IDAS, VINDAS PORTUGAL

 

 

A vida segue seu rumo: Cada qual segue seu destino. Estou indo no momento para Portugal à convite de meus amigos Sr. José, Isolda e Dona Laurinda.

 

Mal sentei no avião e, enquanto pessoas procuravam seus lugares, peguei o meu bloco de papel, lápis previamente apontado e já estou escrevendo. Estou feliz, pois tenho hoje bastante folhas, onde posso escrever minhas impressões dessa  viagem que faço sozinha pela primeira vez. Muitas vezes só escrevo em guardanapos de papel, ou em alguma folha que encontro perdida dentro da bolsa. Estou escrevendo tão rápido que as pessoas podem pensar que eu possa ser um pouco anormal, pois pensando bem, acho que não é muito normal o que estou fazendo. Mas, é assim que gosto de matar o tempo, e estou aflita para colocar em letras as minhas impressões dessa viagem.

       

Minha família no momento está seguindo suas vidas de maneira diversas: Carlos Eduardo, meu marido, está na China; Carlos Eduardo, meu filho, em Campinas; Teresa no Rio, Cláudia e Paula em Londres e eu indo para Portugal. Estamos separados, mas mais do que nunca juntos em pensamento, e a cada dia mais nos amando apesar da grande saudade que sentimos.

 

Como falei acima, hoje sozinha viajo para Peroselo. Estou curiosa em conhecer essa pequena vila que fica à uma hora do Porto e, desde já, posso sentir que essa pequena aldeia, será tão acolhedora quanto os amigos que lá irão me receber.

 

Com a ajuda de Cláudia cheguei ao aeroporto. Graças a ela, consegui superar todos os obstáculos que encontramos em nosso caminho, como a escada rolante na estação de Green Park que estava sem funcionar. Coitada... Teve que carregar a minha mala pesadíssima nos braços e na velocidade dos londrinos apressados. Só quem mora em Londres, é que os conhecem. Se não seguimos o seu ritmo, somos capazes de ser atropeladas.

   

Dizem que gosto de inventar estórias, que tenho imaginação fértil e gosto de romancear a vida, mas, me deparo muitas vezes com certas situações, que gosto de escrever e guardar em minhas memórias. Sendo assim, vou aproveitar e escrever a minha aventura de hoje.

 

Assim que fomos chamados para o embarque, eufóricos, passageiros levantavam, pensando naturalmente que estavam nos chamando para iniciarmos a viagem. Infelizmente, após um longo tempo de espera, fomos convidados para sentarmos em uma sala mais próxima da porta de embarque. Assim que me sentei, um casal jovem sentou à minha frente, ficando tão perto que sem querer ouvi o que conversavam. Comecei a ficar curiosa, e aos poucos fui desvendando o mistério, ou algum mistério que puderia existir em suas vidas. Mas, com o passar do tempo, fui ficando frustrada, pois a minha fértil imaginação já tinha ido além do que estava acontecendo entre os dois. O que eu ouvia não parecia muito interessante. Eram apenas dois jovens desconhecidos, que como eu, seguiam o seu destino. Ela, jovem portuguesa muito atraente no seu tipo pequeno, tinha olhos verdes e o seu cabelo comprido era pintado de uma cor louro mechado. Estava muito bem vestida com calça comprida, túnica de seda e seus sapatos de saltos bem altos eram enfeitados com pedras coloridas. Usava várias pulseiras bonitas, que faziam barulho quando balançava os braços. Em seu colo, segurava uma criança que também era barulhenta, e já incomodava pessoas sentadas em sua volta. Imagino que chorando com fome ou talvez cansado devido à longa espera. O rapaz, parecia um bailarino russo. Tinha o seu cabelo castanho bem cortado, usava “blue jeans” e casaco preto. Juntos começaram a conversar. Ela sempre mais falante do que ele, que muito sem jeito balançava sempre a criança no colo. Não eram casados como eu havia pensado, ela tinha sido mãe por descuido. Como falou, morava em Londres, e voltava à sua cidade longe vinte minutos do Porto. Enquanto mexia a cabeça com seus brincos coloridos, continuava a contar algumas passagens de sua vida. Teria que deixar Londres para cuidar da criança, a não ser que, arranjasse alguém a quem pudesse confiar o seu filho. Pensei comigo: “Cedo voltará a Londres sem seu filho”. Senti que não tratava seu filho como uma verdadeira mãe, parecendo estar segurando um embrulho de mal jeito em seu colo.

       

 Após mais de uma hora de espera para iniciamos a viagem, enquanto o avião subia, como de costume comecei me sentir um pouco apreensiva. Senti que o avião era pequeno demais... E pensei comigo mesma: “Não sei o que é pior, viajar em avião pequeno ou grande”. Enfim, tinha que voar para chegar em Peroselo, e resolvi esquecer que estava em cima das nuvens e voando mais alto do que os pássaros. Com o passar do tempo fiquei mais calma, e ansiosa para terminar o jantar e continuar a escrever. A minha vizinha de lado parecia ser simpática e muito tristonha... Mas, eu preferia escrever do que conversar com uma pessoa estranha. Queria continuar a escrever mais um pouco sobre as memórias dessa viagem. Queria colocar no papel, a falta que sentia das minhas filhas e de minha casa: Sinto lágrimas nos olhos quando penso em meu almoço de despedida junto com Cláudia e Paula. Juntas, conversamos muito sobre a vida, e sobre pessoas queridas que estavam longe. Quantas saudades, não? Cláudia, acabei de tomar um café delicioso e pensei em você. Sei o quanto você gosta de um cafezinho quentinho. Como disse a Paula, quando um certo dia eu chorava com saudades de Teresa, bastava estar longe de qualquer pessoa da minha família para sentir sempre essa saudade que é muito intensa. Parece que deixo sempre um pedacinho de mim quando fico longe. Paula, ainda posso ouvir sua voz meiguinha quando mais uma vez nos despedimos   pelo telefone do aeroporto.

 

Após terminar o jantar, e ter procurado não mais pensar nos meus filhos e, em Carlos Eduardo que estava tão longe de mim, o meu pensamento voltou outra vez para o casal que tanto aguçou a minha curiosidade. No momento em que ambos entraram no avião, ele segurava a criança dentro de uma cadeirinha própia para bebês. Fiquei pensando se por educação, caridade ou quem sabe... Com segundas intenções. Isso já fazia parte da minha fértil imaginação. Pobre rapaz, entrou no avião com todo jeito de pai, mas sem ser. Eu me sentia um pouco dona de sua vida, pois só eu e o computador do avião sabíamos a sua verdadeira identidade. Ela vinha logo atrás atrapalhada com o resto das tralhas que levava, com suas pulseiras barulhentas continuando a bater uma nas outras. Com a ajuda dele encontrou o número de sua cadeira e se acomodou com a criança. Foi quando ele teve a grande surpresa, de ver que eram vizinhos de lado. Escutei quando falou: “Que coincidência! Estamos sentados juntos!”. Não consegui identificar pelo tom de sua vós se estava feliz ou não. De onde eu estava sentada ficava difícil ver o seu rosto. Infelizmente  ou felizmente, não ficaram muito juntos, pois o bebê ficou sentado entre os dois. O bebê chorava muito, e o rapaz meio desconfiado olhava de lado quem sabe arrependido de ter se aproximado de uma desconhecida. Será que pensou em ter algum encontro futuro com aquela pessoa tão bonita? Tenho certeza, isso sim, de que faltou pensar nas conseqüências que involuntariamente aquele encontro poderia lhe causar. Como sempre muito tranquilo, pegou o seu jornal para ler, mas, nem assim teve sossego, pois a criança continuava a chorar. A mãe a todo instante o chamava de “crazy baby”, o que não ajudava em nada a acalmá-lo. Felizmente após algum tempo, para sossego de todos, o bebê dormiu. A jovem mãe continuava sempre a falar e a sorrir. Eu continuava a pensar, como poderia ser tão alegre e falante na situação em que se encontrava. Tinha quase certeza, de que a sua espera, iria encontrar uma boa mãe portuguesa, assessorada por boas empregadas, para cuidar do seu filho, e quem sabe, voltaria a Londres para continuar a viver a vida que antes vivia. Só assim eu poderia entender essa displicente tranqüilidade. Com o passar do tempo a mimha curiosidade aumentava, querendo saber um pouco mais sobre suas vidas. O meu ouvido ficava aguçado, mas, pouco eu ouvia. Ele algumas vezes sorria, achando graça no que ela falava. O que será que ela tanto fala! Resolvi então, parar um pouco de pensar nos dois. Até o momento, na matéria da estória que eu tentava escrever, nada de especial estava acontecendo. Eu já estava me sentindo cansada. Comecei a pensar outra vez em minha família. Fiquei pensando em Teresa, se ela havia chegado bem em Campinas. O que estaria fazendo naquele momento? Imagino que comendo uma gostosa pizza em companhia de seu irmão, pois tinha planejado passar o fim de semana com ele. Pensava em Carlos Eduardo na China, e como estaria correndo o seminário. E Cláudia e Paula em Londres? O que estariam fazendo?  Pouco dormi durante a noite, e pelo movimento em minha volta e pelo tempo que sinto ter passado, já deveríamos estar chegando. Resolvi conversar um pouco com minha visinha de banco... Sinto que está um pouco tristonha e precisando de ajuda. Vou terminar aqui esse primeiro capítulo dos acontecimentos dessa viagem. Será que algum dia  vou finalizar, ou, quem sabe, vai ficar inacabada como outras estórias que tenho escrito...         

 

Após passar duas semanas em Peroselo, enquanto esperava o avião no aeroporto de Porto para voltar a Londres, escrevi essa poesia

 

 

TEMPO DE ESPERA.

 

 

Tempo de espera

Tempo de pensar.

Pensar no que passamos,

E como vivemos a nossa vida.

 

Vivi momentos inesquecíveis,

Momentos felizes

A convite de...

Sr. José, Isolda e Dona Laurinda,

 

Gente de coração puro e grande,

Gente de coração quente e amigo.

Gente que me apresentaram a Penafiel

E a uma linda vila que chamavam de Peroselo.

 

Terra onde nasceu Sr. José,

E também Dona Laurinda.

Terra onde senti

Uma grande devoção a Maria.

 

Terra de pequenos gigantes,

Portugueses heróis de íngremes pedreiras.

Heróis de mãos deformadas,

Quase que granitizadas pelo trabalho pesado na terra.

 

Parto de Portugal,

Terra coberta por gigantescas montanhas de pedra.

Terra coberta por milharais, montes de feno,

E de vinhedos, de onde se extrai o melhor vinho de mesa.

 

Tempo de espera, tempo de pensar.

Pensar em agradecer ao Sr. José, Isolda e Dona Laurinda.

Momentos encantados, momentos de carinho.

Momentos em que passei em uma linda casinha.

 

Casinha azul e branca coberta de pedra,

Casinha que cheirava vinho.

Dentro queimavam pinho com lenha,

Fora... Era cercada por gerânios vermelhos.

 

Coisas para pensar,

Pensar e relembrar:

Sino que toca, missa na igreja,

Reza do terço e o barulho da moto que passa.

 

Assim continua o galo cantando

E a vida na aldeia.

Peroselo, lugar em que fui e gostei.

Lugar que ali... Amigos deixei.

 

 

Londres. Já estava em casa há quase um mês, quando resolvi terminar essa estória. Não vou escrever muito, vou escrever apenas sobre a minha vizinha de lado, e terminar o segundo e último capítulo da  estória do casal que não era casado, e do pai que não era pai.

 

Como havia imaginado, minha companheira de viagem era uma pessoa boa, carente e tristonha. Era uma senhora inglesa, casada com um senhor português, com quem por muitos anos viveu junto e feliz, até que um dia, repentinamente o marido morreu. Era professora de inglês, morava em uma pequena aldeia, e o mais triste, é que não faziam dois meses havia perdido seu único filho com câncer. Ele tinha 34 anos, era solteiro e professor de história. Moravam juntos, e esse filho era sua única companhia. Na vida certas pessoas  são marcadas pelo sofrimento. Fiquei com pena de não ter dado um pouco mais de atenção a essa pessoa que estava sofrendo tanto durante a viagem. Se eu soubesse o que ela estava passando...

 

Quanto ao jovem casal, foi muito interessante a saída deles do avião. Encontrei os dois perto da esteira esperando pelas malas. Ele continuava a carregar o bebê parecendo realmente um pai carinhoso. Ela estava radiante. Pensei comigo mesma: “Moça de sorte”. Como dizia Vinícius: “As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”, e isso ela tinha em abundância.

 

Enquanto esperávamos por nossas malas, fiquei junto da minha vizinha tristonha. Fiquei louca de vontade de contar o que sabia sobre a vida do jovem casal que estava a nossa frente dizer que não eram casados e que o rapaz não era o pai da criança. Mas, egoisticamente, e com estranha satisfação, guardei para mim aqueles momentos. Minhas memórias dessa viagem que fiz sozinha pela primeira vez.

 

 

MARIA LÚCIA COSTA

Londres-Portugal  -  31.09.89