Encontro com Zé Colméia

- UM URSO! UM URSO!

Ao ouvir a Bel gritando, coloquei o filtro de água sobre uma pedra e subi os poucos metros de trilha que iam do riacho Budd, onde eu estava coletando água, ao acampamento. Com cara de assustada, ela apontou para um canto, embaixo de uma árvore, a uns dez metros da nossa barraca. Lá, um animal preto e peludo saboreava sua refeição vespertina. Junto dele, estavam a mochila da Bel e algumas embalagens de alimentos espalhadas pelo chão — as embalagens dos nossos alimentos.

Refeição Vespertina Estávamos no final do primeiro dia de uma caminhada no Parque Nacional Kings Canyon, na Califórnia. Em todos os parques por onde tínhamos passado na Sierra Nevada, encontramos um grande número de avisos dizendo para tomar cuidado com os ursos. Em Potwisha, no Parque Nacional da Sequóia, por pouco não demos de cara com um desses mamíferos. Chegamos de um passeio já à noite. Quando estacionamos o carro junto à nossa área de acampamento, um casal se aproximou e avisou: "Não queremos assustá-los, mas cinco minutos atrás tinha um urso andando bem perto da barraca de vocês". Procuramos em volta, mas não achamos o bicho.

Depois de alguns dias na Sierra, o medo de um encontro com o maior animal da região começava a se misturar com curiosidade. Bel que, no início, ficava relutante até em descer do carro no escuro, já dizia que ia voltar para o Brasil frustrada se não visse um urso. De manhã e ao anoitecer, recebíamos visitas freqüentes de veados, que também passavam por nós na estrada, às vezes atravessando perigosamente na frente do carro. Esquilos e pássaros estavam por toda a parte, sempre prontos a roubar nossos alimentos, mas nada dos grandes mamíferos peludos.

Ursus americanus

urso O urso que habita a Califórnia (Ursus americanus) é conhecido como urso negro, embora possa ter cores bastante variadas. Chega a pesar 200 kg e é um animal de impressionante agilidade para o seu tamanho. No nosso acampamento junto ao riacho Budd, em Kings Canyon, vimos nosso grandalhão visitante saltar e correr como um cachorrinho. Além disso, muitos desses ursos (aqueles que não engordaram demais) conseguem subir em árvores. Classificado pelos zoólogos como carnívoro, o urso da Califórnia acabou, com o tempo, se adaptando a uma dieta onívora, com predomínio dos vegetais. O convívio com os turistas fomentou, nele, uma especial predileção pelas iguarias contidas em cestas de picnic, mochilas e geladeirinhas de isopor.

No passado, esse animal teve que dividir espaço com um parente seu, o grizzly, ou urso cinzento. Bem maior (até 350 kg) e mais feroz, o grizzly chegou a habitar uma área enorme que ia do Canadá ao norte do México. Carnívoro, ele se alimenta principalmente de roedores e peixes. Em 1914, porém, foi morto o último exemplar dessa espécie na Califórnia. Esse mamífero só é encontrado, hoje, no Oeste do Canadá e na faixa fronteiriça no Noroeste dos Estados Unidos. Ao contrário do grizzly, o urso negro não é um animal perigoso. São muito raros os casos de acidentes envolvendo essa espécie ursina.

Contudo, décadas de convivência com os turistas acabaram por provocar alguns estragos nos ursídeos americanos. Pesquisas zoológicas mostram que os ursos que se habituam com comida humana crescem mais do que o normal, se reproduzem mais e se tornam mais agressivos. Com o tempo, deixam de buscar suas fontes naturais de alimento e passam a procurar obtê-lo somente a partir dos humanos. Muito inteligentes, esses mamíferos usam tanto a visão como seu sensível olfato nessa busca. De janeiro a outubro de 1996, 23 carros foram danificados pelas potentes garras dos ursos nos parques nacionais Sequóia e Kings Canyon. O motivo é que seus donos deixaram pacotes ou geladeirinhas de picnic sobre o banco, atraindo a atenção do animal.

Lei Federal

Para evitar esse tipo de problema, há regras explícitas a ser seguidas. Para começar, uma lei federal proíbe alimentar qualquer animal selvagem em parque nacionais americanos. Se o incauto turista deixar algum alimento ao alcance dos ursídeos (ou dos esquilos), pode ser multado por isso. Nas áreas de acampamento pago, há grandes caixas de aço à prova de urso, as bear boxes. Nelas, devem ser guardados todos os alimentos e cosméticos (até o cheiro de desodorante ou pasta de dentes pode atrair o bicho). Quem caminha por uma região desprovida de bear boxes precisa carregar seus alimentos num tamborzinho à prova de urso, o bear canister. Na falta dele, o jeito é pendurar os alimentos em galhos de árvore finos demais para suportar o peso do mamífero e altos demais para ele alcançar do chão. Essa prática, nem sempre eficiente, é conhecida como bear bagging.

Passeio no Acampamento Quando Bel e eu decidimos fazer a caminhada conhecida como Rae Lakes Loop, em Kings Canyon, anotamos, na carta topográfica, a posição de todas as bear boxes existentes no caminho. O plano era acampar sempre perto delas. Assim, não precisaríamos dos bear cannisters. Mas nós subestimamos o animal. Achávamos que o ursídeo não viria enquanto estivéssemos por perto. Por isso, não nos apressamos em guardar a comida na bear box naquele final de tarde. O bicho veio, farejou a comida e abriu a mochila da Bel, que estava armando a barraca a apenas cinco metros de distância. Ao vê-la, agarrou a mochila — com as patas, não com a boca — e saiu caminhando tranqüilamente.

Vendo o animal comer nossa comida, não sabíamos o que fazer. Tínhamos medo de que ele nos atacasse se tentássemos nos aproximar. Dois montanhistas que estavam acampados no outro lado do riacho ouviram os gritos da Bel e vieram em nosso socorro. Veteranos com muitos anos de experiência em aventuras na Sierra Nevada, eles se armaram com paus e pedras e partiram para cima do urso gritando como loucos. O animal se afastou, dando tempo para que rapidamente trancássemos a mochila na bear box. Ficamos observando quando ele voltou, cheirou a caixa de aço e, desapontado, percebeu que o banquete tinha acabado. Um rápido inventário mostrou que o mamífero tinha consumido um pote de Gatorade em pó, um pão integral, um pacote de leite em pó, uma caixa de aveia em flocos, um pacote de chocolate em pó e algumas outras miudezas. Ficaram na mochila algumas barras de Power Bar que, aparentemente, não agradaram ao refinado paladar ursino. O incidente acabou nos levando a desistir da caminhada e voltar atrás. Mas vimos um urso bem de perto — e não foi no zoológico.

Maurício Grego -- São Paulo, 11 de Dezembro de 1996

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© - O texto e as fotos desta página são da autoria de Maurício Grego. O desenho do urso é do National Park Service americano. Seus comentários e sugestões são bem vindos. Página atualizada em 12/ago/97.