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Canal Brasil faz festa para os 80 anos de Anselmo Duarte

Programação começa hoje(21/04); diretor é tema de filmes do seu filho e de Sylvio Back

Ainda dói. Aos 80 anos, que completa amanhã, o cineasta Anselmo Duarte recebe homenagens como a do Canal Brasil (Net/Sky), que programou para hoje, às 22 horas, a exibição de um Retratos Brasileiros especial, dedicado ao único diretor brasileiro a vencer a Palma de Ouro no Festival de Cannes (foi em 1962, com O Pagador de Promessas). Logo em seguida, a emissora inicia com Tico-Tico no Fubá, de Adolfo Celi, um ciclo de filmes de (ou com) Duarte que vai prolongar-se até junho, sempre às quintas-feiras. As homenagens massageiam o ego. Nos últimos anos, Duarte acostumou-se com elas, desde que, em 1997, foi convidado especial em Cannes, que no ano do 50º festival resolveu reverenciar todos os autores premiados com a Palma, formando com eles um colegiado para escolher um grande artista do cinema que nunca recebeu o prêmio (o escolhido foi Ingmar Bergman).

Duarte recebe as homenagens com naturalidade. Sabe que merece. Mas ainda se inflama quando fala da ingratidão da imprensa, da campanha que contra ele moveram os diretores do Cinema Novo. "Houve época em que eu ficava doente, só de pensar nisso", confessa. O tempo, a distância serenaram seu ânimo, mas a ferida não cicatrizou. Ele admite que ainda fica nervoso ao tratar do assunto. Seu demônio tem nome - Gláuber Rocha. "Ele me feriu muito, mas não consigo deixar de gostar dele, pois o Gláuber era um sujeito encantador; sabia como cativar as pessoas." O início da relação foi cordial. Duarte filmava O Pagador de Promessas em Salvador, Gláuber seguia as filmagens, escrevia textos simpáticos, chegou a peitar o autor da peça, Dias Gomes, que, no Rio, lamentou ter vendido os direitos para Duarte em vez de fazê-lo para Hollywood. A situação mudou depois da Palma de Ouro. Duarte, que não pertencia aos quadros do Cinema Novo, virou inimigo. "Fizeram de tudo para denegrir a minha conquista, que foi referendada em vários outros festivais naquele ano; isso ninguém conta."

Exílio - Octogenário, Duarte continua morando em Salto, numa cobertura no edifício mais alto da cidade. Dali ele vê diariamente o Tietê, que já foi um rio cheio de vitalidade, mas hoje já está poluído desde aquela região. Construiu outra casa em Itu, ali pertinho, que agora quer vender. Aliás, quer vender tudo e mandar para o Rio, onde moram as filhas e ele tem netos. Desistiu de fazer o filme que anunciava em 1997, uma co-produção com Portugal e a França. "Tenho parceiros interessados, mas estou desanimado", confessa. Teme o reinício das campanhas de descrédito.

Acha que ninguém vai interessar-se em buscar qualidades no seu trabalho, preferindo apontar só os defeitos.

Foi assim, para desacreditá-lo, com Veredas da Salvação, logo após a Palma.

Duarte defende o filme com paixão. Ainda guarda os recortes com as críticas elogiosas que recebeu no Festival de Berlim. No Brasil, caíram de pau em cima do filme. Tudo isso dói. Seu discurso bate na tecla de que santo de casa não faz milagre, que o brasileiro não tem memória, não cultiva seus artistas. Não é verdade. A prova é que Duarte, atualmente, é tema de um documentário realizado por seu filho, Anselmo Duarte Jr. De Salto para a Tela já tem quatro horas e será exibido em capítulos na TV. Outro projeto é de Sylvio Back, que pretende transformar Duarte no personagem final de sua planejada pentalogia do exílio - uma série de cinco filmes sobre brasileiros e estrangeiros exilados no País. O primeiro é Cruz e Sousa, O Poeta do Desterro, do belo docudrama que deve estrear em breve.

Esse homem é uma lenda e não apenas por ter recebido a Palma de Ouro em Cannes. Duarte foi o maior galã do cinema brasileiro nos anos 40 e 50. Fez filmes na Cinédia, na Atlântida, na Vera Cruz. Mas sempre quis ser mais do que uma estampa na tela. Menino, ele freqüentava matinées e já sonhava em fazer filmes, sem nem saber qual era a função do diretor. Queria ser projecionista, como o irmão - curiosamente chamado de Alfredo, como o projecionista de Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore.

Trabalhava como jornalista, na área de finanças, quando soube que um diretor italiano, Pier Alberto Pieralisi, buscava talentos para o cinema. Anselmo foi fazer o teste. Consistia em avançar para a câmera dizendo um texto. Ele esqueceu o texto, deu um branco na sua cabeça. Pieralisi gritava atrás da câmera: "Parla, dice qualcoisa." Duarte desembestou a falar, em italiano, que conhecia. Foi seu batismo com a câmera. Outro o teria chutado, corrido do estúdio. Pieralisi viu as qualidades - a boa estampa, a naturalidade.

Favoritos - Ele tem seus filmes preferidos, na carreira de ator e diretor. Como diretor é O Pagador, indiscutivelmente, embora defenda até a morte Veredas da Salvação. Como ator, analisa as diferentes fases. Dos filmes na Vera Cruz prefere Sinhá Moça, de Tom Payne - agrada-lhe seu discurso final, de forte cunho abolicionista. Mas destaca a criação como Zequinha de Abreu em Tico-Tico no Fubá, que passa hoje. "Foi uma composição para alguém que, como eu, só sabia ser natural; tive de encarar o desafio de criar um verdadeiro personagem e real, ainda por cima."

Na Atlântida, não pensa duas vezes, o favorito é Carnaval no Fogo. Diz que o diretor Watson Macedo lhe deu carta branca, ele reescreveu o roteiro, filmou números musicais. "Não me dão crédito por isso e nem eu queria, na época; queria fazer as coisas, que elas ficassem bem, que o filme fosse bonito, sem me importar com reconhecimento; quem fez o filme comigo sabe que foi assim."

O cinema levou-o pelo mundo. Estudou em Paris, no então Institut des Hauts Études Cinématographiques, o Idhec. Em Paris, seduziu Cristiane de Rochefort, que fazia os credenciamentos para o Festival de Cannes. Ela o credenciou como jornalista. Duarte pisou muitas vezes na Croisette, nos anos 50, antes de voltar para arrebanhar a Palma, nos 60. Era amigo de Novaes Teixeira, o correspondente que cobria Cannes para o Estado. O próprio Teixeira, ele lamenta, tentou denegrir a conquista da Palma de Ouro. Ficou buscando justificativas sobre porque o prêmio não foi para os grandes concorrentes daquele ano, nomes que pertencem à história do cinema - Luis Buñuel (O Anjo Exterminador), Michelangelo Antonioni (O Eclipse) e Robert Bresson (Le Procès de Jeanne d'Arc), para só citar três exemplos.

Entre os fatos memoráveis de sua vida como cineasta, Duarte cita a amizade com Federico Fellini. "Vimo-nos poucas vezes, duas ou três, mas havia uma relação forte", diz. Ele está lendo a autobiografia do mestre italiano.

Esperava encontrar-se como personagem. Fellini ficou impressionado quando ele disse que tinha certeza de que ia ganhar a Palma de Ouro. "Anselmo, ninguém pode ter certeza disso", ponderava Fellini. Era fácil falar em certeza depois de já haver recebido o prêmio. Mas Duarte tinha certeza, sim.

Nos seus anos em Cannes, ele analisou todos os filmes participantes e os vencedores, detectou tendências e preferências. Sabia que tinha de fazer um filme em preto-e-branco, de tema humano e original, numa linguagem que fosse ao mesmo tempo brasileira e universal. Encontrou todos esses elementos na peça de Dias Gomes, que transformou em filme. Duarte arrisca-se a parecer arrogante, mas fez O Pagador para vencer e venceu. Começou aí, com a vitória, a sua via-crúcis. Duarte chega aos 80 anos mais sábio em relação ao próprio passado. Diz que hoje consegue rir de tudo o que lhe aconteceu. Ri, mas é um riso amargo.

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo, 21 de Abril de 2000 - www.estado.com.br

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