1. Objeto e Metodologia.

 


      O objetivo desse trabalho é estabelecer uma compreensão do tipo de sociabilidade que se dá em grupos formados a partir do espaço da Internet, comparando-se ainda esta sociabilidade com outras formas coexistentes na atualidade. Cuja relevância se torna explícita pela natureza contemporânea desse tipo de formação coletiva, que faz parte, inegavelmente, de nosso cotidiano, e por isso deve ser conhecida e compreendida em seu contexto e interioridade. Para isso, este trabalho se inicia apresentando o contexto onde se desenvolve a sociabilidade suposta a ser estudada. O contexto contemporâneo das teorias sobre sociabilidade e o contexto do próprio espaço da Internet. Em seguida, inserirá o leitor numa amostra da variedade de articulações sobre o tema abordado e finalmente descrevendo os rituais da sociabilidade de um grupo de pessoas formado a partir do espaço da Internet, que podemos chamar de grupos Net, por hora. Nosso objeto é o estudo etnográfico da sociabilidade de um grupo formado no espaço da Internet e que também se atualiza no espaço das relações face-a-face ("real") e a reflexão comparativa com teorias sobre o contexto da sociabilidade contemporânea. Utilizando também, para isso, informações de outros pesquisadores de áreas afins para saber sobre outros possíveis grupos que possam servir de ponto de comparação. A aparente tendência lúdica de ver a sociabilidade no espaço da Internet me fez ir na direção de grupos que se reúnem de maneira primariamente afetiva e hedonista. Mas devo pôr o leitor a par da existência de outros tipos de agrupamentos com caráter mais funcional ou utilitário. Na verdade essas características aparentemente divergentes de agrupamentos contemporâneos têm uma separação e classificação muito mais acadêmica que fatual: no mais das vezes as características se entrelaçam (funcional, hedonista, utilitária, lúdica) com a prioridade de umas ou outras a depender dos contextos possíveis de espaços de interação. Os métodos utilizados para o desenvolvimento desse objeto foram, por um lado, um questionário on line, para avaliar principalmente os pontos qualitativos de uma amostra representativa do universo de usuários da Internet e daí construir um esboço de contexto do espaço e um perfil ideal de usuário, que formam a primeira parte do capítulo IV deste texto; a acumulação de dados originados de diversas e aleatórias atividades de sociabilidade na Internet (Chats, Fóruns, etc.) ; e por outro, a observação-participante num grupo que se atualiza (se reúne) no IRL (o mundo das relações face-a-face ou "real"), assim como na Internet, que finaliza o capítulo IV deste argumento e fecha a dissertação. As etapas da pesquisa: Antes de iniciar este projeto vinha acumulando dados de Fóruns, Chats e e-groups; após a árdua caminhada de leituras e definição do objeto, comecei a escrever textos provisórios para serem preenchidos aos poucos, cujos produtos finais formam os capítulos I, II e III da dissertação. Depois preparei o questionário que foi aplicado on line, numa forma de trazer informações variadas das pessoas que usam a Internet para a composição do contexto do espaço e perfil do usuário . Enviei o mesmo no final de dezembro de 1999, após todas as revisões, para cerca de 800 e-mails (endereços eletrônicos) e dei um prazo de 2 meses para respostas. Recebi 42 respondidos. A média, aparentemente baixa, tem haver com uma das características do espaço da Internet e com os hábitos de seus usuários: multiplicidade de informações, atividades e, por conseqüência, de escolhas a serem feitas. Por uma questão de maior validação dos dados coletados, realizei uma nova aplicação do mesmo questionário em agosto de 2000, utilizando uma parte da amostra anterior (os 800 e-mails) somados a um outro contingente mais abrangente qualitativamente, chegando assim a um total de 96 questionários respondidos e um razoável perfil de usuário do espaço da Internet e a uma contextualização do mesmo. Além disso, eu busquei outras pesquisas mais quantitativas sobre o espaço da Internet e outros dados complementares. Como forma ampliar a localização de nossa amostra de usuários da Internet para esta pesquisa, tomemos conhecimento dos seguintes dados: de acordo com estimativas da UNESCO em 1999 apenas 3% da população mundial (mais de 6 bilhões) têm acesso a computadores e à Internet, isto é, 180 milhões de pessoas . Segundo pesquisa do Instituto DataFolha realizada em 1999, existem cerca de 8 milhões de usuários da Internet no Brasil , isto é, apenas 5% da população (mais de 160 milhões) têm acesso à Internet. Nosso universo total foi de 1000 usuários, isto é, 1,25% do total de usuários da Internet no Brasil. Desse universo de 1000 usuários, 96 responderam ao questionário e por isso constituem nossa amostra, isto é, 9,6% do universo. Devemos ter claro que estes números mais gerais são mutáveis de acordo com as possibilidades de desenvolvimento do espaço da Internet no futuro próximo, no entanto, para o estabelecimento de um perfil sincrônico de um usuário ideal do espaço da Internet, estes dados serão suficientes, enriquecendo a nossa compreensão posterior da Etnografia do grupo Galera ZAZ, que também está inserido neste mesmo contexto. As questões foram formuladas de modo a apresentar um perfil mínimo de usuários da Internet e assim poder contextualizar melhor o espaço em que se dá a sociabilidade específica em estudo. Usei como auxílio os dados de pesquisa realizada on line pelo mestrando em Psicologia Social, Eduardo Krauze Diehl , em colaboração com o portal/provedor ZAZ (hoje chamado TERRA), e que, por coincidência foi de onde se originou o grupo o qual pesquiso em campo: Galera ZAZ . Esta pesquisa foi feita de maneira espontânea através de todas as salas de chat do ZAZ durante um período de seis meses (de Janeiro de 1999 à Junho de 1999). Fizeram parte dos dados coletados nesta amostra, sujeitos virtuais, usuários das salas de conversação do ZAZ, de ambos os sexos, de diversas faixas etárias de todas as regiões do Brasil. A amostra total foi de 24.834 sujeitos. Devo lembrar do período maior da pesquisa do Eduardo Krauze Diehl e o tipo de pesquisa (espontânea e em colaboração com um grande e muito freqüentado portal da Internet no Brasil). Foi recomendado aos usuários questionados que as respostas fossem dadas rápida e espontaneamente, o que demonstra o ponto de vista mais psicológico da pesquisa de Eduardo Krauze Diehl, mas que nos forneceram importantes dados complementares para a construção do nosso usuário ideal. Estes dados nos ajudaram também a formular um contexto mais amplo até se fechar em nossa amostra, mas qualitativa que quantitativa, e finalmente chegando ao nosso objeto central: um grupo que se atualiza regularmente na Internet e face-a-face (o grupo auto denominado Galera ZAZ). O passo seguinte foi a penetração em um grupo que se atualizasse na Internet e também face-a-face; em seguida a minha convivência com eles em suas atualizações nos diferentes espaços e situações. Este processo teve um recorte sincrônico de cerca de quatro meses, dentro do qual pude observar e participar de diversas situações que explicitam, mas não determinam precisamente o perfil do grupo, já que sua formação e manutenção é sem dúvida espontânea. O processo descritivo advindo desta metodologia etnográfica irá nos mostrar como se apresentam os membros do grupo dentro de cada espaço da interação; como se dão suas atividades e rituais; quais suas características diante do contexto contemporâneo de onde eles se formam (ou se atualizam); enfim, como é sua sociabilidade. Em primeiro lugar vemos como se desenvolvem as interações entre os indivíduos no espaço em que se originaram: o chat do provedor ZAZ (atualmente: Terra) segmentado por cidades A-Z, Salvador (1 ou A) (a primeira sala de bate papo da cidade de Salvador). Em seguida veremos como se dá o movimento de passagem entre o espaço do chat para o espaço face-a-face, este centralizado e mais concentrado em encontros semanais num grande shopping da cidade. Em terceiro lugar veremos como se desenvolvem as interações do grupo no espaço face-a-face, este indo além do encontro central no shopping e atingindo ramificações em vários e diferentes espaços e situações. E finalizando, veremos como se dá a complementaridade entre espaços de interação do grupo: do chat para shopping, do shopping para praia e viagens, destes de volta ao shopping e ao chat e assim por diante num desenvolvimento não linear ("rizoma"- Um rimoza é uma forma de desenvolvimento, no caso de interações, que não segue um centro comum, mas vários centros (ou sem centros) auto conectados e re-conectados. Para saber mais: DELEUZE, G. e GUATTARI, F., Mil Platôs, Vol.1, Introdução: Rizoma. Trad. Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. RJ/34, 1999.) de interações complementares; algumas cumulativas e duradouras, outras passageiras e intensas, mas todas fazendo parte de uma rede de interações aberta e fluida . Enfim, a revisão teórica dos três primeiros capítulos; a análise de dados qualitativos e quantitativos da primeira parte do capítulo IV e as descrições e análises da segunda parte do mesmo; tudo se complementa num processo contínuo de contextualização geral para a compreensão particular do que é a sociabilidade no espaço da Internet.


SEGUINTE

VOLTAR AO ÍNDICE