fase de colonização brasileira por Portugal.  

Foi no bojo do aparelho de Estado português que tais discussões ocorreriam e o papel do administrador esclarecido, do aristocrata alumiado pelas correntes filosóficas da época das luzes, será de grande importância. O processo de classicização da arte portuguesa inicia-se portanto já à época do Marquês de Pombal e não acaba com sua saída. O pombalino, que tem um caráter de "classicismo de transição", evoluiria durante o reinado seguinte, para o que ficaria conhecido como "estilo Dona Maria", um classicismo que tanto se espelha numa edificação de nítida austeridade como o  Teatro de São Carlos, situado em Lisboa, como também se dá às concessões dalguns adornos de certa delicadeza, como o portal da Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, edificação carioca de delicioso gosto rococó.  

Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, Conde de Linhares, Ministro de Dona Maria e do Príncipe Regente Dom João, foi um administrador esclarecido de suma importância dessa época, a quem estiveram ligados vários artistas dessa fase de renovação, entre os quais o importante José da Costa e Silva, arquiteto neoclássico autor do citado projeto do Teatro de São Carlos, como também encarregado das obras de reformulação que o Palácio da Ajuda (Lisboa), até que viesse para o Rio de Janeiro em 1808. 

No caso da realidade brasileira, o nome de Antônio de Araújo de Azevedo aparece não apenas como figura típica de uma elite intelectual de sua época, mas se destaca também por ter sido o responsável pela vinda dos artistas franceses chefiados por Lebreton. A organização da academia de artes, cuja implementação definitiva seria adiada somente para após a Independência brasileira, surge inicialmente dentro do projeto português de aqui se organizar uma escola de ciências, artes e ofícios, ao tempo que procurava prover a nova capital do reino português com condições materiais compatíveis ao novo “status” que ora a corte dos trópicos necessitava representar. 

Mas a criação dessa Academia foi marcada por um clima de disputas e de discussões, pelas quais se revelariam opiniões que, não se restringindo apenas às questões artísticas, refletiam traços de natureza ideológica desse processo: a tentativa de criação de uma escola de ofícios mecânicos, em substituição às corporações de ofícios existentes no Brasil e que seriam abolidas logo após a independência; o viso esclarecido que se quis, sobretudo na proposta encaminhada por Debret, para a escola, em cuja administração atuariam membros esclarecidos do Estado monárquico, cientistas, diplomatas etc – era a celebração, no âmbito do ensino artístico, do cosmopolitismo liberal que vinha marcando os fins do século XVIII e início do XIX [6]; a sistematização, aos moldes acadêmicos, do ensino artístico, adotando-se como linguagem oficial o neoclassicismo, uma corrente estética de alcance tanto na literatura como nas artes; a incorporação do gênero artístico histórico, pelo qual o Estado podia determinar e influir diretamente na construção das formas de representação do imaginário dominante. 

Nessa vertente em que a monarquia se empenharia em relação às artes plásticas, as encomendas do Estado bem refletiriam o interesse que os temas históricos apresentariam sobre todos os demais gêneros de pintura e de escultura. Debret, como principal intérprete do grupo após o falecimento de Lebreton e como artista que mais de perto parecia interessar aos projetos governamentais naquele momento, procuraria exercer sua influência no sentido de organizar uma Academia de maneira em que o conhecimento ilustrado fosse o esteio ideológico do órgão de ensino. Embora, inicialmente, seu intento fosse parcialmente baldado, em razão das dissonâncias que se espelharam entre os artistas franceses e o diretor da Academia, o gravador e pintor português Henrique José da Silva, as idéias acabariam por instituirem-se pelo menos em parte, com a reforma de 1831.[7] 
  
  
Marcus Tadeu Daniel Ribeiro 
Texto síntese da tese de doutoramento As razões da arte: política ilustrada e Neoclassicismo (1808-1831) 
 

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