OUTRA BONECA???
Mas... o que posso fazer? Sempre pensei que eu fosse ser a única que
pudesse substituir o vazio que minha mãe sentiu quando suas Três Marias, como
ela chamava suas três filhas Teresa Maria, Claudia Maria e Paula Maria casaram,
assim como o seu filho Carlos Eduardo, e foram morar longe dela.
Penso que eu
estava sendo muito presunçosa, e comecei
a perder logo o meu jeito de princesa da casa desde que Feliz apareceu. Faz
algumas semanas que minha mãe não chega perto de mim, pois vive muito ocupada,
ainda mais agora que começou a usar a Internet. Mesmo sendo boneca eu já estou
ficando familiarizada com esse mundo moderno em que vivem as pessoas de
verdade. Enquanto ela usava o computador eu não me incomodava, enquanto se
ocupava com Feliz também. Mas,
pensar em formar uma nova família e trazer da rua uma boneca que não é
feita de louça como eu, não tem cabelos com trancinhas douradas como as minhas e
usando um vestido que não é de tecido e enfeitado com rendinhas como o meu!!! Isso eu
me incomodo e muito.
Nunca pensei que existisse boneca feita de lã tão trabalhada e colorida. De onde fico sentada pude ver como minha mãe cuidou dela quando chegou em casa, e como foi paciente costurando cada pedacinho de lã que tinha desmanchado da sua roupa e do seu cabelo. Há muito tempo escutava minha mãe dizer que eu precisava ter uma irmãzinha. Pensei que pelo menos fosse comprar uma boneca parecida comigo, mas... uma boneca feita de tricô!!! Não gostei mesmo, mas, quem sou eu para dar palpite se nem consigo falar com as pessoas!!! Comentei apenas com Feliz, e ele, sorridente como sempre, pois seu rosto foi feito assim, disse que não se incomodava se ela ficasse perto dele, contanto que não começasse a puxar suas palhas e acabasse com suas pernas falsas que tanto se orgulhava.
Feliz a achou muito alegre, pois além de ser bem colorida com seu
chapéu
muito
florido, ela segurava sempre uma cestinha cheia de cogumelos. Ele
lembrou do tempo em que era um verdadeiro espantalho, e quando de vez em quando fugia do seu posto de vigia para
roubar cogumelos nas plantações da dona da fazenda onde morava. Como ele gostava
de cogumelos...
principalmente quando estavam bem branquinhos. Feliz conta
muitas
estórias engraçadas do tempo em que vivia
nessa fazenda como um verdadeiro espantalho.
Os dias foram passando, e tive que aprender a conviver com aquele
estorvo que minha mãe colocou o nome de Florida. Florida ficou pendurada bem em
cima do armário onde eu
costumava ficar sentada junto com Feliz, e com sua cabeça virada para baixo, ficava me olhando o tempo todo,
parecendo querer tomar conta de tudo que eu fazia. Eu já estava ficando irritada.Vocês
sabiam que boneca também fica irritada? Eu costumo ficar. Felizmente de onde estava pendurada eu não a
podia ver, o que já era uma boa coisa. Algumas vezes quando meus pais saiam, eu
e Feliz escapulíamos de onde ficávamos e aproveitávamos para brincar um
pouco. O lugar que mais gostávamos de brincar, era em cima do sofá. Pulávamos tanto que quase arrebentava as perninhas de palha de Feliz. Parecíamos que estávamos brincando em cima de um cavalo. Lembro quando passávamos a manhã inteira
brincando. Era to bom... Gostávamos muito também de brincar na
varandinha que ficava perto da sala. De
onde ficávamos
víamos o céu e a
rua,
dando a impressão
de que
estávamos convivendo com outras pessoas. Felizmente
Florida nunca participava de
Sempre sentada na mesma posição de boneca, fico lembrando quando assisti o filme O Mágico de Oz. No momento me sinto como se estivesse no meio do furacão que levou Dorothy para o mundo encantado. Só que, Dorothy chegou no mundo encantado, seguindo uma estrada amarela cheia de flores silvestres enquanto cantava feliz e dançava com seus três amigos, o leão medroso, o homem de lata e um espantalho que se parecia um pouco com Feliz. O meu mundo infelizmente, era bem diferente do mundo encantado de Dorothy, pois os meus sonhos nunca se realizavam, e agora tinha que ser amiga dessa boneca que resolveram chamar de Florida. Há tempos quando meus pais viajaram, pensei que fossem me levar para o Rio, passar o Natal junto com eles, e assim poder conhecer as três bonequinhas da família... suas netinhas. No ano passado foram aos Estados Unidos e também não fui, e agora ouvi falar que vão viajar novamente, pois vai nascer um neném na família e nem dessa vez vão me levar. Penso que o meu mundo é bem diferente do mundo encantado da Dorothy, não? Além de não me levarem, me arranjaram essa nova irmã que eu não consigo gostar.
Um
certo dia, comecei a planejar uma maneira de me ver livre dela e voltar a ser a
única boneca da casa ao lado de Feliz. Eu passava os dias pensando, pois na
posição em que ficava, pensar era a minha única distração. Pensava tanto que
comecei a ter pensamentos meio macabros, e costumava comentar sempre com Feliz. Feliz naturalmente logo me reprovava e dizia que isso não eram pensamentos de
uma pessoa que parecia ser tão boa e amiga
de todos
como sempre fui, e procurava me convencer a gostar de Florida da mesma maneira que eu gostava
dele. Mas, eu não conseguia, e a cada dia a vontade de ver Florida longe de mim
aumentava. Foi então que quando ouvi falar que meus pais iriam viajar, logo
pensei que essa seria a melhor ocasião de realizar meus planos, principalmente
depois que minha mãe colocou no móvel em que ficávamos, um saco plástico muito
comprido que cobria todo o espaço em que ficávamos.
Se minha mãe imaginasse como fiquei triste... O meu rosto começou a esquentar, e achei que aquele cuidado exagerado que minha mãe estava tendo
era só para não sujar a lã de que foi feita a sua bela Florida.
Com o
plástico bem junto ao meu rosto fui ficando cada vez mais abafada, pois eu não
estava acostumada a viver assim.
Comecei a pensar em me ver livre de Florida de verdade.
O que eu estava planejando eu sabia
que não era correto, e assim, não falei nada para Feliz. Eu sabia que Feliz
que não desejava mal
à ninguem,
não
iria aprovar o que eu estava planejando. Florida era toda feita de lã,
e... se eu começasse a puxar um fio da
Um certo dia, como sempre fazíamos quando estávamos sozinhos, eu e
Feliz
saímos andando pelo apartamento para brincar um pouco. Dessa vez enquanto
brincávamos, chamei Feliz, e dei logo a idéia de tiramos Florida de onde
costumava ficar e
iniciar meus
planos. Não foi fácil subir no armário mas conseguimos alcançar Florida.
Enquanto Feliz estava distraído olhando pela janela, chamei Florida para nos esconder atrás do sofá, e
assim não corria perigo de Feliz nos encontrar. Florida ficou muito contente,
pois eu nunca a convidara para brincar, e prontamente aceitou o meu convite.
Comecei
logo a puxar uma pontinha da lã do seu sapato, fingindo que estava brincando. Florida se sentindo muito feliz me deu logo os dois pés.
O tempo foi passando e Feliz começou a sentir a nossa falta. Começou
a nos procurar, e nos encontrou justamente quando eu estava tentando desmanchar
o tricô puxando um fio
do seu chapéu. Feliz ficou surpreso
com o que viu, e no
mesmo instante puxou Florida para
perto
dele. Uma coisa que nunca havia
acontecido com
Feliz aconteceu
naquele exato momento... o sorriso que Feliz sempre teve em seu rosto, desapareceu completamente.
Quando notei o olhar triste
de Feliz, fiquei tão
envergonhada,
que
rapidamente
olhei para o lado e não tive
mais
coragem de olhar
nos seus olhos. Feliz havia percebido o
mal que eu estava querendo fazer a Florida. Saí de trás
do sofá, e fui sentar como de costume na minha posição de boneca, muito arrependida e envergonhada do que
estava planejando. Comecei a pensar no que iria fazer do meu futuro. Feliz não falou nada, pois ele não quis que Florida notasse o que
estava acontecendo. Feliz não confiava mais em mim, e quem sabe, não seria mais
meu amigo.
Eu não conseguia parar de pensar como eu pude querer tão mal à uma
pessoa que sempre havia sido boazinha para mim, e assim, me sentia mais
infeliz ainda. Passei muitos dias calada, e quando olhava para Feliz notava que
ele continuava tristonho.
Resolvi contar essa estorinha, para mostrar às crianças que nunca devemos querer mal a um amiguinho. Devemos mostrar também, que devemos sempre perdoar quando um amiguinho vem falar com a gente que está arrependido de algum mal que nos fez.
Naquele momento, o gesto de Feliz e Florida, serviu
de exemplo não só para as crianças, como também para os adultos que fecham o
seu coração e não conseguem nunca perdoar.
Vôo Londres/Miami
MARIA LUCIA DA COSTA