SERÁ VERDADE???
Custo a acreditar que estou definitivamente morando no Rio de Janeiro.
Tenho
certeza, de que vou ser muito feliz, vivendo nessa cidade tão importante do
Brasil. Fico muito preocupada, pois a cada hora me colocam em um lugar diferente
nesse apartamento onde meus pais vivem. O apartamento é bem maior do que o que
costumávamos morar em Londres. Não tenho idéia de tempo, mas escuto meu pai
falando, que o apartamento apesar de ter levado quase oito meses em obra, ainda
faltavam vários consertos a serem feitos.
Durante todos esses meses moramos em casa da mãe do meu pai. Parece mentira, mas, desde que cheguei nesse apartamento, estou vestida com o meu casaquinho vermelho e minhas botinhas pretas, mas, é assim que minha mãe gosta de me ver vestida. Um certo dia, minha mãe me segurou, e me levou para o seu banheiro. Pensei que fosse me dar um banho, ou me arrumar diferente, mas apenas me colou em cima de uma espécie de banqueta, toda forrada com um tecido estampado, coberto com flores cor de rosa e folhas verdes. Essa estamparia parecia os sofás das casas em que eu costumava morar em Londres. Enquanto ficava recostada nas almofadas da banqueta, via meus pais algumas vezes passando em frente à porta.
Parecia que minha mãe estava procurando um novo
lugar para me colocar, mas, fiquei despontada, pois quando apareceu, trazia nos
braços um lindo anjo com cabelos longos e loiros.
O anjo estava vestido com uma camisola comprida, em tecido de seda pura dourado. Tinha azas brancas e muito compridas, parecendo querer voar. Era realmente lindo...
Fiquei com uma certa inveja, pois ouvi quando minha mãe falou para meu pai, que o anjo iria ficar no quarto de hóspedes, embora fosse um anjo próprio para ser usado somente durante o Natal. Em uma de suas mãos, o anjo segurava uma vela em feitio de lâmpada, que ascendia enquanto balançava a cabeça e suas mãos. Seria usado como abat-jour nesse quarto. Realmente era pena deixar essa preciosidade dentro de um armário como costumavam fazer comigo.
Estou achando o calor no Rio de Janeiro insuportável. Fico curiosa em conhecer essa praia de Ipanema que é tão famosa, me refrescar um pouco, e me ver livre dessa roupa calorenta que uso.
Parece mentira, mas, quando uso roupa quente começo a sentir calor. Sei que não sou de verdade, mas... algumas vezes gosto de sonhar que sou. Agora que estou morando no Rio de Janeiro, vou precisar usar roupas mais leves e frescas. Para ir a praia, penso que não vai ser difícil para minha mãe encontrar algum biquíni que dê em mim. Ouvi falar, que até crianças usam biquínis aqui no Rio de Janeiro, e bem pequenininhos. A minha sorte é que eu sempre uso um colam em baixo do meu vestido, que deve servir para ser usado na praia. Prefiro usar colam a usar um biquíni. Charlotte, acorda!!! Já pensou você entrando no mar!!! É verdade, penso que minha mãe não vai deixar. Deve estragar minhas trancinhas douradas que ela tanto se orgulha. Mas, pensando bem, penso que só irei mesmo à praia, quando as netinhas dos meus pais chegarem de férias. Tenho certeza de que não vão me largar, como fizeram da outra vez que estiveram no Rio de Janeiro. Vai ser tão bom quando chegarem… sinto muita falta delas.
Acho que tenho mesmo, é, de parar mais uma vez de sonhar que sou criança de verdade, e não me apegar à todas as crianças que encontro.
Nunca na minha vida havia conhecido uma “empregada”, encontrar uma aqui no Rio de Janeiro, foi novidade para mim. Minha mãe tem uma, chama-se Ondina. Ter empregada é coisa de brasileiro. Durante os quinze anos em que meus pais viveram em Londres, quem fazia todo serviço da casa era minha mãe. Ouvi falar, que Ondina está trabalhando para a família, há mais de trinta anos. Cláudia tinha apenas três aninhos. Como meus pais e seus filhos devem gostar dela… é como se fosse uma pessoa da família, não?
Ouvi a porta bater. Que sorte!!! Acho que meus
pais saíram. Ondina hoje não está em casa, é seu dia de folga. Saí rápido da
banqueta, e fui conhecer mais um pouco o apartamento. Nunca vi um apartamento
com tantas portas. Logo na primeira porta que abri, encontrei o quarto de vestir
da minha mãe.
Quase
tomei um susto, pois no quarto estava Lúcia com suas tranças louras e compridas
feitas de lã. Lúcia era uma das bonecas da minha mãe. Com sua carinha risonha e
muito engraçada, Lúcia parecia sempre estar esperando por alguém para fazer
alguma peraltice. A florzinha cor de rosa que minha mãe colocou no seu cabelo,
fazia com que ficasse mais engraçada ainda.
Lúcia estava sentada perto de uma almofada, que Paula havia enviado dos Estados Unidos para minha mãe. Pelo que estava escrito na almofada, parecia que Paula sentia vontade de abraçá-la todos os dias. Na almofada estava escrito: “Hug Your Mom Today”. Paula sempre foi muito meiguinha e carinhosa.
Assim que me viu, Lúcia logo pulou em cima do sofá, e me apresentou a três lindas palhacinhas que estavam junto dela.
Eu nunca havia visto bonequinhas tão delicadas, e eram bem diferentes. Eram bonecas tipicamente Inglesas. Fiquei surpresa, pois não lembrava da minha mãe ter trazido essas preciosidades para o nosso apartamento. Eram muito clarinhas e feitas de porcelana.
Segundo Lúcia, minha mãe tinha outras do mesmo tipo, guardadas em um caixa verde dentro do seu armário. Há!!!… penso que minha mãe escondeu de mim, com medo que eu as quebrasse com o ciúme doentio que algumas vezes sinto. Minha mãe não sabe que, depois que tentei acabar com a vida de Florida por causa de ciúmes, nunca mais fiz maldade com nenhuma boneca que ela trazia para nossa casa. Pelo contrário, procuro fazer do nosso grupinho que cada dia mais cresce, uma verdadeira família. Ensino a cada um deles a serem sempre amigos.
Vou contar para vocês um segredo que sempre guardei só para mim. Acho que esse ciúme doentio que eu sentia, algumas vezes volta ao meu coração, mas bem pouquinho mesmo, pois tomo um cuidado louco para não aumentar. Senti isso, quando um certo dia, minha mãe me segurou e me levou para o seu quarto de dormir. Qual não foi a minha surpresa, quando notei que começou a cuidar da Amiguinha que estava em cima da cama, e não de mim como eu pensei que fosse fazer.
Vestiu a Amiguinha com uma de suas blusas que
mais gostava. Pensei feliz: “Será que vai acontecer a mesma coisa comigo?”
Mas,
permaneci horas, dentro do plástico que me colocaram, tentando ver através de
sua transparência, o que estava acontecendo.
Pude ver a mudança que houve na Amiguinha. Mas… um dos seus olhos não abria!!! Fiquei assustada. Uma boneca tão linda, não vai poder viver só com um dos olhos abertos. Será que meu pai vai consertar como sempre faz com brinquedos quebrados???
Ouvi falar, que no Brasil, tem um tal do jeitinho brasileiro que parece milagre. Esse jeitinho brasileiro resolve tudo que está errado com as pessoas, até mesmo com bonecas. Tomara que isso aconteça com Amiguinha. Bem, não vou me preocupar muito com isso, já tenho preocupações demais na minha vida.
Que susto tomei!!! Nem ouvi minha mãe chegando. Ela voltou tão rápido... mas, está saindo outra vez!!! Não estou entendendo. Onde será que ela vai. Antes de sair, me pegou novamente em seu colo, e me colocou em cima da cama do seu quarto de vestir. Não aceitei mesmo, essa atitude de minha mãe. Por quê será? Por quê não me deixou perto da Amiguinha para que eu tivesse companhia por algum tempo???
Quando a noite chegou, vi quando minha mãe entrou no quarto, abriu o armário, e escolheu com cuidado uma roupa de festa muito bonita para usar. Fiquei pensando, o que poderia estar acontecendo com meus pais. Assim, logo que ouvi a porta bater com meus pais saindo, com dificuldade sai rápido do armário, e fui procurar Amiguinha.
Não encontrei a Amiguinha onde sempre costumava
ficar.
Abrindo
portas e mais portas do apartamento, felizmente a encontrei, parecendo uma
princesa, no banheiro do meu pai.
Amiguinha estava deitada em um sofá cinza, com seus olhos azuis ambos abertos, e perfeitos. Fiquei feliz com essa transformação.
Calmamente, parecia estar à espera da minha mãe para terminar a “limpeza” que fazia nela.
Enquanto pensava em chamar a Amiguinha para
poder brincar, tive uma brilhante idéia.
A de colocar a Amiguinha já arrumada, na cadeira de balanço que ficava no quarto
de meus pais. Fiquei preocupada, pois seria uma tarefa bem difícil para mim.
Falei com Amiguinha o que estava pensando fazer, e muito feliz, logo
aceitou a minha idéia. Ficar definitivamente no quarto de meus pais era o desejo
de todos nós, ainda mais na cadeira que ficava bem em frente a televisão, a
maior distração de meu pai durante a noite.
Para Amiguinha ficar arrumada, só faltava colocar o lindo lenço preto com flores vermelhas no seu cabelo. Não seria muito difícil. Difícil mesmo seria colocar Amiguinha em cima da cadeira. Resolvemos esse problema, colocando várias almofadas uma após outra para dar altura, e assim, conseguimos o que queríamos. E quando minha mãe chegasse e visse Amiguinha no seu quarto!!! Não havíamos pensado nesse problema. Bem, penso que ela iria ficar muito feliz, pois Amiguinha ficou muito bem naquela cadeira. Enfeitou o seu quarto. Eu que gostaria muito de ficar no seu lugar, mas, seria impossível, pois ficava bem perto da janela onde entra o tal ar perigoso que vem da praia.
Cada pessoa tem o seu destino na vida. O meu, é ter que passar por todos esses cuidados, pois sou um personagem muito importante nas estorinhas que minha mãe escreve. Tenho que estar bem vestida e perfeita para sempre.
Gosto de lembrar o dia em que a bagagem de meus
pais chegou ao Rio de Janeiro. A primeira coisa que minha mãe fez, foi nos
colocar em um lugar seguro onde ninguém pudesse nos tocar. Ficamos juntinhos e
sempre felizes, empilhados em cima de um sofá que ficava perto da janela do
escritório.
Mãezinha parecia estar sempre dormindo, pois seus lindos olhos azuis, só abriam no momento em que ficava em pé. Não sei como a flor que enfeitava sua cabeça, apesar de nossas brincadeiras, nunca havia caído. Feliz sempre tentava fazer novas peraltices, puxando as tranças de Lúcia ou virando cambalhotas. Lúcia não gostava.
Em nosso grupinho, durante nossas brincadeiras, tudo era motivo de alegria.
Apesar de sempre brincarmos muito, nunca desarrumávamos as roupas que vestíamos, para que nossa mãe não descobrisse as brincadeiras que fazíamos.
Sentíamo-nos realmente felizes em casa de
nossos pais, e esperávamos que nossa mãe nos deixassem juntos para sempre.
Após passarmos alguns dias entulhados naquele sofá onde só olhávamos para o této, nossa mãe mais uma vez resolveu nos trocar de “moradia”. Fomos colocados dentro de um armário que ficava no seu quarto de vestir.
O espaço apesar de ser grande, quase não cabia para ficarmos todos juntos. A Amiguinha também foi coberta com um plástico, mas não perdia o seu ar de pessoa muito importante que sempre tinha. Muito engraçada ficou Pirulita, tentando se sustentar com sua única perninha, enquanto segurava em todos nós para conseguir ficar em pé. Parecia querer empurrar a Espantalhinha sem nome para o canto do armário. Pirulita sempre se recusava a ficar deitada, ou não gostava, quando minha mãe colocava algum de nós na frente dela. Era a mais curiosa do grupo, e gostava de ficar atenta a tudo que acontecia quando alguém abria a porta do armário.
Florida como sempre, com seu narizinho pontudo vermelho, nunca perdia o seu sorriso de menina levada. Feliz foi colocado pendurado em um cabide, para que suas pernas de palha não estragassem. O problema maior seria quando Feliz quisesse brincar. Como sair de onde estava!!! É bem melhor deixar para pensar nisso mais tarde.
Quanto cuidado nossa mãe tem com a gente, e como foi bom ficarmos todos juntos mais uma vez. Já estávamos há dois anos no Brasil, era o ano 2002, e nunca havíamos saído de dentro daquele armário, a não ser quando chegavam visitas. Todos ficavam curiosos em ver os personagens das estorinhas que minha mãe escrevia.
Brincar dentro do armário seria impossível, e
sair também. Como voltar para o armário e nos colocar na mesma posição que nossa
mãe havia nos deixado!!! Foi um período bem cansativo, principalmente para
nossas boquinhas, pois a nossa distração preferida, era conversar uns com os
outros.
Cada qual inventava uma estória mais engraçada, só que, não podíamos rir muito, para não mudarmos de posição. Era realmente uma situação bem difícil...
Mal acreditei no que ouvi, quando um certo dia minha mãe conversava com meu pai. Seus amigos Affonso e Regina tinham convidado meus pais para passar um fim de semana em sua casa em Friburgo. Pediram que eu fosse, pois suas netinhas e uma de suas amiguinhas que também havia sido convidada, queriam me conhecer. E assim aconteceu. Saímos bem cedo. Fiquei com meu coração partido, porque deixei meus amiguinhos tristes por não poderem ir. Pela primeira vez eu estava saindo de casa após ter chegado ao Brasil... e me sentia muito feliz.
A viagem foi longa e calorenta. Minha mãe resolveu me levar com a roupa que cheguei de Londres, para que todos pudessem ver como eu me vestia bem onde vivíamos. Penteou minhas trancinhas douradas, e ajeitou os lacinhos tão bem feitos das minhas botinhas.
Assim que chegamos, logo notei que as netinhas de tia Regina com sua amiguinha não haviam chegado. Elas ficaram de vir no carro dos pais da amiguinha, que se chamava Tassia. Era muito difícil para mim, guardar os nomes de todas as pessoas que eu estava conhecendo no Brasil.
Eu sabia, que as netinhas de Affonso e Regina, chamavam-se Carolina e Gabriela, mas, eram conhecidas como Carol e Gaby. Esquisito, não? Colocam certos nomes nas filhas e chamam de outros. Felizmente desde que cheguei, sou conhecida por todos como Charlotte.
Enquanto
meu pai retirava as malas e as comidas que trouxeram do carro, tia Regina logo
mostrou onde eu iria ficar. Fiquei em um dos quartos de suas netinhas, mas... em
uma cama de grade, e isso eu já não estava gostando. Será que não vão parar de
pensar que sou criancinha, ou que bonecas não podem se mexer sem cair da cama!!!
Fiquei esticada na cama parecendo uma criança morta e preparada para ser enterrada. Meus amigos sempre falam que eu só tenho pensamentos macabros. Estou quase acreditando no que falam.
O que eu não queria, é que quando minhas novas amiguinhas chegassem, me encontrassem em uma cama de grade como se fosse uma criança. Mas, como não posso reclamar, acabei ficando deitada e coberta com o plástico calorento que colocaram em mim durante a viagem.
Pouco tempo depois, minha mãe apareceu e começou a me arrumar na cama. Procurava me colocar em uma posição em que eu ficasse bem bonita no momento em que as meninas chegassem. Tia Regina falou para meus pais, que estavam todas agitadas, pois iriam me ver pela primeira vez.
Minha mãe sempre foi muito perfeccionista. Depois de várias tentativas, minha mãe me colocou deitada de bruços. Fiquei realmente parecendo uma criança dormindo. Fiquei muito feliz, pois eu queria impressionar bem as meninas nesse nosso primeiro encontro.
Quando à tardinha elas chegaram, ouvi quando correram em direção a casa de tia Regina, querendo cada uma delas ser a primeira a me encontrar.
Todas três tentavam passar ao mesmo tempo pela mesma porta. Coisa que crianças quando estão juntas costumam fazer. Quando chegaram perto da cama, senti que me seguravam. Começaram logo a tirar a minha roupa. Fiquei surpresa, pois achava que tinham que, antes, pedir à minha mãe. Me deixaram somente vestida com o meu vestidinho de xadrez, e usando o meu chapeuzinho com o lírio amarelo preso em cima.
Assim que minha mãe entrou no quarto, notei que havia ficado assustada. Como podiam ter feito isso sem falar com ela!!! Mas, vi que minha mãe sorriu, pois me encontrou em pé na grade da cama, como se fosse uma criança querendo sair. Era isso que eu estava aflita para fazer, mas seria impossível adivinhar esse meu desejo.
Assim, quando notei que todos estavam ocupados
com os afazeres da casa, com muito esforço saí da cama. Fui correndo apressada
com minhas perninhas curtinhas, em direção ao quintal.
Quando
cheguei no quintal, foi que pude ver como a casa da tia Regina era bonita.
Fiquei surpresa, quando encontrei o quintal, uma casinha parecendo ser para
criança brincar. Era grande e muito alta.
Penso que daria até para um adulto entrar.
Que casa linda!!! Pensei comigo. Fui andando com muito cuidado em sua direção, e, enquanto subia as escadinhas em frente a casa, pude ver pela porta que estava aberta, que as três meninas estavam brincando. O que fazer... Achei que fossem ficar assustadas ao me ver junto delas e andando sozinha.
Mas, fiquei surpresa, pois correram ao meu encontro, e como mágica, comecei a falar e a ser criança como elas. O que estaria acontecendo!!! Fiquei muito assustada. Será que a Rainha das Fadas atendeu ao meu pedido!!! Enquanto vinha para Friburgo, vagando em meus pensamentos, pedi à Rainha das Fadas, que ao menos por um milagre eu pudesse durante aquele fim de semana virar criança de verdade. Queria muito poder brincar com Carol, Gaby e Tassia.
Naquele momento, fiquei emocionada, ao ver que ela havia atendido o meu pedido.
Pedi segredo às meninas sobre o que estava acontecendo, e prontamente prometeram guardar esse segredo para sempre. Foi um momento muito importante, e ao mesmo tempo preocupante para mim. Corríamos o perigo, de Gaby, que tinha apenas quatro aninhos, esquecer o nosso trato e começar a falar comigo. Apesar da sua pouca idade, Gaby era uma menininha muito inteligente, e nunca faria isso, principalmente para não estragar nossas brincadeiras.
Ouvi quando Carol pediu ao meu pai, que tirasse uma foto de nós quatro, sentadas em um banco naquele quintal tão bonito e florido. Passamos um fim de semana muito divertido. Fiquei com pena de ter que voltar ao Rio de Janeiro, mas, já estava com saudades dos meus amiguinhos e aflita para contar todas as novidades sobre o nosso fim de semana.
Após já ter passado alguns dias do nosso encontro em Friburgo, enquanto minha mãe foi ao mercado, consegui ligar o seu computador e escrever uma cartinha para Tassia. Disse o quanto foi bom o fim de semana que passamos juntas. Quando moramos em Londres, enquanto meus pais estavam fora de casa, algumas vezes eu usava o computador, e acabei aprendendo como ligar, desligar e mesmo a usar, essa máquina tão importante no mundo de hoje.
Como gostei de viajar com minha mãe e meu pai, e poder conhecer você. Gostei de tudo que vi na casa linda de tia Regina. Graças a Fada Rainha, pude virar criança de verdade e brincar com todos os brinquedos que você costuma brincar com suas amiguinhas Carol e Gaby.
Lembro quando chegamos de viagem, e vocês não
haviam chegado. Assim que chegamos, minha mãe me colocou em um berço como se eu
fosse um bebê. Foi onde vocês me encontraram. Fiquei com vergonha de estar ali,
mas não pude falar nada. Fico muito aborrecida quando sou tratada como criança,
pois já sou quase do tamanho de Gaby. Você não acha? Bem… não sei ao certo qual
a idade que tenho, pois nunca tive uma mãe certa desde que me fizeram para
servir de brinquedo de crianças ricas. Foi na época do Natal, e não esqueço essa
noite, pois foi uma noite muito especial para mim. Lembro ainda o rostinho de
felicidade da menininha que me recebeu como presente. Seu nome era Gabrielle.
Que coincidência, não? Quase igual ao nome de sua amiguinha Gaby. Muito
estranho... Gabrielle não é um
nome
Inglês. Ouvi falar que é um nome Francês, mas, quem sabe a mãe dela havia
nascido na França.
O que mais gostei na casa de tia Regina, foi quando vocês vieram me conhecer. Como gosto de ver crianças como eu, apesar de você e Carol já serem bem crescidas. Infelizmente vocês sempre saiam de perto de mim, e eu ficava sozinha. Lembro o dia em que Gaby me colocou em pé na grade. Fiquei parecendo uma criança querendo sair da cama. Era na verdade o que eu queria fazer, mas, ninguém me entendia e nem me ajudava. Foi nesse dia, que minha mãe entrou no quarto e tomou um grande susto, mas, logo viu que havia sido alguma de vocês que havia me ajudado a fica em pé na cama. Como todos sabiam, eu era mesmo uma simples boneca.
Tassia, sabe onde me colocaram para voltar ao Rio de Janeiro? Você nem acredita. No porta-malas do carro. Imagina!!! Eu, vestida com meu casaquinho Vitoriano, super quente, guardada como uma mala qualquer durante várias horas. O dia estava tão quente, que cheguei a ficar moreninha como você. Infelizmente não foi por ter ficado na piscina pegando um solzinho gostoso ou brincando de jogar bola como vocês costumam fazer quando passam o fim de semana em casa de tia Regina. Lembro que, de onde eu ficava, ouvia todos se divertindo no quintal e na piscina. Como eu queria ser criança de verdade… mas, penso que já estou me acostumando com a vida que estou levando. Sou muito feliz e não posso reclamar, pois, só ter conhecido vocês e ter saído do armário onde vivo com meus amiguinhos, já foi um grande acontecimento em minha vida. Quando voltamos de Teresópolis, minha mãe me colocou novamente no armário junto com meus amiguinhos. Encontrei todos tristes, até o momento em que me viram voltar para junto deles. Quem sabe na próxima viagem, a minha mãe leva todos com ela. Ouvi quando falava com meu pai, que tinha vontade de levar todos para Teresópolis, mas… a tia Regina só convidou a mim. Achei a tia Regina muito alegre e risonha. Ela deve ser uma avozinha maravilhosa...
Bem Tássia. Eu só queria dizer que gostei muito de você. Vem um dia aqui me ver. Apesar de não poder falar e brincar com você, vou gostar muito de ver você outra vez. Achei lindo o seu cabelo escuro, bem diferente de minhas trancinhas douradas, as quais me orgulho muito delas.
Um beijinho. Charlotte, sua amiguinha.
Espero um dia receber uma resposta de Tassia. Será que ela usa também o computador? Penso que sim, pois soube que ela é muito estudiosa, e usa sempre essa peça que penso algumas vezes ser mágica.
Mal
acreditei, quando ouvi meus pais conversando por telefone com seu filho e sua
nora. Suas netinhas queriam vir passar suas férias no Rio. Minha mãe ficou logo
agitada e feliz com a visita das meninas.
Tive que esperar uma semana, data em que a mãe dela viria ao Rio para trazê-las. Como foi bom ter crianças em casa. Assim que chegaram, a primeira coisa que perguntaram à minha mãe, foi onde eu estava guardada. Sabiam que não podiam brincar comigo, como qualquer boneca, assim, ficaram esperando pelo dia em que minha mãe prometeu me levar junto com elas na aula de natação. Durante todo o mês de férias, elas iriam aprender a nadar.
Um
certo dia, após terminarem o café da manhã, começaram a tirar o meu casaco e o
meu vestido. Fui ficando assustada, pois pensei que fossem me levar
completamente sem roupa pela rua. Apesar da Aquatop onde iriam aprender a nadar
fosse quase em frente à casa de meus pais, eu não gostaria de sair sem roupa
pela rua. Até que fiquei bem, pois deixaram o meu colam azul marinho, que era da
mesma cor do maiô que usavam. Naquele momento, eu me senti parte do mundo em que
viviam.
Graças a essas menininhas tão boazinhas, tive a oportunidade de ficar como sempre quis, usando roupa bem fresca para o clima do Rio de Janeiro. Felizmente não tiraram minhas botinhas, pois minha mãe não permite que os lacinhos sejam desamarrados. Isso é uma mania que minha mãe tem, e todos em casa respeitam.
De qualquer maneira, eu não iria entrar na piscina. As meninas queriam apenas me apresentar à sua professora, para que conhecessem a Charlotte das estorinhas que minha.mãe escreve. Sinto o quanto gostam de mim, e fico muito feliz com isso. Um certo dia fiquei pensando, se todas as bonecas que existem no mundo, pudessem se bem tratadas e felizes como eu sou. O que mais me preocupa, é, se algum dia, minha mãe resolver me entregar para suas netinhas tomarem conta de mim.
Será que vão me tratar bem como minha mãe??? Bem, só o tempo vai responder essa pergunta.
Tiramos algumas fotos juntas. A que mais gostei, foi a que fiquei sozinha na borda da piscina, como se estivesse me preparando para dar um mergulho. Ouvi quando as professoras falaram, que eu era a mascotinha da Aquatop. O que seria isso??? Naquele momento, eu não sabia se ficava feliz ou preocupada.
Gostei muito do lugar em que Stephanie, Rebecca e Caroline aprendiam a nadar. O lugar era lindo, e com muito movimento de crianças. Tinha duas piscinas. A que ficava em baixo era usada pelas pessoas mais velhas fazerem exercícios, e a que ficava no primeiro andar, era usada pelas crianças. Alguns pais e algumas crianças olhavam para mim surpresos, pois nunca viram uma boneca vestida como se fosse entrar na piscina, usando botas, e que ficava apenas olhando as pessoas nadando.
Quando estavam de férias, meus pais sempre levavam as netinhas à praia. O que mais gostavam de fazer, eram procurar conchinhas diversas na areia junto com eles.
Chegando em casa, lavavam, e separavam as que tinham um furinho para fazer pulseiras, colares, e as que não tinham furos, faziam muitos porta-retratos bem diferentes e lindos.
Lembro bem como se fosse hoje, quando Stephanie deu um colar de presente à minha mãe, e para meu pai, fez um porta-retrato onde colocou uma fotografia das três juntas. Para Ondina, também fizeram um, para que guardasse como lembrança.
Sempre me colocavam na mesa junto delas como se fosse possível eu fazer alguma coisa, e usavam muito bem a imaginação de criança enquanto criavam o que faziam. Passavam horas trabalhando com fios coloridos, conchinhas e tudo mais que conseguiam trazer da praia. Como eu ficava feliz vendo o mundo em que viviam.
Só em ficar junto delas eu já me sentia feliz, e
mais ainda, quando saiam. Era quando eu aproveitava para mexer nas conchinhas
que eu tanto gostava, e podia assim fazer também algum enfeite.
Usar a minha imaginação eu podia, mas como deixar o que eu fazia para que todos vissem??? Ficava com pena, pois todos os objetos que eu criava, tinham que ser desfeitos antes que voltassem. Difícil mesmo era encontrar os lugares certos onde as conchinhas ficavam, para que não notassem que eu havia mexido.
Bem, Ondina estava sempre na cozinha preparando o almoço, mas... Será que uma cozinheira sabe trabalhar também com conchinhas??? Penso que não.
Foram férias maravilhosas, as que as netinhas de meus pais passaram no Rio de Janeiro. O que mais gostavam de fazer, era aproveitar o tempo em que ficavam em casa, para procurar os brinquedos que foram dos filhos dos meus pais quando eram pequenos. Encontraram quase todos bem sujinhos e um pouco quebrados.
O mais engraçado, foi quando um certo dia, me
levaram na sala de visitas e encontrei algumas vasilhas de plástico cheias de
bonecas e bonecos, parecendo que tinham chegado da guerra. Ao mesmo tempo,
pareciam estar brincando uns com os outros. Alguns estavam sem cabeça, sem
pernas, mas não perdiam a graça de serem bonecos. Eu tinha certeza, de que minha mãe com a ajuda
de meu pai, iriam fazer com que voltassem a ser como antes. As roupinhas também
secavam pelo sol que penetrava pela janela da sala. Penso que, com a paciência
que criança tem, elas iriam conseguir refazer todos os brinquedos para que
parecessem novos outra vez.
Enquanto brincavam com os brinquedos, limpavam e
procuravam alguma parte que faltava. Lavaram todas as roupinhas, e com uma
certa dificuldade procuravam vestir em cada uma delas as próprias roupinhas, que
viam em fotos antigas que encontravam em álbuns da família.
Tanto os bonecos como todas as roupinhas, não estavam perfeitas, pois já existiam há mais de quarenta anos.
Foi pena ter
perdido as três peruquinhas de Barbie
que Teresa tinha. Como foi bom a nossa mãe ter guardado todos
esses brinquedos... Conseguiu fazer as suas netinhas bem felizes por algum
tempo. Os dias passaram rápidos, e as três netinhas de
meus pais tiveram que voltar para Campinas, onde moravam. Senti muita falta
delas.
Agora estou acreditando mesmo que estou morando no Brasil para sempre. Meus pais vão viajar novamente, e eu vou ficar nesse apartamento “quase” que sozinha, pois Ondina trabalha somente alguns dias na semana. Bom, é que tenho meus amiguinhos para me fazer companhia. Sem meus pais em casa, temos muito mais tempo para brincar, principalmente à noite quando Ondina está dormindo. Já estou ficando acostumada com as viagens de meus pais.
Bastava ver minha mãe nos tirar de cima de um dos armários do seu quarto, nossa "ultima moradia”, para desconfiar que alguma coisa iria acontecer. Logo eu tinha certeza, de que iam viajar.
Sempre nos levava para um dos cômodos do apartamento onde entrava mais sol, e não corríamos o perigo de ficarmos todos húmidos com o ar que vinha da praia.
Assim, Após nos colocar em cima da cama do seu quarto envoltas em sacos plásticos, minha mãe nos levou para o seu escritório. Nos colocou junto de dois armários, um era sua estante preferida, onde ficavam seus livros, e o outro, um tipo de sofá cama onde os netinhos dormiam quando vinham ao Rio.
Como gostavam de ficar até altas horas da noite vendo filmes na televisão. Brincavam, brigavam, e viam televisão ao mesmo tempo. Só paravam quando dormiam de cansados, pelo dia divertido e agitado que tinham tido.
Penso que, as férias que os netinhos de meus pais passam no Rio de Janeiro, nunca serão esquecidas.
Assim, depois de nos colocar em cima da cama do seu quarto envoltas em sacos plásticos, minha mãe nos colocou no seu escritório, junto de dois armários. Um era a estante onde ficavam seus livros, e o outro, um tipo de sofá cama onde os netinhos ficavam quando vinham ao Rio.
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Um certo dia, ouvi minha mãe conversando com meu pai, como ficou arrependida de ter deixado Doçura por tanto tempo em um guarda-móveis, enquanto moraram mais um ano em Londres antes de voltarem para o Brasil.
Sabem que eu acredito???
Penso que seria melhor, se ela tivesse deixado Doçura ficar junto com a gente mesmo sendo dentro de um saco plástico como ficamos.
O pelo de Doçura apodreceu, e começou a cair.
Nossa mãe gostava demais de Doçura, e sentimos o quanto foi difícil, colocar Doçura na lata de lixo.
Esse cuidado exagerado que nossa mãe tem, em parte é muito bom, pois mostra o quanto ela gosta da gente.
Pensando bem, até que é muito bom. Do contrário iríamos parar onde Doçura parou... Em uma lata de lixo.
COITADA DE DOÇURA...
BEAUGENCY/ FRANÇA, 03.08.2004
MARIA LÚCIA DA COSTA